• 14.12
  • 2009
  • 15:33
  • Veridiana Sedeh e André Cabette Fábio

Pernambuco vive "cena jornalística”, diz jornalista após Estado levar quatro prêmios Esso em 2009

Neste ano, o Prêmio Esso de Jornalismo foi para um veículo pernambucano. No centenário de morte de Euclides da Cunha, os repórteres Schneider Carpeggiani e Fabiana Moraes, do Jornal do Commercio, retraçaram o caminho feito pelo escritor em seu livro “Os Sertões”. Depois de percorrer quase 5 mil quilômetros, da Bahia ao Ceará, os jornalistas revelaram um sertão plural, que vive uma “modernidade manca”, com vaqueiros, motoboys, pirateadores, beatos, travestis e internet a R$ 1. Veja aqui o resultado.

Outro jornal de Recife, o Diário de Pernambuco, levou o Esso na categoria Regional. A reportagem premiada foi “Quilombola – Os direitos Negados de um Povo”, de Silvia Bessa. 

O Jornal do Commercio ganhou ainda o Esso de Criação Gráfica, na categoria jornal, e o de Fotografia.

Para o repórter especial do Diário de Pernambuco Vandeck Santiago as premiações recebidas pelos dois jornais não são fatos isolados, e refletem o que chama de “cena jornalística”, vivida por Pernambuco. O jornalista pernambucano já ganhou um Esso e dois prêmios Embratel, entre outros.

“Depois da ‘cena da música’, com a moçada do manguebeat, e do cinema, com os novos cineastas, temos hoje a ‘cena jornalística’, que já está em evidência”, diz.  O termo “cena” é usado em contraponto a “movimento”, que pressupõe algo mais organizado e profundo.

Segundo Vandeck, desde 2004, reportagens produzidas no Estado estão anualmente entre finalistas ou vencedores de prêmios nacionais, como Esso e Embratel, o que era incomum há dez anos. “Elas têm um olhar regional, mas não provinciano”, diz sobre o diferencial das matérias produzidas em Pernambuco.


Tempo e dinheiro


O jornalista ressalta que naquele ano o Diário de Pernambuco começou a investir sistematicamente em reportagens especiais, o que “acabou sendo a mola propulsora da ‘cena’”. Os resultados foram concorrência direta e a criação de uma cultura de caderno especial em Recife.

Antes, o Jornal do Commercio já fazia reportagens especiais e ganhava prêmios, mas de forma esporádica. Agora, não raro equipes dos dois jornais rodam milhares de quilômetros e dedicam-se meses para uma mesma reportagem.

"Nunca antes na história do jornalismo pernambucano, e nordestino, se produziu tanta reportagem especial e se ganhou tantos prêmios quanto agora”, diz Vandeck.

Fabiana Moraes, uma das ganhadoras do Esso de Jornalismo 2009, vê com ressalvas a idéia de que o Estado vive uma “cena jornalística”.

“Acho a idéia muito interessante, mas acho que o termo ‘cena’ talvez seja contemporâneo demais. Ele pode ser um pouco redutor, porque a tradição de jornalismo em Pernambuco é muito antiga, vem de décadas”.

A jornalista do Jornal do Commercio destaca que em Pernambuco há um nível “muito bom” de repórteres, editores e escritores, como Nelson Rodrigues, que também trabalhou com jornalismo. “Tradicionalmente temos muitos repórteres. O que vemos hoje vem do passado, desses grandes escritores”, destaca.

Já Silvia Bessa concorda com a "cena".  “É uma compreensão de que é necessário investir em grandes reportagens para fazer do papel um diferencial em meio à crise. Só conseguimos produzir nossas reportagens de cunho social porque houve a percepção dos diretores de que é importante investir nesse tipo de produto. Já fiquei mais de dois meses empenhada numa matéria. Isso vai contra a dinâmica do jornalismo de hoje em dia, que encolhe o tempo e exige mais rapidez”, afirma.

Bessa diz que o interesse do leitor é tanto, que compensa investir em matérias, mesmo sem apoio de patrocinadores. “É uma ‘cena’ de fato nova e que tende a crescer, porque alimenta o trabalho de uma série de pessoas, não só da competição direta na região, mas também de veículos de outras partes do país que vêem o que é possível produzir. Competimos por prêmios com jornais do Brasil inteiro. É uma disputa saudável. Cada veículo busca matérias diferenciadas para se destacar, não só na questão comercial. Todo mundo ganha, inclusive o leitor, que se depara cada vez mais com matérias com um cuidado ainda maior de apuração e investimento gráfico”.

Vandeck destaca que o diferencial se dá nas reportagens especiais. Segundo o jornalista, a cobertura diária em Pernambuco enfrenta os mesmos problemas dos demais veículos brasileiros, como apuração ligeira e pautas rotineiras.


Mais espaço
 

Para Vandeck, o espaço deixado pelos grandes jornais contribui para a “cena jornalística”.  “Os grandes veículos hoje estão com a cobertura concentrada exclusivamente no eixo Rio-São Paulo e Brasília. Nas demais capitais, quando muito têm um correspondente. Esse espaço tem sido ocupado pela imprensa local, e há muito chão a ser tomado”.

O fim das sucursais dos grandes veículos nas capitais também possibilitou que repórteres que antes iam trabalhar nesses lugares fossem absorvidos pelos jornais locais. O jornalista destaca que, como os custos de mão-de-obra são menores do que na grande imprensa, o enxugamento das redações em Recife não chegou a um nível tão agudo quanto no Rio de Janeiro e em São Paulo.

A concorrência acirrada e a disputa por um mercado restrito de assinantes, que obriga os jornais a investir no diferencial de conteúdo, são outros fatores que contribuem para a “cena”.  “Os jornais não têm brindes, o diferencial é o conteúdo”, diz Vandeck.

O jornalista fala ainda do não endividamento em dólar nos anos 90 pelos veículos pernambucanos, como ocorreu com a grande imprensa, que fez grandes investimentos em internet, e da ausência de um mercado editorial consistente, que faz com que matérias que em grandes centros virariam livro-reportagem sejam publicadas nos jornais, como reportagem especial.

Em Pernambuco, tem-se um aumento de espaço para reportagens especiais, fenômeno inverso vivido pelos grandes jornais. Não raro, reportagens são publicadas em mais de dez páginas e sem anúncio. Para isso, às vezes, é necessário fazer alguns malabarismos, como economizar papel durante o mês ou publicar o material em séries, quando não é possível fazer um caderno.

“O financiamento vem de uma linha editorial que dá prioridade para esse tipo de matérias. O jornal acaba sacrificando certas áreas para focar nisso. Fiz um caderno sobre hanseníase que não teve anúncios. São prioridades editoriais do jornal”, destaca Bessa.

Para Moraes, a proliferação de reportagens especiais ocorre pela “pura e simples” concorrência, que impõe a necessidade de levar um produto melhor ao leitor. A jornalista do Jornal do Commercio destaca que essa concorrência acontece com jornais de outros Estados também, como O Povo, no Ceará, que regularmente se classifica para os prêmios regionais.

"O Povo, por exemplo, fez uma reportagem excelente chamada ‘Os Mares do Sertão’, que procurou ter um enfoque diferente sobre a região, da mesma forma que a nossa reportagem”, destaca a vencedora do Esso deste ano.

 *Leia aqui palestra ministrada por Vandeck Santiago sobre a “cena jornalística”durante o seminário de 200 anos da Imprensa, na Fundação Joaquim Nabuco (Recife), em 2008

Assinatura Abraji