- 19.02
- 2021
- 16:00
- Rowan Philp
Formação
Os métodos forenses que repórteres estão usando para identificar violência policial
Manifestantes se escondem de tiros em um protesto pró-democracia no Sudão. Foto: BBC Africa Eye
É uma imagem cada vez mais comum: um manifestante ou refugiado deitado de bruços no chão, depois que a multidão se dispersou ou o gás lacrimogêneo se dissipou.
Mas o que realmente aconteceu com essas pessoas, em meio a todo o caos?
Cada vez mais, repórteres investigativos do chamado “jornalismo open source” (prática que investiga e constrói histórias com base em dados disponíveis publicamente, inclusive redes sociais) estão usando métodos forenses visuais para responder essas perguntas.
As ondas de protestos contra a brutalidade policial e o racismo, desencadeadas pela morte de George Floyd, residente de Minnesota, nos Estados Unidos, em 2020, mostraram a necessidade de repórteres em redações do mundo todo de desenvolverem essas habilidades específicas. E os protestos podem estar apenas começando. Especialistas alertam que tanto as mudanças climáticas quanto as consequências econômicas da pandemia da covid-19 podem levar a confrontos ainda mais frequentes no futuro entre multidões e forças policiais.
O método de abordagem da investigação forense de imagens não é sobre a arma do crime ou o depoimento de um informante, mas sim sobre juntar as peças de um quebra-cabeça visual e temporal, que, juntos, têm o impacto do peso da evidência.
Essa evidência crua pode não apenas expor ataques deliberados das forças de segurança, mas também revelar à polícia quais procedimentos planejados para serem não letais podem ter resultados letais.
Por exemplo, em jun.2020, o jornal americano New York Times usou marcadores de tempo em clipes de vídeo para mostrar como o uso de projéteis de gás de pimenta para impor um toque de recolher na época dos protestos por George Floyd em Louisville, Kentucky, levou um homem à morte em sua casa.
Essa abordagem também expôs massacres.
Em 2019, a BBC Africa Eye pegou vídeos da transmissão ao vivo do Facebook de um protesto no Sudão e, mais tarde, reuniu evidências da morte de pelo menos 61 manifestantes pela milícia Rapid Support Force, contratada por membros do conselho militar governante do Sudão. A equipe reconstruiu cuidadosamente os eventos a partir de 300 vídeos de celulares - a maioria imagens trêmulas filmadas por manifestantes enquanto fugiam.
Alguns dos 300 vídeos de celulares que a BBC Africa Eye coletou e mapeou para documentar o massacre em Cartum em 2019. Imagem: BBC Africa Eye
Em abr.2020, Nick Waters, um investigador open source do site sem fins lucrativos Bellingcat, precisava descobrir exatamente onde um imigrante paquistanês, Muhammad Gulzar, havia morrido na Turquia, mas só tinha vídeos postados em redes sociais que mostravam terras agrícolas aparentemente sem características marcantes ao fundo.
Então, ele usou a direção dos sulcos embaixo do corpo do homem e os padrões das plantações atrás para encontrar a área exata por meio do Google Earth. Sua equipe então investigou o intervalo de tempo entre o "estalo" supersônico de uma bala e o "estouro" de seu cano para encontrar a proximidade da arma ouvida na gravação. Trabalhando com outros quatro veículos de comunicação, a equipe de Waters determinou que - apesar das negações do governo - as forças de segurança gregas usaram munição real contra refugiados perto de sua fronteira, que provavelmente mataram Gulzar e feriram outros seis.
“Normalmente começamos tentando obter absolutamente todas as informações visuais sobre um incidente”, explica Waters. “e sistematicamente usando quaisquer palavras-chave que possam localizá-las. Mas, acima de tudo, é sobre manter uma mentalidade focada na resolução de problemas”.
As investigações open source de incidentes públicos violentos já foram consideradas uma forma de checagem de fatos no jornalismo. Afinal, raramente o nome do policial ou soldado que puxou o gatilho é citado e há uma tendência a atender o padrão de evidência do ônus da prova, em vez de fatos concretos.
