- 13.06
- 2005
- 17:56
- Thiago
Papéis secretos, diversionismo e o arquivo da Abin
MÁRIO MAGALHÃES DA FOLHA DE S. PAULO
Há uma grande novidade sobre os arquivos do regime militar (1964-85). Quem a oferece é o calendário. Em março, o fim da ditadura completou duas décadas. O aniversário dá chance inédita para conhecer uma quadra decisiva da história republicana.
Explico: medida provisória (depois aprovada pelo Congresso) e decreto publicados em dezembro derrubaram parte da legislação restritiva que o governo passado deixou sobre acesso público a documentos sigilosos produzidos pelo Estado. As novas regras são mais democráticas do que as baixadas por Fernando Henrique Cardoso em 2002, mas menos do que as estabelecidas em 1997 pelo próprio ex-presidente.
Em 2004, voltaram a valer os mesmos prazos de 1997 para desclassificação (tornar público o acesso) de papéis carimbados como "ultra-secretos" (máximo de 30 anos), "secretos" (20 anos), "confidenciais" (dez anos) e "reservados" (cinco anos). Os prazos podem ser prorrogados uma vez por igual período.
O governo Lula é pior do que FHC-1997 porque manteve a possibilidade, introduzida por FHC-2002, de renovação infinita do veto a documentos "ultra-secretos". Na essência, Lula e FHC empacaram nos marcos definidos em 1991, na era Collor.
As Forças Armadas negam a sobrevivência dos seus arquivos, em afirmação da qual não duvidam o Recruta Zero e o Sargento Garcia. O governo lamenta a negativa dos militares e diz não ter muito a fazer. Engano: o grosso dos papéis originários dos órgãos de segurança da ditadura chegou ao Serviço Nacional de Informações. O arquivo do velho SNI é hoje o arquivo da Agência Brasileira de Inteligência.
Cada documento da repressão política tinha no cabeçalho o item "difusão", com o destino das cópias. Quase sempre o SNI foi um dos destinatários. Elucubrar exclusivamente sobre o paradeiro dos arquivos militares pode ser diversionismo - muito do que consta deles consta igualmente do da Abin. São 4 milhões de páginas microfilmadas.
E o que o calendário tem a ver com isso? Conforme os prazos restabelecidos por Lula, todos ou quase todos os documentos de março de 1985 para trás, sob posse da Abin, não estão mais sujeitos ao cadeado.
As classificações "reservado" e "confidencial" foram, de longe, as mais empregadas. O texto legal já permite acesso aos papéis sob essas rubricas, mesmo com duplicação do prazo de sigilo.
No limite, o segredo dos "reservados" de março de 1985 caducou em 1995. O dos "confidenciais", há três meses. O prazo de 20 anos dos "secretos" também venceu em março, e ignora-se que exista na Abin do presidente Lula movimento para renovar a escuridão por mais 20 anos. Sobre os "ultra-secretos": caso a qualificação tenha sido usada, foi limitadamente; especialistas em regime militar nunca viram um carimbo assim.
O cidadão que bater hoje à porta da Abin tem o direito de conhecer os documentos datados de 1964 a 85. Uma mãe poderá saber que fim levou a filha que sumiu de casa e nunca voltou. Ninguém pode barrá-la. É a lei que garante, embora a novidade tenha passado despercebida.
Mário Magalhães é colunista da Folha
[email protected]
Há uma grande novidade sobre os arquivos do regime militar (1964-85). Quem a oferece é o calendário. Em março, o fim da ditadura completou duas décadas. O aniversário dá chance inédita para conhecer uma quadra decisiva da história republicana.
Explico: medida provisória (depois aprovada pelo Congresso) e decreto publicados em dezembro derrubaram parte da legislação restritiva que o governo passado deixou sobre acesso público a documentos sigilosos produzidos pelo Estado. As novas regras são mais democráticas do que as baixadas por Fernando Henrique Cardoso em 2002, mas menos do que as estabelecidas em 1997 pelo próprio ex-presidente.
Em 2004, voltaram a valer os mesmos prazos de 1997 para desclassificação (tornar público o acesso) de papéis carimbados como "ultra-secretos" (máximo de 30 anos), "secretos" (20 anos), "confidenciais" (dez anos) e "reservados" (cinco anos). Os prazos podem ser prorrogados uma vez por igual período.
O governo Lula é pior do que FHC-1997 porque manteve a possibilidade, introduzida por FHC-2002, de renovação infinita do veto a documentos "ultra-secretos". Na essência, Lula e FHC empacaram nos marcos definidos em 1991, na era Collor.
As Forças Armadas negam a sobrevivência dos seus arquivos, em afirmação da qual não duvidam o Recruta Zero e o Sargento Garcia. O governo lamenta a negativa dos militares e diz não ter muito a fazer. Engano: o grosso dos papéis originários dos órgãos de segurança da ditadura chegou ao Serviço Nacional de Informações. O arquivo do velho SNI é hoje o arquivo da Agência Brasileira de Inteligência.
Cada documento da repressão política tinha no cabeçalho o item "difusão", com o destino das cópias. Quase sempre o SNI foi um dos destinatários. Elucubrar exclusivamente sobre o paradeiro dos arquivos militares pode ser diversionismo - muito do que consta deles consta igualmente do da Abin. São 4 milhões de páginas microfilmadas.
E o que o calendário tem a ver com isso? Conforme os prazos restabelecidos por Lula, todos ou quase todos os documentos de março de 1985 para trás, sob posse da Abin, não estão mais sujeitos ao cadeado.
As classificações "reservado" e "confidencial" foram, de longe, as mais empregadas. O texto legal já permite acesso aos papéis sob essas rubricas, mesmo com duplicação do prazo de sigilo.
No limite, o segredo dos "reservados" de março de 1985 caducou em 1995. O dos "confidenciais", há três meses. O prazo de 20 anos dos "secretos" também venceu em março, e ignora-se que exista na Abin do presidente Lula movimento para renovar a escuridão por mais 20 anos. Sobre os "ultra-secretos": caso a qualificação tenha sido usada, foi limitadamente; especialistas em regime militar nunca viram um carimbo assim.
O cidadão que bater hoje à porta da Abin tem o direito de conhecer os documentos datados de 1964 a 85. Uma mãe poderá saber que fim levou a filha que sumiu de casa e nunca voltou. Ninguém pode barrá-la. É a lei que garante, embora a novidade tenha passado despercebida.
Mário Magalhães é colunista da Folha
[email protected]