Pinpoint da Abraji traz mensagens de grupos do Telegram relacionadas aos atos golpistas de 8 de janeiro
  • 03.02
  • 2023
  • 14:00
  • Alice de Souza e Eduardo Goulart de Andrade

Acesso à Informação

Pinpoint da Abraji traz mensagens de grupos do Telegram relacionadas aos atos golpistas de 8 de janeiro

Foto de capa: Ketut Subiyanto/Pexels

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) acaba de publicar mais de 7 mil arquivos de canais e grupos de extrema direita no Telegram, entre eles canais do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos deputados Nikolas Ferreira (PL-MG) e Bia Kicis (PL-DF). A maior parte do conteúdo se concentra entre os dias que antecederam as manifestações golpistas de 8 de janeiro, em Brasília, e os dias seguintes às invasões e depredações das sedes dos Três Poderes. 

Para elaborar a coleção, que reúne exatamente 7.187 documentos, a equipe da Abraji baixou áudios, vídeos, fotos e mensagens de 12 canais e grupos públicos do aplicativo.

Em um áudio compartilhado em 6.jan.2023 no grupo “☞⁠ ̄⁠ᴥ⁠ ̄⁠☞”, que até há pouco tempo tinha o nome de “Toca do Coelho”, um homem que afirma ser o major aviador Humberto Zenóbio Picolini diz:

“Vocês têm obrigação de se sublevar e se levantar. Assim como os generais tiveram obrigação e não cumpriram, nós, povo brasileiro, vamos nos levantar e vamos derrubar esse pessoal daí. Vamos invadir os Palácios todos e vamos tirá-los de lá a tapa se necessário for. Faremos, sim, com ou sem violência. Com ou sem legalidade”.

O Pinpoint transcreve automaticamente conteúdo audiovisual e transforma esses arquivos em PDF. As transcrições não são perfeitas, mas é possível ouvir gravações como essa na própria plataforma do Google e corrigir o texto do documento.

No dia seguinte (7.jan.2023), compartilharam uma mensagem nesse mesmo grupo, que reúne mais de 8 mil pessoas, com a indicação de que havia “ônibus gratuito para Festa”. O objetivo era acampanhar em Brasília, com água, café, almoço e janta de graça. Uma reportagem da Agência Pública mostra que bolsonaristas usaram a expressão “Festa da Selma” para coordenar a invasão em Brasília.

Outra mensagem, publicada no mesmo grupo na madrugada de 8 de janeiro, também fala sobre o plano de invasão: “Acho que o povo tem que tomar o prédio dos 3 poderes em Brasília para as FFAA decretarem intervenção militar”. Além disso, uma foto traz a seguinte frase: “Endereço Praça dos 3 Poderes. Dica do Exército Brasileiro”.

No grupo “Movimento Patriotas 🇧🇷”, que conta com mais de 2 mil membros, também há mensagens sobre caravanas que sairiam de vários estados para Brasília. Uma outra publicação pede que compartilhem um comunicado: "Tomada de Poder Pelo próprio Povo. Dias 7 e 8 de Janeiro". Já no grupo “GarotaDevota”, a equipe da Abraji encontrou uma mensagem que diz que o quartel general de Brasília era apenas para hospedagem e concentração “dos convidados que estavam chegando”. “LA QUE VAI SER COMBINADO: O HORÁRIO E A DATA PARA A FESTA DA SELMA. LEMBRAM DA SELMA, NÉ ? A FESTA NÃO É NO QG.” 

A equipe da Abraji etiquetou cada um dos arquivos dessa coleção com rótulos dos grupos e dos canais de onde as mensagens foram baixadas. É possível filtrar as pesquisas a partir dessas etiquetas. Também dá para buscar por nomes de pessoas específicas, por grupo ou por um tipo de conteúdo. Digitando “transcript” no campo de busca, ficam disponíveis todas as transcrições de vídeos e áudios publicados nos grupos. 

Nesses documentos transcritos, as pessoas mais mencionadas são, em ordem de frequência: Lula (178), Jair Bolsonaro (166) e Alexandre de Moraes (64). Em um dos áudios, publicado em um grupo antivacinas, uma pessoa que se autointitula Ana Priscila Azevedo faz uma convocatória no dia 4.jan.2023. Na mensagem, ela pede para as pessoas irem imediatamente para Brasília, para o ponto de concentração, no QG. “Na sexta-feira dia 6, nós vamos descer todos para frente do Congresso Nacional. Várias pessoas que estão dentro do acampamento lá em Brasília já entraram em contato comigo nessa madrugada, as pessoas já tomaram à frente, já pegaram o carro de som, está tudo acordado”, diz um trecho da mensagem. Ela também fala “Nós vamos ocupar, nós vamos resistir, não tem data para sair, senhores”. 

Ana Priscila Azevedo foi uma das pessoas detidas depois da invasão dos prédios dos Três Poderes. A busca por “Ana Priscila Azevedo” no Pinpoint retorna 60 documentos, entre transcrições de áudios, vídeos e mensagens de texto. Outra pessoa que aparece entre as mais citadas nos grupos, de acordo com o filtro do Pinpoint, é Thais Muquici. Em uma postagem no Twitter, de 30.dez.2022, ela escreveu que “Bolsonaro não disse que não tem apoio das FFAA, não mandou ninguém pra casa, não saiu do alvorada e o DOU TÁ LOTADO, falei!!”.