No entanto, novas ferramentas e métodos forenses - juntamente com a onipresença global de telefones celulares que gravam vídeos - aumentaram a precisão a ponto de essas investigações agora terem um impacto real.
Em 2018, a equipe de investigações visuais do The New York Times traçou a trajetória da bala que matou a enfermeira voluntária Rouzan al-Najjar - que estava no meio de uma multidão de manifestantes palestinos - até um atirador israelense posicionado a mais de 110 metros de distância. A tarefa da equipe foi ainda mais difícil pelo fato de que o horário estava errado em vários dos telefones celulares que capturaram as imagens. Mas eles recalibraram cuidadosamente os metadados de cada um dos vídeos e encomendaram uma investigação da cena, com a ajuda da agência de pesquisa do Reino Unido, Forensic Architecture, que expõe abusos de direitos humanos, muitas vezes em colaboração com organizações da sociedade civil. A equipe do NYT então soube por um especialista em balística que a bala israelense provavelmente errou o alvo, bateu no chão e atingiu al-Najjar acima do peito.
“Sempre tentaremos chegar a um nível além de qualquer dúvida razoável”, disse Malachy Browne, repórter sênior do NYT. “Estamos sempre tentando acertar. Por exemplo, nossa série de investigações sobre os bombardeios de hospitais na Síria no ano passado não teriam tido impacto se tivéssemos dito: 'É provável que a Rússia tenha feito isso porque as testemunhas disseram e ouviram aeronaves russas'. O trabalho de verificar o momento desses ataques e atribuí-los a pilotos específicos teve um impacto muito maior. Mas há vezes em que não podemos ser juiz e júri - quando precisamos simplesmente apresentar os fatos como os encontramos”.
Alexa Koenig, cofundadora do Laboratório de Investigações de Direitos Humanos da Universidade da Califórnia, Berkeley, disse que a próxima geração de repórteres open source nos Estados Unidos está sendo liderada por jornalistas mulheres. Elas representam cerca de 70% dos alunos do laboratório - que tem parceria com a grande mídia e faz grande parte do trabalho braçal em tarefas como geolocalização - e toda a liderança do laboratório é feminina.
Em março de 2020, o Washington Post colaborou com estudantes do laboratório para revelar como pessoas foram espancadas pela polícia em um evento que celebrava a libertação de um preso político no Saara Ocidental. “Acho que esses métodos se tornarão críticos e essenciais para a cobertura jornalística no século 21”, observou Koenig. “Vai ser cada vez mais difícil para os repórteres estarem em campo, especialmente em situações de conflito".
Construído a partir de imagens de vídeo e drones, este modelo 3D mostra como a bala de um atirador israelense atingiu e matou a enfermeira voluntária
Rouzan al-Najjar. Crédito: Forensic Architecture e The New York Times
Qualquer repórter pode usar métodos forenses
Os principais investigadores open source enfatizam que todos os repórteres, mesmo aqueles sem habilidades técnicas, podem investigar as causas dos ferimentos de manifestantes através de meios visuais básicos e que não devem se sentir intimidados pela variedade de ferramentas avançadas usadas nessa área. Às vezes, evidências visuais filmadas de um ângulo diferente podem ser suficientes.
Em 2017, a mesma equipe do NYT que usou drones e modelagem 3D para expor o assassinato de al-Najjar revelou como agentes de segurança da visita do presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, espancaram manifestantes em Washington DC. Desta vez, os jornalistas usaram apenas imagens de TV e redes sociais. A maior parte dessas evidências foi coletada em apenas dois dias, e algumas das principais imagens foram obtidas a partir de reportagens locais comuns. Neste caso, Browne simplesmente perguntou a uma testemunha se ela tinha gravado um vídeo do confronto e recebeu o arquivo em um link do Google Drive. A equipe então analisou os vários clipes, quadro a quadro, de cinco ângulos, e identificou efetivamente 24 homens por trás do ataque.
“Repórteres de campo convencionais podem fazer histórias como essas”, diz Browne. “A ferramenta mais importante é o seu olho, e tudo se resume a observar as imagens com cuidado. Muito do nosso trabalho está enraizado na reportagem open source e análise audiovisual forense, mas está envolvido pelo jornalismo tradicional - é pegar os telefones e falar com especialistas”.
