- 15.06
- 2023
- 12:30
- Alice de Souza e Eduardo Goulart de Andrade
Acesso à Informação
Pinpoint da Abraji mapeia a energia eólica em municípios com indígenas e quilombolas
Crédito da foto: Flickr/Pexels
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) publicou duas novas coleções de documentos de interesse público no Pinpoint. Uma delas reúne 718 arquivos de processos de outorga emitidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para empreendimentos de energia eólica instalados em cidades onde há localidades indígenas e quilombolas. A outra contém 458 documentos referentes a contratos da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) assinados em 2022 e neste ano.
A coleção de documentos sobre eólicas mostra que existem pelo menos 230 empreendimentos com esse tipo de matriz energética, cuja data de publicação do ato de outorga ocorreu entre 2022 e 2023, em cidades onde há presença de população indígena e quilombola. Para chegar aos documentos, a equipe da Abraji cruzou bases de dados da Aneel, autarquia federal criada para regular o setor elétrico brasileiro, e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A metodologia completa pode ser lida abaixo.
De acordo com a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), o país tem 890 parques eólicos em 12 estados, sendo cerca de 80% deles na região Nordeste. O boletim mensal do Ministério de Minas e Energia, referente a fevereiro de 2023, mostrou que, nos dois primeiros meses do ano, entraram em operação 1.134,8 MW de potência de usinas eólicas. O Brasil foi considerado pelo Global Wind Energy Council um dos três principais mercados do mundo para novas instalações de fontes eólicas em 2022. O relatório de 2023 produzido pela entidade coloca o país como uma potência mundial do setor. Um levantamento produzido pelo Ibama indica que há, além dos projetos instalados em terra, outros 74 processos de licenciamento ambiental de eólicas offshore – ou seja, com turbinas instaladas em área de mar – abertos até 24 de março deste ano.
O setor de energia eólica vive uma ascensão no Brasil, com uma capacidade que saltou de 1 GW de potência instalada em 2011 para 21 GW em janeiro de 2022, segundo dados do Governo Federal. A expansão dos parques está relacionada ao processo de transição energética, com a substituição da matriz baseada em combustíveis fósseis pelas fontes renováveis, o que significaria um menor impacto no meio ambiente.
Há, porém, um passivo socioambiental que começa a aparecer no Brasil. Um livro publicado em 2019, por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), evidencia os impactos em comunidades de cinco estados, quatro deles no Nordeste e um no Sul. Em abril, uma liminar suspendeu a licença de instalação e operação de parque eólico na cidade de Canudos, na Bahia, por ameaça à preservação da arara-azul-de-lear, espécie ameaçada de extinção. No Rio Grande do Norte, o acesso de pescadores à praia foi comprometido pela instalação de usinas, que gerou também aterramento de dunas e desmatamento, segundo o Mapa de Conflitos, Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, da Fiocruz.
Os processos de outorga disponibilizados no Pinpoint trazem trocas de email realizadas entre a Aneel e as empresas proprietárias das centrais eólicas, documentos usados para licenciamento ambiental, contratos de cessão realizados com donos de terras para instalação de aerogeradores em áreas privadas, CNPJs, nomes de sócios e outros dados e documentos referentes às empresas.
Procurando por “Quilombola”, o Pinpoint traz 95 arquivos. Dentre eles, este da Eólica Esquina dos Ventos SPE S/A que mostra inconsistências identificadas pela Aneel na documentação apresentada pela entidade. O documento mostra que dois parques a serem instalados pela empresa estariam em terrenos do Projeto de Assentamento Quilombo dos Palmares e do Projeto de Assentamento Meu Rancho, ambos no Rio Grande do Norte.
Outro documento, referente ao Requerimento de Outorga do empreendimento eólico EOL Lagoa dos Barros I, no Rio Grande do Sul, traz escrituras públicas de áreas de terrenos concedidos às empresas para instalação do parque eólico. O arrendamento é, geralmente, o método utilizado pelas empresas para conseguir área para instalar as turbinas.