No dia das invasões, vídeos enviados ao grupo “Explorando a Lei com Thais Muquici” foram compartilhados em outros grupos de Telegram. Atualmente, ela mantém um canal no aplicativo, com 18 mil inscritos, onde compartilha uma chave Pix. No Twitter, Muquici diz ser “Advogada militar, CEO empresa UNIFORTE empreendimentos, patriota, armamentista e amo meu Brasil!”. A Uniforte Empreendimentos, cuja razão social é D.K.C. EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA, tem entre os sócios “Domingos Gomes de Deus Neto”. A informação foi obtida por meio da ferramenta CruzaGrafos, da Abraji e do Brasil.IO, que, ao interligar diversas informações em uma espécie de teia, possibilita a realização de verificações cruzadas e investigações avançadas de dados. 


Ferramenta CruzaGrafos mostra as relações da empresa Uniforte Empreendimentos



Outras relações de Domingos Gomes de Deus Neto exibidas no CruzaGrafos


De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, Domingos Gomes de Deus Neto doou R$18,6 mil para a campanha de Alonsimar de Oliveira Pessanha – que concorreu a deputado federal, pelo Podemos, no Rio de Janeiro, nas eleições de 2022.


Doação de Domingos Gomes de Deus Neto para a campanha de Alonsimar de Oliveira Pessanha

 

Chama a atenção o silêncio sepulcral do ex-presidente Jair Bolsonaro no Telegram em relação aos atos golpistas. Ele não publicou no canal nenhuma palavra sobre o tema. Já a deputada Bia Kicis compartilhou um vídeo de um discurso que ela fez na Câmara. No arquivo com a transcrição do Pinpoint, é possível ler e ouvir que a parlamentar alega que “os vídeos mostram infiltrados participando dos atos de vandalismo”. O deputado Nikolas Ferreira publicou um vídeo em seu canal no Telegram no qual afirma que “derrubaram” sua conta no Instagram depois que ele atribuiu responsabilidade ao ministro da Justiça Flávio Dino pelos atos de vandalismo do dia 8 de janeiro.

Acesse a coleção completa neste link.

Relatórios de transição de governos estaduais e federal

Como curadora do Pinpoint no Brasil, a Abraji publica mensalmente duas coleções com milhares de documentos de interesse público na plataforma. A segunda coleção do mês de janeiro é composta por 24 documentos produzidos pelo gabinete de Transição Governamental do governo federal, por comissões de seis estados – Piauí, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Amapá – e do Distrito Federal. 

Os documentos são diagnósticos realizados a partir das informações obtidas pela gestão anterior, mas podem apresentar também proposições da nova administração. A coleção será atualizada com registros e balanços que ainda estão sendo produzidos por estados onde ocorreram mudanças de gestão após as eleições de 2022.

Os arquivos foram enviados pelas equipes de comunicação em diferentes formatos. Há balanços de achados da gestão anterior, como o relatório de Pernambuco, e também organogramas, como o de Mato Grosso do Sul. No caso do governo do Amapá, o material recebido pela Abraji reúne links de textos publicados no site governamental. Para facilitar o acesso ao conteúdo de cada texto na íntegra, a equipe do Pinpoint da Abraji tirou prints de cada um dos textos, além de inserir o material recebido na ferramenta. Por isso, os nomes relativos ao governo desse estado aparecem com mais frequência nos filtros do Pinpoint. Já no caso de Santa Catarina, os relatórios estão sendo feitos por cada uma das secretarias. Até então, apenas um foi enviado, o da área de contas públicas.

No documento consolidado no Seminário de Transição, realizado pelo governo eleito e partidos da base com todas as secretarias do governo anterior do Rio Grande do Sul, é possível ver quais as propostas apresentadas por cada partido em seis eixos. O termo “Orçamento Secreto” é mencionado pelo menos uma vez, nas propostas relacionadas ao tema saúde do Partido União Brasil. Os termos “racismo OR antirracismo OR racista OR antirracista” aparecem apenas em dois documentos, dos governos Federal e do Rio Grande do Sul. Já “indígena OR indígenas” é mencionado em seis arquivos. E busca por “violência contra a mulher” OR “violência doméstica” retorna cinco documentos.

Como creditar as coleções da Abraji dentro do Pinpoint?

As informações disponibilizadas no Pinpoint pela Abraji são públicas, mas o trabalho de curadoria, seleção, diferentes tipos de download (manual, pedidos de LAI, webscraping, OSINT), descrição e pesquisa de exemplos é todo feito pela associação. Por isso, dar o crédito é importante para a manutenção do trabalho e monitoramento do impacto do que a equipe da Abraji realiza. Caso você ou a sua organização use as informações disponibilizadas, favor indicar que a informação foi “obtida em uma coleção pública da Abraji sobre o tema, dentro do Pinpoint do Google”, de preferência com o link para a análise de referência.

Dúvidas sobre coleções ou créditos? Escreva para [email protected]

Para conferir as coleções anteriores, clique aqui.

Assinatura Abraji