Em entrevistas com os principais repórteres e editores, a GIJN identificou 12 técnicas e 12 ferramentas que se mostraram eficazes em investigações importantes que analisaram as consequências da violência policial.
Técnicas para investigar incidentes em uma multidão
- Em primeiro lugar, concentre-se em reunir material - baixando e salvando o máximo possível de vídeos e imagens brutas - e, em seguida, trabalhe na verificação, na geolocalização e, finalmente, na “cronolocalização” (estabelecendo e sincronizando as linhas de tempo). Mantenha sua pesquisa inicial ampla e use de tudo, desde Facebook e TikTok a câmeras de segurança e gravações de áudio, e salve as páginas de seu histórico de pesquisa. Normalmente, o Onde, o Quando e o Como o levarão ao Quem.
- Localize pessoas nos vídeos usando características e detalhes, como roupas diferentes. A careca de um homem provou ser um detalhe importante para a investigação do NYT sobre o espancamento de manifestantes pelos serviços de segurança turcos.
Um rasgo no joelho da calça jeans de Muhammad Gulzar ajudou os jornalistas a identificá-lo em outro vídeo onde nenhuma outra parte de seu corpo estava visível. Foto: Bellingcat
- Visite ou contate empresas próximas aos locais onde ocorreram protestos ou outros incidentes e peça para ver suas filmagens de segurança. Se eles recusarem inicialmente, mostre a eles sua cobertura inicial do evento e peça novamente. Você também pode mostrar o que começou a descobrir para testemunhas que inicialmente relutaram em falar, já que muitas mudam de ideia depois de ver evidências das boas intenções dos jornalistas. Os advogados de defesa também são uma boa fonte para obter filmagens de câmeras de segurança e câmeras corporais da polícia.
- Organize seus vídeos lado a lado e examine-os quadro a quadro. Para colaborações, considere organizar os materiais em plataformas que facilitam o compartilhamento com parceiros remotos, como o Google Sheets.
- Se os registros de data e hora não forem confiáveis, sincronize os vídeos procurando marcadores temporais que sejam visíveis em todos eles - como a porta de um carro fechando ou uma luz acendendo.
As linhas azuis mostram como Bellingcat sincronizou o tempo de trechos de vídeo de tiroteios contra refugiados na fronteira com a Grécia, usando marcadores como sons de tiros e buzinas de carro. Imagem: Bellingcat, Forensic Architecture e Lighthouse Reports
- Lembre-se das ferramentas familiares que você usa todos os dias. Se você precisar mostrar que um manifestante ou policial não poderia ter andado de A a B em um determinado tempo, basta inserir esses endereços no Google Maps e automaticamente será gerado o tempo médio que leva para percorrer essa distância a pé, de carro ou por transporte público. Esses métodos têm o benefício adicional de serem conhecidos e terem a confiança do público.
- Concentre-se e identifique os grupos responsáveis pelo dano, ao invés de indivíduos, a menos que você tenha um bom motivo - e fortes evidências - para nomear um oficial específico responsável por um ferimento. Culpar membros específicos das forças de segurança pode exigir evidências adicionais, incluindo reconhecimento facial e até mesmo análises balísticas, que são raras e podem não ser necessárias para determinar a causa do ferimento.
- Use o método de "intersecção" para identificar a posição de uma pessoa ou objeto em relação aos elementos importantes ao seu redor ou para descobrir onde a câmera estava. Por exemplo, uma linha imaginária pode ser desenhada de um poste a uma torre de igreja, e um ponto de interseção pode ser encontrado com uma segunda linha desenhada entre uma estrada e a esquina de um edifício. O Google Earth Pro permite que você desenhe linhas retas entre objetos na tela.
