• 23.11
  • 2006
  • 07:22
  • Mário Magalhães, da Folha de S. Paulo

ONU pede, mas União veta acesso a arquivos

Extraído da Folha de S. Paulo

Venceram neste mês os prazos das Nações Unidas (dia 2) e da Procuradoria Geral da República (dia 11) para o Brasil abrir os arquivos com papéis sigilosos do regime militar (1964-1985), mas o governo não atendeu aos pedidos nem respondeu a quem os fez.

Em 2 de novembro de 2005, o Comitê de Direitos Humanos da ONU recomendou ao país "tornar públicos todos os documentos relevantes sobre abusos de direitos humanos", inclusive os "atualmente retidos" pela legislação específica.

Em 11 de setembro, o procurador-geral, Antonio Fernando de Souza, expediu ofício ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva citando a posição da ONU. Reivindicou a "desclassificação" dos documentos produzidos na ditadura militar.

Um papel sigiloso é "classificado" na origem. Os que receberam o carimbo de "ultra-secreto" podem permanecer sem acesso público para sempre, conforme a norma legal. O "sigilo eterno" foi introduzido em 2002 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Lula (PT) o manteve.

A Folha apurou que, tanto para o governo de FHC como para o de Lula, pressões de meios militares (menos) e o temor da reação da caserna (mais) a uma política ofensiva de liberação de documentos sigilosos são as causas maiores das restrições em vigor.

A ONU sublinhou em 2005 o prazo de um ano para o Brasil "fornecer [...] informações relevantes sobre a [...] implementação das recomendações". Não obteve resposta.

O prazo do chefe do Ministério Público Federal foi de dois meses para a apresentação de "documentos que [...] foram declarados como sigilosos, em qualquer grau, mas que interessam aos familiares de mortos e desaparecidos políticos". A Procuradoria informa que não recebeu o material nem mesmo uma resposta ao ofício.

"Manipulação"

O pedido de abertura dos arquivos integra, para a ONU e o Ministério Público, a defesa da punição dos violadores de direitos humanos no regime militar e o apoio ao esforço das famílias que buscam os corpos de desaparecidos.

A ONU lamenta que "não houve investigações oficiais ou responsabilização direta pelas graves violações de direitos humanos da ditadura". E propõe: "Para combater a impunidade, o Estado deve considerar outros métodos de responsabilização para crimes contra direitos humanos sob a ditadura".

O procurador pede que a União pare de apresentar recursos e "qualquer resistência" a ações judiciais que buscam o acesso a documentos. A Justiça decidiu em primeira instância liberar papéis sobre a Guerrilha do Araguaia. Talvez permitam descobrir cadáveres de guerrilheiros. A União recorreu.

O ofício endereçado a Lula lembra que, segundo a legislação, o presidente tem poder para "desclassificar" papéis ainda mantidos em sigilo. As autoras do texto são as procuradoras da República Eugênia Augusta Gonzaga Fávero e Lívia Tinocco. Ao enviá-lo à Presidência, o procurador-geral o assina.

 O outro lado

Casa Civil não se pronuncia sobre pedidos

Desde terça, a Folha tentou reiteradamente obter a posição da Casa Civil sobre os pedidos de abertura dos arquivos feitos pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU e a Procuradoria Geral da República. Na terça, a assessoria da Casa Civil pediu ao jornal o envio de cópia do ofício do procurador-geral, o que foi feito por fax. As recomendações da ONU foram transmitidas pelo repórter por e-mail.

Em novos contatos na quinta e na sexta, a Casa Civil não se pronunciou. Procurada inicialmente, a Presidência indicou a Secretaria Especial dos Direitos Humanos como o órgão apropriado para falar. A secretaria esclareceu que o assunto é de alçada da Casa Civil.

A única manifestação foi do assessor internacional da Secretaria dos Direitos Humanos, Murilo Komniski. Segundo ele, não há atraso na resposta à ONU: "Não houve ainda resposta, o que é normal".

O texto da ONU de 2 de novembro de 2005 diz: "O Estado-Parte deverá proporcionar, no prazo de um ano, a informação pertinente sobre a avaliação da situação [...]".

Assinatura Abraji