- 04.05
- 2020
- 09:00
- Marina Atoji
Acesso à Informação
Pandemia foi usada para negar atendimento a pedidos de informação mesmo após suspensão da MP 928
A pandemia de covid-19 foi citada injustificadamente como motivo para negativa de atendimento a pelo menos 24 pedidos de informação feitos ao Executivo federal de 27.mar.2020 o a 27.abr.2020 — depois, portanto, de o Supremo Tribunal Federal (STF) suspender liminarmente trechos da Medida Provisória (MP) 928/2020. Em 30.abr.2020, o plenário do STF confirmou a liminar e derrubou o texto, que possibilitava a interrupção do prazo para respostas via Lei de Acesso a Informação (LAI) por causa do estado de emergência decretado no país.
O levantamento foi feito pelo Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, coalizão de 22 organizações da sociedade civil e pesquisadores que monitora a implementação da LAI. Foram consideradas respostas contendo os termos “covid” e/ou “coronavírus” fornecidas no período localizados via busca no banco de pedidos e respostas da Controladoria-Geral da União (CGU).
:: Acesse a íntegra do relatório do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas ::
Em 37% dessas respostas, o Ministério da Saúde negou acesso a alguns dados e informações sobre a pandemia sob a alegação de que os materiais precisam “ser salvaguardados” por sua importância estratégica. Descumprindo a LAI, não apontou se as informações estão classificados em algum grau de sigilo nem quem teria sido responsável por classificar o documento. Uma das solicitações buscava o procedimento adotado pelo poder público para decretar o estado de emergência.
As negativas de atendimento compõem a maioria (52%) entre os casos nos quais o atendimento a pedidos no governo federal foi alterado sob justificativas genéricas relacionadas à pandemia.
Respostas parciais representam 22% das mudanças de atendimento sem fundamento sólido contabilizadas no período. Em uma delas, a Universidade Federal de Rondônia (UNIR) citou indevidamente a MP 928 como justificativa para fornecer apenas parte da informação solicitada.
Não atendimento: a resposta indicou que não era possível enviar a informação solicitada
Atendimento com alteração de procedimento: a resposta indicou que a informação seria enviada fora do e-SIC, por e-mail
Atendimento parcial: parte da informação foi enviada: a resposta indicou que o restante não poderia ser enviado
Extensão de prazo por tempo definido: a resposta indicou que haveria “demora maior do que o normal” para o atendimento e apontou uma data dentro do prazo legal para o envio das informações
Entre as justificativas, predominaram a mera menção à pandemia e a adoção de teletrabalho, sem detalhamento sobre como interfeririam no atendimento à demanda.
Em 12% dos 34 casos em que o pedido não foi atendido ou foi atendido parcialmente, a resposta foi alterada para atendido após apresentação de recurso.
Efeito da MP 928
No curto prazo em que o texto esteve em vigor, 13 pedidos foram afetados por ele. Sete pedidos deixaram de ser plenamente atendidos sob a justificativa da pandemia e, segundo resposta da CGU a um pedido de informação, seis tiveram o prazo de atendimento suspenso com base na medida. Após a suspensão da MP pelo STF, estes últimos voltaram a tramitar e foram atendidos total ou parcialmente.
Atendimentos alterados após suspensão da MP 928 com fundamentação sólida
De 27.mar.2020 a 27abr.2020, 95 pedidos tiveram o atendimento justificadamente alterado por causa da pandemia. A maioria (66%) não foi atendida (a resposta indicou que não era possível fornecer as informações por causa da emergência e detalhou os motivos); 22% foram atendidos parcialmente (foi enviada apenas parte das informações e foram detalhados os motivos para a impossibilidade de enviar o restante).
Não atendimento: a resposta indicou que não era possível enviar a informação solicitada
Atendimento parcial: parte da informação foi enviada; a resposta indicou que o restante não poderia ser enviado
Extensão de prazo por tempo definido além do permitido pela LAI: a resposta indicou que o pedido seria atendido em uma data específica, que ultrapassava o número de dias permitido pela LAI
Extensão de prazo por tempo definido: a resposta indicou que haveria “demora maior do que o normal” para o atendimento e apontou uma data dentro do prazo legal para o envio das informações
Atendimento fora do prazo: a resposta foi enviada após o final do prazo permitido pela LAI
Atendimento com alteração de procedimento: a resposta indicou que a informação seria enviada fora do e-SIC, por e-mail
Dentre as fundamentações para alteração no atendimento a pedidos, a mais frequente (43%) foi a necessidade demonstrada da presença de um servidor no órgão público para consultar e enviar a informação solicitada. Excluindo-se casos em que os pedidos buscavam documentos históricos ou de projetos de obras, estas ocorrências indicam a existência de gargalos na modernização e digitalização de informações em órgãos federais, especialmente nas universidades, que concentram 41% das negativas de atendimento ou atendimento parcial com esse argumento.
A segunda justificativa mais frequente (32%) foi a dependência de servidores envolvidos diretamente em ações relacionadas à pandemia. A maioria destes casos (21 respostas) foi apresentada pelo Ministério da Saúde, nos quais se revelou a existência do ofício circular Nº 3/2020/DLOG/SE/MS, segundo o qual o Departamento de Logística pode deixar de atender a uma solicitação por estar imerso em ações relacionadas à covid-19.
Sobre o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas
Fundado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) em 2003 e atualmente coordenado pela Transparência Brasil, o Fórum é composto pelas seguintes organizações e pessoas: Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), ANDI – Comunicação e Direitos, Associação Contas Abertas, Brasil.io, FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas), Fiquem Sabendo, Greg Michener (pesquisador e professor – FGV-Rio), Inesc, Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto Ethos, Instituto de Governo Aberto, Instituto Millenium, Instituto Não Aceito Corrupção, ITS-Rio (Instituto Tecnologia e Sociedade), Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação), Livre.jor, Open Knowledge Brasil, Projeto SOS Imprensa – UnB, Renoi – Rede Nacional de Observatórios de Imprensa, Rede Nossa São Paulo, Transparência Brasil, Transparência Partidária.