Com a ajuda do Google Earth Imagery, o Bellingcat fixou a posição da câmera que capturou a vista superior, traçando uma linha entre um minarete e um pilar de construção (linha amarela) e outra entre um telhado distante e um restaurante próximo (linha vermelha),descobrindo onde elas se cruzaram, vistas de cima. Isso estabeleceu as crateras de bomba de um ataque aéreo em um mercado no Iêmen. Foto: Bellingcat
- Não descarte automaticamente vídeos com registros de data e hora que não batem com a linha do tempo de seus eventos. Os investigadores descobriram que os horários de telefones celulares são frequentemente configurados de maneira imprecisa e os metadados podem ser recalibrados para sincronizar com um relógio exato.
- Não confie em relatos de testemunhas oculares sobre as questões do espaço e do tempo ao tentar reconstituir o desenrolar de um evento, já que as memórias de eventos traumáticos geralmente são prejudicadas. O NYT descobriu que vários médicos na manifestação onde Rouzan al-Najjar foi morta se lembraram incorretamente do local onde estavam, e que alguns tinham certeza de que dois tiros haviam sido disparados em dado momento quando na realidade foi apenas um tiro.
- Questione os relatos iniciais avaliando as evidências visuais ou usando um tradutor profissional. O Bellingcat entendeu a partir de relatos iniciais que Muhammad Gulzar estava “perto do portão” da fronteira, mas não conseguiu encontrar evidências disso em vários vídeos. Em vez disso, descobriu-se que Gulzar estava perto de um buraco na cerca da fronteira. As palavras “buraco” e “portão” podem ter sido confundidas na tradução inicial.
- Evite manipular as imagens, a menos que seja essencial para a compreensão do público - e, se o fizer, explique o porquê. No entanto, destacar artificialmente um objeto, como uma arma, é apropriado, quando apresentado dentro do contexto do vídeo original.
Construindo uma rede ampla
Marc Perkins, editor da BBC Africa Eye, disse que a história do Sudan Livestream Massacre - que ganhou um prêmio Webby em mai.2020 - envolveu muitos elementos de reportagem open source, mas foi construída sobre três pilares: código de programação pioneiro, trabalho de campo, e, acima de tudo, a coragem dos manifestantes que fizeram as filmagens.
“Muitos vídeos filmados não são realmente acessíveis, então o que Ben Strick fez - nosso investigador open source - foi desenvolver seu próprio script, seu próprio código, na verdade, que estava coletando todas essas transmissões ao vivo”, disse Perkins. “Havia palavras no código em árabe e inglês. Então, no dia em que os protestos aconteceram, ele já tinha o processo em andamento, para que pudesse pegar todas essas transmissões conforme estavam acontecendo. Muitas vezes, essas transmissões desaparecem. Ele passou meses treinando o YouTube para encontrar vídeos que você e eu não encontraríamos com uma simples pesquisa, fazendo um esforço técnico brilhante”.
Perkins conta que a equipe passou a maior parte do tempo durante a investigação geolocalizando todos os 300 vídeos, usando ferramentas como imagens de satélite e o Google Maps. Eles então localizaram cronologicamente quando os eventos aconteciam usando áudio, sombras de pessoas, edifícios e outros marcadores.
Strick trabalhou com um produtor e dois jornalistas sudaneses, bem como sua própria equipe open source, tradutores de árabe e colaboradores externos.
“De certa forma, isso é o oposto de como nós repórteres costumávamos trabalhar, onde você diria, 'OK, eu tenho um ótimo vídeo', eu guardo, não conto a ninguém, e corro para o meu editor”, diz Perkins. “Não é assim que funciona o jornalismo open source. É preciso muitas pessoas e muito trabalho colaborativo para montar o quebra-cabeça.”
O colega de Perkins, Bertram Hill, recentemente desenvolveu e mapeou uma lista abrangente e acessível de mais de 200 ferramentas forenses e de código aberto, incluindo várias que são específicas para bancos de dados africanos.
“Este painel é específico para a África, embora, francamente, seja global”, diz Perkins. “É algo que estou feliz que a GIJN compartilhe. Se pelo menos um repórter em cada redação pudesse aprender um pouco sobre essas ferramentas, faria uma grande diferença no continente [africano]”.
Esse recurso, dividido em várias categorias, pode ser encontrado neste link.
