• 08.03
  • 2016
  • 11:14
  • Amanda Ariela

Por que o crowdfunding pode manter o jornalismo fiel ao seu compromisso?

Texto escrito por Maria Teresa Ronderos e publicado em 4 de março de 2016, no site da Global Investigative Journalism Network. Traduzido e adaptado pela Abraji. 

Uma das primeiras experiências de crowdfunding foi realizada no site de jornalismo cidadão coreano Oh My News, criado em 2000. Eles pediam aos leitores que dessem gorjetas às histórias que mais gostaram e, dessa forma, pagavam as reportagens mais populares.

Dezesseis anos depois, o Google anunciou nesta semana o espanhol eldiario.es como um dos 128 projetos vencedores de seu Digital News Initiative Innovation Fund (Fundo de Iniciativas Inovadoras em Jornalismo Digital). Através dele, a companhia vai distribuir US$ 27 milhões para “desencadear pensamento inovador e dar às organizações de notícias da Europa todo o espaço necessário para que elas possam experimentar coisas novas.” De acordo com o Google, a organização se baseará em um modelo de crowdfunding tradicional de sucesso,identificando nichos de audiência e convidando-os para financiar uma história específica ou para preencher uma lacuna de financiamento para toda uma editoria.

Enquanto isso, o Publish.org, um projeto em construção, está desenvolvendo uma nova versão do experimento original que eles desenvolveram com o The Guardian, ao fazer leitores pagarem uma taxa de adesão que irá permitir que eles votem na melhor história, escrevam suas próprias e editem outras.

O que esses pioneiros entendem bem é que não se trata só de conseguir o dinheiro; trata-se de criar uma comunidade fiel de leitores. De certa forma, eles estão buscando pelo grupo perdido de assinantes leais dos jornais tradicionais, que ligavam para a redação nos tempos de crise, como se os jornalistas fossem parte da família. As novas audiências fragmentadas dos veículos digitais não se reúnem em torno de produtores de notícias, mas de redes sociais, e não percebem mais por que o jornalismo de qualidade deve ser pago, nem a forma como esses pagamentos ajuda a garantir a verdadeira mídia independente.

Crowdfunding ajuda veículos de produção de jornalismo a construir uma comunidade de confiança em torno de um modo de ser.

Húngaros financiam o Atlatzo, salvadorenhos, o El Faro; e os residentes de Hong Kong, o Factwire - porque eles acreditam que boa informação é indispensável para sobreviver como cidadãos. Eles sabem que ao apoiar histórias de qualidade bem apuradas, saberão o que realmente está acontecendo, e não serão enganados com informações tendenciosas ou dirigidas a um interesse específico.

Isso não é sobre sobre conseguir o dinheiro; é sobre criar uma comunidade fiel de leitores.

Existem, no entanto, nuances culturais no crowdfunding. Em muitos lugares do mundo ele ainda é visto como um pedido de caridade; como se os jornalistas estivessem requisitando um favor pessoal. E pessoas podem dar uns trocados, como fariam em doações na igreja. Felizmente, essa cultura está mudando. Mais cidadãos parecem entender que financiamento coletivo para o jornalismo é um exercício igualitário em profundidade. Eles estão cada mais conscientes de que, assim como a comida, eles não podem consumir só “porcaria” de informações.

Se os cidadãos só recebem informações de fontes contaminadas, eles não seriam capazes de responsabilizar o governo e as corporações por seus atos; sem saber quando seus interesses estão sendo feridos.

O Crowdfunding também é uma força democratizadora porque dá poder a suas audiências. Se as pessoas pagam pelas notícias, elas vão acompanhá-las e exigir qualidade. Claro, o velho modelo de negócios que sustentava o jornalismo estava funcionando, mas em muitas partes do mundo, ele foi deturpado pelo poder excessivo que deu a anunciantes (inclusive à publicidade estatal) em relação ao conteúdo editorial. Também deixou muito espaço para os jornalistas manterem o governo acomodado ao poder. Agora, se os cidadãos financiam voluntariamente um projeto jornalístico, eles esperam muito mais do que só jornalismo preguiçoso e podem fazer com mais poder aos jornalistas que eles contribuíram.