No arquivo da EOL Lagoa dos Barros I, por exemplo, os contratos estabelecem um período de uso da terra de 25 anos, que só começa a contar a partir do início da operação comercial. As cláusulas mostram ainda que o cultivo de vegetação, se alcançados sete metros ou mais de altura, passa a precisar de autorização da empresa. Os documentos mostram ainda que a "outorgada poderá ceder a concessão da Superfície, devendo a cessionária respeitar os termos desta escritura durante o seu prazo de vigência, sendo dispensada a anuência prévia do outorgante”, enquanto o proprietário da terra deve informar à empresa qualquer caso de alienação, cessão ou promessa de cessão de direitos do imóvel.
Já há estudos que investigam o desequilíbrio contratual entre as partes, favorecendo as empresas e estimulando a prática de green grabbing (grilagem de terras estrangeiras e apropriação de recursos para fins ambientais) por meio da expansão eólica no Brasil. Buscando por “escritura pública”, o Pinpoint mostra 56 documentos de contrato de cessão de terra feitos entre agricultores e pescadores e as empresas. Um deles, relacionado a contratos assinados com a empresa Ventos de Santa Rosa Energias Renováveis S.A, no Ceará, mostra que a empresa paga, no período pré-operacional do parque, R$ 2 por hectare do imóvel, por mês, aos donos das terras.
O impacto socioambiental de usinas eólicas e solares em áreas de comunidades tradicionais, assentamentos da reforma agrária e territórios quilombolas é alvo de investigação do Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública da Paraíba (DPE/PB). Além de possíveis abusos contratuais, danos à saúde da população e ao patrimônio histórico e arquitetônico estão na lista de problemas identificados.
Codevasf
A equipe da Abraji também fez um levantamento dos contratos da Codevasf assinados em 2022 e neste ano. Ao todo, identificaram-se 402 acordos no período – sendo que 379 (94%) tiveram seus processos de licitação iniciados no ano passado –, o que soma mais de R$ 1,9 bilhão. É importante frisar que 19 contratos não estão disponíveis na transparência ativa do órgão. Assim, juntamente com os termos aditivos, foram incluídos 458 documentos no Pinpoint. Em abril do ano passado, a Abraji já havia publicado uma coleção com contratos da Codevasf de 2020 a 2022.
O contrato mais caro foi no valor de R$ 294 milhões, fechado com o Consórcio Águas de Seridó – Ankara-Occ-Vipetro-Hl. O acordo prevê a execução de obras e serviços de engenharia para a implantação dos sistemas adutores, na região do Seridó, no estado do Rio Grande do Norte. Assinaram o documento Marcelo Andrade Moreira Pinto, presidente da Codevasf, Antônio Rosendo Neto Júnior, diretor de Desenvolvimento Integrado e Infraestrutura da estatal, e Vanessa de Mendonça Sarti Abubakir, representante do consórcio. Segundo dados da Receita Federal que constam no Cruza Grafos, ela é sócia da Ankara Engenharia Ltda (CNPJ 13.578.869/0001-60), que tinha o deputado federal Félix Mendonça Júnior (PDT-BA) como representante legal. Ele atualmente está no seu quarto mandato. Na eleição de 2018, Abubakir doou R$ 9 mil para a campanha de Mendonça Júnior.
O CruzaGrafos foi atualizado com os dados da Receita pela última vez em 2 de abril deste ano.
Ao pesquisar no Pinpoint os termos trator OR retroescavadeira, encontram-se 83 documentos. Relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou indícios de irregularidades na doação de um trator – que deveria servir a uma associação no interior da Bahia, mas que estava na casa de um vereador. Reportagem da Folha de S.Paulo ainda mostra que a cidade de Itatim, também na Bahia, recebeu da Codevasf equipamentos orçados em R$ 2,5 milhões e é base eleitoral do deputado Elmar Nascimento, líder do União Brasil.