Havia elementos semelhantes da história do Sudão em uma investigação do Ultimas Noticias da Venezuela, que analisou imagens de vídeo para revelar que as mortes de dois estudantes em uma manifestação em Caracas em 2014 estavam ligadas a tiros disparados por quatro membros dos serviços de inteligência do governo.
Ajustando os vídeos no espaço e no tempo
Nick Waters, do Bellingcat, disse que a colaboração foi fundamental para a investigação da morte de Gulzar - como é em muitas investigações open source - com o veículo holandês sem fins lucrativos, Lighthouse Reports, coordenando o projeto, Forensic Architecture fazendo análise de vídeo e investigação especial, e Der Spiegel e Sky News fazendo reportagem em campo na Turquia e na Grécia.
A equipe de Waters teve que identificar o local e a hora de cada um dos vídeos que mostravam todos os seis refugiados que foram feridos perto da fronteira da Grécia em março. Foto: Bellingcat
Ele disse que o Bellingcat agora usa a palavra “descoberta” para a fase de coleta de vídeo de suas investigações, já que o material às vezes é usado em procedimentos legais, como o julgamento pelo abate do voo MH17 da Malaysia Airlines.
“Quando você está geolocalizando um vídeo, está tentando pegar cada informação dentro dessa imagem e encontrar lugares onde ela seja consistente [com outros dados]”, explica Waters. “Já conhecíamos a área, e podíamos ver a cerca [da fronteira] nas imagens, então tínhamos uma ideia de onde [o Gulzar] estaria. Víamos os sulcos que davam para a cerca, que reduziam os locais em que ele poderia estar. No fundo, havia duas características - um monte e uma linha de árvores - que reduzia a duas possíveis áreas com sulcos perpendiculares. Em apenas um deles mais dois campos podiam ser observados em segundo plano. É aqui que Muhammad estava: no canto sudoeste do campo ao sul”.
Com o local fixado - e visualizado através imagens de satélite - a equipe teve que determinar o horário dos eventos. Waters disse que o padrão dos tiros - rajadas automáticas, disparos duplos e disparos únicos - provou ser crucial nesta fase.
“Essas balas vieram de um fuzil compatível com um M16, ou algum outro fuzil de assalto de calibre 5,56 mm - não de uma pistola ou revólver”, explica ele. “Munição real foi disparada pelas forças gregas na Turquia naquele dia. E em nenhum vídeo ou imagem estática vimos forças turcas perto daquela cena”.
Ferramentas para investigar incidentes em protestos
- Ferramentas de edição de vídeo baseadas em linha do tempo, como Adobe Premiere Pro ou Avid Media Composer. Use-os para organizar seus materiais em uma única tela e ferramentas de áudio como Adobe Audition para sincronizar marcadores de som. Ferramentas de código aberto como WatchFrameByFrame podem ajudar na análise.
- Funções de pesquisa avançada no Google e Twitter para encontrar vídeos. Os principais investigadores open source confiam mais nessas ferramentas do que em ferramentas personalizadas e consideram que elas são muito mais poderosas do que muitos repórteres imaginam. Pesquise outros domínios no Google com frases como “site: youtube.com” para resultados mais precisos.
- Imagens de satélite. O TerraServer permite que você navegue pelas imagens existentes sem custo, enquanto o Maxar DigitalGlobe é valorizado por muitos investigadores pela alta resolução de suas imagens. O Planet Labs também desempenhou um papel importante em várias investigações.
Uma imagem de satélite ajudou a determinar a posição dos refugiados atacados perto da fronteira turca com a Grécia. Imagem: Planet Labs e Bellingcat.
- Google Earth. “O Google Earth é incrível - de longe, a melhor ferramenta de geolocalização que usamos”, observa Waters. “E também fornece imagens de satélite históricas e tem direitos de reutilização bastante amplos. Ele também possui uma ferramenta chamada Landscape, que é fantástica. Para mostrar que oficiais militares sírios estavam em um determinado local, pudemos ir virtualmente até onde eles estavam e ver qual era seu ponto de vista. É muito intuitivo”.
- Suncalc. Esta ferramenta permite que você saiba a posição do sol no céu em um determinado horário e local. Isso permite que os repórteres usem as sombras para determinar a hora em que um evento aconteceu.