Por fim, o financiamento coletivo pode ser um escudo para o jornalismo sob ataque. As mesmas audiências que deram dinheiro a um site porque estão convencidas de que precisam de “jornalismo orgânico” feito de fontes saudáveis e ingredientes verificados para ter uma vida melhor, podem ser aquelas que saiam de seu caminho para defendê-lo quando estiver sob ataque. Por exemplo, quando aconteceram tentativas de censura ou intimidação a Malaysiakini, uma renomada mídia independente de Kuala Lumpur, sua audiência, que doou meio milhão de dólares para a construção de seu prédio novo, marchou nas ruas para protestar. Como você também vai ver nos exemplos abaixo, audiências já ajudaram a pagar pela defesa de jornalistas de sua confiança, nas ocasiões em que eles sofreram abuso legal, porque elas sentem que as histórias que eles contam são importantes e merecem ser defendidas.

As “faces” por trás do bom jornalismo

Em 2015, o Atlastzo.hu, um site de jornalismo investigativo independente da Hungria, conseguiu arrecadar de seus leitores o valor recorde de US$ 164 mil, através de uma estratégia criativa de campanha online e offline. “A mensagem principal é que o conteúdo é gratuito, mas que os jornalistas tem que sobreviver, então doe por favor,” diz Tamas Bodoky, o fundador do Atlastzo. “Não somos financiados por partidos políticos ou por oligarquias obscuras, precisamos de apoio público.” Sua campanha “Faces” coletou dinheiro para o salário de jornalistas que fizeram pequenas mensagens em vídeo descrevendo seu trabalho, suas conquistas e seus projetos futuros. A campanha “Átlászó 4000” foi visada para atrair contribuidores regulares de uma pequena quantidade de dinheiro todo mês -- conseguiu 3000. “Crowdfunding é muito importante para nós, fazemos campanhas frequentemente para que nossa audiência possa doar,” observa Bodoky. “Micro-doações contribuem com cerca de 50% de todo nosso orçamento para 2015”.

A audiência escolhe a pauta

El faro

Nos três últimos meses de 2015, o jornal El Faro de El Salvador arrecadou quase US$ 26 mil de 565 doadores, entre eles 11 organizações. Leitores foram convidados a financiar investigações específicas em vários assuntos sensíveis como impunidade, violência, corrupção, desigualdade ou imigração para o “Excavación Ciudadana” (Escavação Cidadã), projeto do jornal. Ainda que o El Faro não tenha alcançado os US$ 50 mil que buscava alcançar nesse período de tempo, o jornal planeja continuar com as campanhas de financiamento coletivo em um futuro próximo.

FactWire

Em setembro de 2015, cidadãos de Hong Kong apoiaram o lançamento da agência de reportagens investigativas FactWire, que ultrapassou seu objetivo de arrecadar 3 milhões de dólares de Hong Kong - cerca de US$ 386 mil-- alcançando um total de US$ 585 mil. Seu fundador, Hiu-Tung Ng disse que a campanha era para “ver se o público iria financiar uma fonte de notícias independente e acreditável.” A FactWire será administrada por um fundo, com todos os lucros investidos de volta na organização, e como uma agência de notícias vai investigar assuntos públicos oriundos do governo, de instituições públicas ou ONGs e assuntos de interesse público.

Investigando a violação dos direitos dos mais vulneráveis

O grupo de jornalismo investigativo Agência Pública, fundado em 2011 por um grupo de jornalistas mulheres em São Paulo, Brasil, arrecadou US$ 17 mil de 936 doadores em 2015. Seu objetivo é expor as responsabilidades do governo e das empresas aos cidadãos e revelar aqueles que violam direitos dos indígenas, dos pobres nas grandes cidades e daqueles que ocuparam terrenos informalmente e foram realocados à força durante a preparação para grandes eventos esportivos.

Crowdfunding para jornalistas encarceirados

A Iniciativa Defesa Legal da Mídia (MLDI, na sigla em inglês) fez uma campanha para financiar um apelo legal para dois jornalistas etíopes, Eskinder Nega e Reeyot Alemu, presos pela lei draconiana etíope, a Declaração Anti-Terrorismo. O MLDI arrecadou US$ 25 mil através de uma combinação de numerosas pequenas doações de $25 E $100 em birr, a moeda da Etiópia, e algumas quantias mais numerosas durante os últimos meses de 2013. Através de uma defesa legal melhor e da campanha de financiamento coletivo, um ano e meio depois Reeyot Alemu foi libertado.

O jornalista de Cingapura Roy Ngerng conseguiu arrecadar US$ 70 mil em taxas legais. O dinheiro veio, em sua maioria, de seus leitores, que ficaram consternados quando o primeiro ministro do país o acusou de difamação por expor corrupção governamental e por má administração do fundo de pensão estatal, do qual todos os cidadãos do país são obrigados a contribuir para.

 

Assinatura Abraji