- 23.12
- 2020
- 14:00
- Abraji
Liberdade de expressão
Acesso à Informação
Organizações condenam censura judicial e prestam solidariedade à Ponte Jornalismo
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e outras oito organizações ligadas à defesa da liberdade de expressão e de imprensa assinaram, hoje (23.dez.2020), uma nota conjunta na qual condenam a censura judicial imposta à Ponte Jornalismo. Além da Abraji, o texto recebeu apoio das seguintes organizações: ARTIGO 19, Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Instituto Vladimir Herzog, Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social), Rede Jornalistas Livres, Rede Nacional de Proteção a Comunicadores e Repórteres sem Fronteiras (RSF).
Na segunda-feira (21.dez.2020), a Abraji mostrou o aumento de casos de censura contra veículos independentes, incluindo a Ponte Jornalismo e os sites que republicaram a reportagem que denunciava o racismo, como a agência de jornalismo Alma Preta. Na nota desta quarta-feira, as organizações lembram que "a decisão de retirar de circulação matéria é mais um instrumento de invisibilização e apagamento de determinados grupos — quando se tratando de conteúdo relativo às pautas de raça, gênero, sexualidade, entre outras".
Leia a nota na íntegra
As organizações abaixo assinadas, reconhecidas nacional e internacionalmente pela defesa da liberdade de expressão e de imprensa, vêm declarar solidariedade à Ponte Jornalismo e aos demais veículos que tiveram coberturas censuradas judicialmente pela publicação da matéria “Criticada no trabalho por seu cabelo, Luanna foi condenada a indenizar empresa”.
A reportagem, publicada no dia 13.09.20, teve ampla repercussão ao apontar a reprodução do racismo a partir do Poder Judiciário. Posteriormente, decisão judicial proferida pelo desembargador Piva Rodrigues determinou que o conteúdo fosse retirado de circulação, configurando censura judicial à Ponte Jornalismo. Além da Ponte, outros veículos que publicaram sobre o caso também foram atingidos pela decisão, como os portais Alma Preta e Yahoo Notícias.
As organizações destacam a gravidade da violação aos direitos de liberdade de expressão e de imprensa decorrentes da decisão que retira a matéria de circulação. Mais uma vez, observamos a atuação do próprio Estado em deslegitimar os conteúdos jornalísticos por meio de censura velada, disfarçada de legalidade.
O papel do jornalismo é a produção de conteúdos que apresentam, além de dados e fatos, perspectivas, críticas e denúncias, inclusive no que se refere ao Estado e suas esferas de articulação. Portanto, no Estado Democrático de Direito, os poderes, inclusive o Poder Judiciário, não estão isentos de serem observados a partir dos mais diversos vieses jornalísticos - inclusive, aqueles que tecem críticas.
Como é evidente nos autos do próprio processo e nos debates decorrentes da ocasião, são opostas as noções de racismo confrontadas no caso que deu origem à matéria censurada. Dessa forma, ainda que o Magistrado concorde com uma ou outra perspectiva, não lhe cabe a escolha de deixar de salvaguardar direitos constitucionalmente garantidos e a proteção de populações historicamente discriminadas para silenciar narrativas sobre a presença de noções discriminatórias dentro do próprio Poder Judiciário. No processo judicial em questão, a empresária Thais Antoniolli, ex-presidente da PR Newswire Brasil, processou sua antiga funcionária que a acusava de racismo sob o argumento de que essa acusação pública seria ofensiva à sua honra e imagem pessoal. Mesmo tendo sua demanda sendo indeferida em primeira instância, a empresária recorreu e, em decisão de segunda instância, conseguiu que Luanna fosse proibida de dar entrevistas sobre o caso. A decisão foi estendida para os veículos de comunicação que cobriam o caso.
Lembramos, também, a importância da imprensa enquanto ferramenta de articulação de pautas de grupos discriminados. A comunicação tem sido essencial para dar visibilidade a casos de racismo em todo o mundo, e a garantia dos direitos de liberdade de expressão e imprensa, nesse contexto, importa na possibilidade da construção de uma sociedade com garantia de efetiva diversidade racial. São estas as noções que devem balizar o trabalho de juízes, desembargadores e ministros por todo o país, e não a proteção da própria categoria por meio de instrumentos de censura.
No mesmo sentido, a comunicação — em especial o jornalismo independente — vem se destacando como meio de escrever narrativas apagadas e esquecidas por uma sociedade fundada em desigualdades latentes. Entendemos, a partir dessa noção, que a remoção de conteúdo opera como mais um instrumento de invisibilização e apagamento de determinados grupos — quando se tratando de conteúdo relativo às pautas de raça, gênero, sexualidade, entre outras.
Novamente, as organizações declaram solidariedade à Ponte Jornalismo, bem como aos demais veículos que tiveram suas coberturas sobre o caso censuradas judicialmente. Ao mesmo tempo, pedimos elucidações do órgão julgador, bem como clamamos pela revisão da decisão, que não condiz com a proteção da liberdade de imprensa que deve caracterizar uma sociedade democrática.
Assinam esta nota
ARTIGO 19
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)
Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação - FNDC
Instituto Vladimir Herzog
Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social
Rede Jornalistas Livres
Rede Nacional de Proteção a Comunicadores
Repórteres sem Fronteiras