A expressão "caminhão compactador de lixo" retorna com três documentos do Pinpoint. Um deles é um contrato com a Deva Veículos Ltda (CNPJ 23.762.552/0003-02), que prevê o fornecimento de 18 caminhões no valor total de R$ 7,6 milhões. Ou seja, cada unidade custaria cerca de R$ 427 mil. O dono da empresa é o prefeito Betim (MG), Vittorio Medioli (eleito pelo PSD, mas atualmente sem partido). De acordo com a revista Crusoé, o senador Carlos Viana (PODE-MG) enviou R$ 32 milhões em emendas do orçamento secreto para a Codevasf em Minas Gerais. Parte desse valor foi usada para comprar 32 caminhões na empresa do prefeito de Betim. Já esta reportagem do Estadão identificou um "boom" na venda de caminhões de lixo e possíveis sobrepreços.
Ao buscar a palavra "Dfranco" no Pinpoint, encontram-se 17 documentos relacionados à empresa Dfranco Construções e Serviços Ltda (CNPJ 07.506.424/0001-71), que pertence a Daniel da Silva Franco Júnior. Na última eleição, ele doou R$ 10 mil à campanha do candidato a deputado estadual Dirceu Ten Caten (PT-PA), que foi eleito para o seu terceiro mandato. Entre outros serviços, as contratações preveem obras de pavimentação em Tocantins, Amapá e Paraíba.
Como fizemos
Para chegar aos processos de outorga de empreendimentos eólicos no Brasil, realizamos um cadastro no sistema de consulta processual da Aneel, que permite aos cidadãos acompanhar o trâmite dos processos administrativos ostensivos da agência. Em seguida, utilizamos a página de dados abertos da entidade para obter o CSV que contém a lista com todos os documentos emitidos pela Aneel, referentes aos empreendimentos de geração de energia, a partir de 2015. Filtramos a tabela por SigTipoGeracao, selecionando “EOL - Central Geradora Eólica”, e DscFonteCombustivel, limitando a “cinética do vento”.
A partir daí, utilizamos a Base de Informações sobre os Povos Indígenas e Quilombolas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para identificar os municípios onde há presença dessas duas populações e onde também há um parque eólico autorizado. Para tanto, foi feito o cruzamento pelo nome das cidades utilizando as colunas 'NomMunicipio', da base da Aneel, e 'NM_MUN', da base do IBGE. Para evitar duplicidade e falsos positivos, já que há cidades homônimas no país, os nomes dos municípios foram padronizados com retirada de acentos e uso de maiúsculas. Com isso, um script em Python foi usado para identificar a similaridade entre as duas listas de cidades.
Por fim, foram considerados para fim de extração apenas os processos cuja coluna DscObjeto, na base da Aneel, continha a descrição Autorização - Nova, e cuja data de publicação ocorreu entre 2022 e 2023. Dessa forma, chegou-se ao total de 230 processos, dos quais três foram excluídos após revisão manual de cidades homônimas.
Alguns processos de outorga emitidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica também tinham mais de 1GB de tamanho. Estes arquivos precisaram ser comprimidos para entrar no Pinpoint e têm o sufixo "_compressed.pdf". Essa compressão foi feita em Linux utilizando um projeto de código aberto chamado pdfsizeopt.
Como creditar as coleções da Abraji dentro do Pinpoint?
As informações disponibilizadas no Pinpoint pela Abraji são públicas, mas o trabalho de curadoria, seleção, diferentes tipos de download (manual, pedidos de LAI, web scraping), descrição e pesquisa de exemplos é todo feito pela associação. Por isso, dar o crédito é importante para a manutenção do trabalho que a equipe da Abraji realiza. Caso use as informações disponibilizadas, indique, por favor, que a informação foi “obtida em uma coleção pública da Abraji sobre o tema, dentro do Pinpoint do Google”, de preferência com o link para a análise de referência.
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