As sombras lançadas por esses soldados ajudaram o Bellingcat a determinar que generais sírios estavam observando uma cidade pouco antes dela ser atacada com armas químicas. Foto: Bellingcat
- Tente desenvolver seu próprio programa para pesquisar precisamente no YouTube por data, ou colabore com organizações com seus próprios programas internos, como o Bellingcat. Os investigadores descobriram que as funções de pesquisa interna do YouTube são precárias, e mesmo boas funções de pesquisa avançada, como o Montage, nem sempre são adequadas.
- Ferramentas de arquivamento, como Hunch.ly. Elas não apenas capturam e salvam páginas da web automaticamente - eliminando a necessidade de salvar capturas de tela e URLs - mas podem ajudar a demonstrar que as evidências que você usa em uma matéria não foram alteradas. Waters diz: “Não é uma solução 100%, mas é a melhor que temos".
- Ferramentas para melhorar a nitidez da imagem usando inteligência artificial, como Topaz. Embora essa tecnologia possa melhorar significativamente a nitidez de imagens borradas, é importante que os repórteres informem os leitores que a nova imagem representa é a interpretação da ferramenta.
- Espectrogramas. Essas representações visuais de frequências podem ser usadas, por exemplo, para estimar a distância entre a vítima e o atirador.
Este espectrograma mostra a lacuna entre o “estalo” de uma bala supersônica, em vermelho, e o “estrondo” de um rifle (em amarelo) usado próximo à fronteira com a Grécia. Imagem: Cortesia da Beck Audio Forensics
- Invid é uma ferramenta fundamental para ajudar a verificar o material de vídeo, retirando quadros importantes do vídeo em plataformas como Facebook e YouTube, para que você possa pesquisar as imagens de capa no histórico e descobrir a versão original.
- Aplicativos de localização de pessoas como Pipl e Spokeo podem identificar e verificar testemunhas e protagonistas em quase todos os países. Saber o endereço de e-mail de uma pessoa torna esses aplicativos especialmente poderosos para encontrar contatos alternativos e outros detalhes.
- O Tin Eye, uma ferramenta de busca reversa de imagens, e a busca de imagens do Google, podem ajudá-lo a encontrar imagens antigas na web, incluindo versões não cortadas com mais detalhes.
Waters diz que convidar uma pessoa que ainda não viu o material para examiná-lo, ao final do processo - um “novo par de olhos” - pode revelar detalhes que passaram despercebidos. Para a reportagem do New York Times sobre tiros à queima-roupa em um manifestante de Hong Kong em 01.out.2019, Waters foi convidado a verificar o vídeo que já havia sido analisado pela equipe. Ele descobriu que a equipe de reportagem inicial já havia cravado a história, mas foi capaz de apontar uma pequena peça final no quebra-cabeça: que um dos manifestantes estava empunhando um martelo no conflito com a polícia.
A importância de ser organizado
Embora os jornalistas não precisem ser especialistas em tecnologia para esse trabalho, eles precisam ter seus materiais visuais organizados.
Em 01.jun.2020, o dono de um restaurante norte-americano David McAtee foi baleado e morto pela polícia que estava tentando impor um toque de recolher durante um protesto em Louisville, depois que seus clientes se abrigaram dentro de sua casa.
Para investigar o que aconteceu, Malachy Browne do NYT abriu seu programa de edição Adobe Premiere Pro e dividiu a tela de seu computador para exibir quatro vídeos ao mesmo tempo.
Malachy Browne sincronizou as imagens de câmeras de segurança (à esquerda) com as imagens de uma transmissão ao vivo do Facebook para entender como as pessoas na casa de David McAtee reagiram aos tiros de spray de pimenta disparados na porta da frente. Imagens: The New York Times
À esquerda, ele tinha imagens sem áudio de câmeras de segurança de três ângulos diferentes, fornecidas pela polícia local, e as comparou a uma transmissão ao vivo do Facebook com áudio, de um ângulo diferente, à direita. Ele decidiu que não poderia usar os registros de data e hora dos vídeos, porque eles pareciam não ser confiáveis. Então, a equipe de Browne sincronizou os vídeos usando três marcadores vistos em todos os vídeos: quando as luzes de um carro se acendem, quando a pessoa que estava filmando a transmissão ao vivo fecha a porta de seu caminhão e quando um homem visto andando no vídeo pisa com o pé direito.
