- 20.05
- 2021
- 14:45
- Abraji
Acesso à Informação
Painel do Ministério da Saúde mostra 1,2 milhão de doses aplicadas a mais do que base de dados
Enquanto o país acompanha o depoimento do ex-ministro da saúde Eduardo Pazuello na CPI da Covid, sete organizações da sociedade civil responsáveis por uma campanha que pede mais transparência no enfrentamento da pandemia lançaram uma ferramenta que revela distorções em números sobre a vacinação. Especialistas em transparência de dados encontraram, por exemplo, uma diferença de 1,2 milhão de doses entre o painel do Ministério da Saúde e a base de dados também divulgada pelo órgão - a segunda traz menos registros.
Na ferramenta, que será atualizada semanalmente, é possível observar a quantidade de municípios que estão atrasando o registro de pessoas vacinadas. O informe, que deve ser feito em até 48 horas da vacinação, tem levado mais de seis dias em 2.126 cidades (38% do total). Em 51 localidades, não há atualização há mais de um mês.
Outra informação alarmante é a quantidade de registros que deixam de informar o grupo prioritário, ou seja, a razão pela qual a pessoa foi vacinada - se pertence ao grupo de idosos, trabalhadores de saúde etc. Isso acontece atualmente em quase 500 mil registros.
As distorções são apresentadas no Painel de Dados, elaborado pela Open Knowledge Brasil com apoio da Lagom Data. A ferramenta integra a campanha “Caixa Aberta”, criada no final de 2020 em parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Transparência Brasil, Transparência Internacional - Brasil, Observatório Covid-19 BR e Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas e Sociedade. O projeto tem apoio e supervisão do Laboratório Anticorrupção da Purpose e já foi endossado por mais de 70 organizações da sociedade civil.
O painel de qualidade dos dados da vacinação apresenta, ainda, indicadores como a falta de preenchimento dos dados de raça/cor no sistema e a quantidade de registros duplicados existentes na base de dados. “São indicadores fundamentais para compreender se os dados que estão sendo disponibilizados pelo Ministério são íntegros e confiáveis, além de atualizados e consistentes”, explica Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da Open Knowledge Brasil. “Abrir os dados é fundamental e representa um avanço, mas se não houver qualidade as análises ficam distorcidas”, completa.
Audiência pública e dossiê para CPI da Covid-19
O acesso às informações e transparência dos dados durante a pandemia foram temas incluídos no debate da CPI da Covid no Senado. Em requerimento apresentado pelo Senador Alessandro Vieira, ainda a ser aprovado pela Comissão, as organizações envolvidas na campanha, Abraji, Open Knowledge Brasil, Transparência Brasil e Transparência Internacional - Brasil, foram convidadas à audiência pública para compartilhar os estudos e análises realizadas.
Site já recolheu mais de sete mil assinaturas
Um mês depois de ter sido lançado, o site transparenciavacina.org.br, a terceira etapa da campanha Caixa Aberta, já recolheu mais de 7.000 assinaturas para a petição que será encaminhada pelos organizadores aos órgãos competentes exigindo dados objetivos e transparência.
A página ajuda o usuário a entender os problemas sobre o programa de imunização contra o coronavírus. Elaborado por uma equipe de especialistas em políticas públicas, transparência e saúde, o site ajuda a população a saber quais dados e informações são divulgados pelo Ministério da Saúde e os que deveriam ser de conhecimento público, mas não estão acessíveis ou disponíveis. Quem acessar o portal vai perceber que, mais de um ano depois dos primeiros casos confirmados no Brasil, o país ainda patina sobre o planejamento para enfrentar a pandemia.
"A falta de informações claras sobre a vacinação, que é a única saída da crise, afeta a vida real de todos nós. Não é uma questão meramente burocrática, técnica. E foi isso o que mostramos no site", conta Marina Atoji, gerente de projetos da Transparência Brasil.
A repercussão e o alcance da campanha refletem a relevância do tema na sociedade. Os posts do site foram vistos por mais de um milhão de usuários nas redes sociais e 35 mil pessoas acessaram o site nos últimos 30 dias.
O engajamento de organizações parceiras subiu de modo expressivo. Entidades da sociedade civil de setores mais diversos se somaram à campanha e divulgaram os conteúdos em suas redes e grupos. Vale destacar a articulação com 13 organizações de público de fé, especialmente de evangélicos: TearFund, RECAP, Ame a Verdade, Nós na Criação, FEPAS, Paz e Esperança, Rede Fale, RENAS, O Farol, Frente Evangélicos pelo Estado de Direito, Visão Mundial, Diaconia e Evangélicos pela Justiça.
“Contar com uma rede de organizações apoiadoras tem sido fundamental para o sucesso da campanha. Desde o início, estabelecemos o diálogo com organizações de diversos temas e públicos, sempre com o intuito de difundir a importância do tema e do engajamento das pessoas na busca por informações” reforça Laila Bellix, responsável pelo Laboratório Anticorrupção da Purpose.
As outras etapas da campanha
No início de mar.2021, as sete organizações divulgaram nota técnica, na qual apresentam uma avaliação crítica sobre a qualidade e a disponibilidade dos dados relativos à vacinação contra a covid-19. Os especialistas concluíram, à época, que cerca de 70% das informações que deveriam ser públicas estavam incompletas, indisponíveis ou inconsistentes.
No documento, as organizações avaliaram a disponibilidade e a qualidade de 30 informações, agrupadas em sete categorias: plano de vacinação, análise pela Anvisa, seringas e agulhas, Ingrediente Farmacêutico Ativo, distribuição de vacinas, aplicação de vacinas e microdados da vacinação.
Um mês depois de ter sido protocolada oficialmente ao Ministério da Saúde, a nota recebeu um retorno genérico, que não responde a questionamentos específicos.
Em dez.2020, o Fórum de Acesso a Informações Públicas divulgou uma primeira nota técnica que listou sete obstáculos para acompanhar o combate à doença, como a desatualização generalizada de painéis que monitoram a distribuição de testes, medicamentos e EPIs (Equipamento de Proteção Individual). Também no fim do ano passado, a Purpose coordenou uma mobilização nas redes sociais. A hashtag #FalaPazuello, uma referência ao silêncio do ex-ministro Eduardo Pazuello sobre a evolução da doença, impactou mais de 14 milhões de pessoas.