“Então, tínhamos todos os quatro quadros alinhados e podíamos ouvir pelo áudio da transmissão ao vivo todas as ações das imagens das câmeras de segurança e ver quem atirou primeiro e o que levou a essa morte trágica”, explica Browne. “Pudemos ver se a polícia violou suas próprias diretrizes sobre como dispersar multidões não violentas, que foi nossa conclusão sobre o que aconteceu”.
Embora a polícia soubesse que estavam usando projéteis não letais, a reconstrução em vídeo da cena mostra que McAtee, o dono do restaurante, teve que confiar em outras pistas visuais para entender a ameaça: ele vê uma garrafa explodindo em uma mesa e algo atinge sua porta da frente a centímetros da cabeça de sua sobrinha, enquanto homens com uniformes escuros e armados se aproximam. Em sua confusão, McAtee dispara com sua arma e é morto por tiros da polícia.
Enquanto isso, a violência não letal contra manifestantes pode facilmente perder a atenção da mídia que enfatiza as contagens de corpos.
O cineasta francês David Dufresne demonstrou como uma abordagem de reportagem sistemática pode expor a recorrente repressão policial, com seu projeto para investigar a violência contra os manifestantes dos Coletes Amarelos da França. Dufresne descobriu mais de 800 casos de violência policial ou atos impróprios contra os manifestantes - incluindo 24 casos de cegueira e 279 ferimentos na cabeça - em uma investigação que foi reconhecida com o Grande Prêmio de Jornalismo da França em 2019.
Dufresne decidiu registrar o máximo de casos possíveis, ao invés de se aprofundar em alguns poucos, avaliando muitos feridos em muitos protestos, mas verificando evidências para cada imagem, raio-X ou vídeo que obteve online. Ele descobriu que a ferramenta Metapicz é eficaz na verificação de metadados para esse tipo de material. Dufresne continuou sua investigação e, em meados de jun.2020, havia registrado um total de 950 casos de violência policial contra manifestantes, incluindo 340 ferimentos na cabeça.
Trabalhar com jornalismo open source pode ser desafiador
Para investigadores como Waters, existe um entusiasmo especial em apresentar evidências brutas ao público e um desafio criativo na escolha de uma apresentação que as pessoas possam compreender intuitivamente.
O Bellingcat chegou ao ponto de aplicar padrões diferentes para suas divulgações na investigação sobre o tiroteio de refugiados perto da fronteira grega, dependendo do peso das evidências de cada incidente.
“De acordo com nossa análise das probabilidades, podemos dizer que Gulzar provavelmente foi baleado pelas forças de segurança gregas”, afirma Waters. “No entanto, em relação ao incidente das 10:57, podemos dizer que está além de qualquer dúvida razoável que as forças gregas atiraram e feriram uma pessoa [diferente] que chamamos de Vítima Quatro".
E enquanto o campo é definido pela montagem de peças de quebra-cabeças, momentos de grandes descobertas jornalísticas ainda acontecem.
“Pode ser uma descarga de adrenalina”, diz Browne, do NYT. Referindo-se à reportagem de sua equipe sobre o bombardeio de um hospital sírio, ele acrescenta: “Acho que um momento marcante foi - para dois membros de nossa equipe - quando ouvimos um piloto russo ler as coordenadas de um hospital que estávamos investigando. Uma fonte com a qual estávamos conversando tinha o áudio dos pilotos russos, e nós investigamos um pouco mais, e alguém configurou um sistema semelhante a um rádio policial. E então o piloto bombardeou essas coordenadas exatas”.
"Isso resolveu o caso”.
Rowan Philp é repórter da GIJN. Rowan foi repórter-chefe do Sunday Times da África do Sul. Como correspondente estrangeiro, ele relatou notícias, política, corrupção e conflitos em mais de duas dezenas de países ao redor do mundo.
Tradução: Ana Beatriz Assam