- 25.10
- 2024
- 17:03
- Ramylle Freitas
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Olimpíadas de Paris pela mídia independente: Jornalismo sem Trégua fala sobre coberturas jornalísticas com recorte racial
Abordando temas como produção, pauta e entrevistas, o webinar “Narrativas de Resistência: Coberturas Jornalísticas com Recorte Racial”, realizado pelo Jornalismo sem Trégua, da Abraji, convidou os jornalistas Solon Neto e Vinicius Martins, do Alma Preta Jornalismo, e Marcelo Moreira, jornalista e sócio-diretor da DiversaCom, agência de diversidade do Grupo Textual, para compartilhar a experiência da Alma Preta na cobertura das Olimpíadas de Paris. A conversa, mediada por Angelina Nunes, coordenadora do Programa Tim Lopes, aconteceu nesta quinta-feira (24 de outubro) e pode ser assistida na íntegra no canal do YouTube da Abraji, por este link.
Segundo Marcelo Moreira, que acompanhou os jogos editorialmente do Brasil, o Alma Preta em Paris surgiu da ideia de ter um veículo independente envolvido em um evento do porte das Olimpíadas, trazendo uma visão diferente, não apenas da grande mídia. “A Elaine Silva [sócia-diretora da Alma Preta Jornalismo] comprou a ideia. Comprou literalmente, porque uma parte do projeto ela bancou, o Alma Preta bancou. E, do lado da Diversa, a gente fez uma preparação. Muitas reuniões de pauta, reuniões de pré-cobertura para pensar o que a gente ia fazer lá”, disse.
“Então a gente começou a conversar com o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), para explicar a ideia da cobertura. Fomos super bem recebidos, afinal de contas é uma ideia inédita, mas faz parte da agenda da sociedade ter mídias periféricas em grandes eventos. O olhar que o Alma Preta ia ter nos jogos não era o olhar de um jornal O Globo, Folha… era uma olhar diferente, mostrar as historias que envolvem os negros brasileiros, os negros não brasileiros, a Paris negra, que a gente sabe que a colonização francesa nos países africanos levou muitos filhos desses povos colonizados a viver na França”, pontuou Marcelo.
Efeito multiplicador
A organização do Alma Preta para a cobertura, conforme compartilhou Moreira, veio de um estudo anterior feito por Vinicius e Solon, que queriam cobrir o que foi a África nas Olimpíadas, o continente africano como protagonista nos Jogos como um todo. A equipe ficou instalada no subúrbio de Paris, para mostrar a cidade real e não apenas o cartão postal parisiense.
“Vamos lembrar que o time brasileiro medalhista de 2024 são as mulheres pretas. Essas matérias, do ponto de vista de uma mídia periférica, negra, brasileira, contando isso pra audiência brasileira tem uma identidade muito diferente do que uma matéria do Jornal Nacional. O ponto de vista deles [dos jornalistas do Alma Preta] foi o grande diferencial, a história de vida deles [...], e lá pintaram oportunidades comerciais, porque a gente não pode deixar de pensar que nada se faz sem dinheiro”, compartilhou Marcelo Moreira.
Moreira conta que, ao chegar em Paris, o Alma Preta foi notado pelas marcas, surgindo oportunidades comerciais que viabilizam não apenas a cobertura das Olimpíadas, como outras futuras, desencadeando um efeito multiplicador.
De acordo com Vinicius Martins, a preparação serviu para eles terem uma noção mais ampla do que são as Olimpíadas, apesar de a agência já ter contato com coberturas internacionais como a Conferência do Clima, organizada pela ONU. “No caso das Olimpíadas, a dimensão, mesmo durante a preparação, já ficou muito nítida, sobre como ela movimentaria as massas. Seja a audiência, seja nossa própria agência.”
“Ficava muito curioso para entender Paris, essa geografia, esse mapa mental da cidade, onde a gente ficaria, como a gente iria se movimentar, que tipos de desafios a gente teria no nosso cotidiano para conseguir trazer nosso olhar esportivo sobre o evento e também trazer esse olhar sobre Paris e as suas complexidades”, compartilhou o jornalista.
Solon Neto também reitera a importância da preparação antes da viagem a Paris. “Eu não sou jornalista esportivo, não é uma coisa com que eu tenha muita intimidade... Por não ser jornalista esportivo, eu tive que mergulhar, estudar. E esses meses de preparação foram muito importantes.”
Desafios na cobertura
Vinicius Martins comenta que os desafios vão desde o financeiro até o físico. “É uma cobertura cara, então, você tem que ter um planejamento econômico para isso. Mas também tem esse desafio do cotidiano, que vai desde coisas que parecem pequenas, um desafio físico, por exemplo o meu caso como fotógrafo, de carregar peso, andar muito, sob muito calor.”
Outro ponto abordado foi a questão do idioma. Conforme Solon declarou, assim como nas periferias do Brasil, a grande maioria da população das periferias de Paris também não falava tanto inglês. “A gente sabia que poderia falar inglês. Mas a gente foi com um intuito diferente dos outros veículos. A gente queria falar com a periferia de Paris, os imigrantes… Em relação a língua nas periferias, assim como no Brasil, não se fala tanto inglês. Acho que tinha muito mais do que a gente encontraria no Brasil falando em inglês na periferia, mas também não eram todos. Aconteceram muitas vezes de a pessoa falar apenas francês.”
Acerca dessa questão, os jornalistas entrevistaram as pessoas em suas línguas nativas e contaram com o suporte de tradutores e a ajuda de Yasmin Thayná, que faz parte da equipe e mora na França.
"Foi bem curioso ver como a periferia de lá é diferente, muito mais estruturada. Você percebe nas pessoas que estão na rua, que moram ali, que é uma maioria negra e árabe. Não é como o centro de Paris. Você percebe no trem, quando está indo pro centro de Paris, a demografia mudando”, destacou Solon.
Dicas para a cobertura de grandes eventos
Dentre as dicas que os jornalistas compartilharam sobre a cobertura de grandes eventos, Martins enfatiza a importância de obter credenciamento e atentar para os centros de mídia disponíveis na região. “Trazendo o ponto de vista de fotografia, lutar pelo credenciamento, senão o do comitê organizador, a credencial que as cidades oferecem. No caso de Paris, a credencial permitia que a gente filmasse e fotografasse em qualquer local público da cidade.”
“Os centros de mídia têm uma função importante, que é onde você estará lidando diretamente com seus colegas de profissão. É um lugar em que você pega dicas, troca informações, experiências [...] a princípio, essa é uma coisa que fica muito na minha cabeça. Valorizar os colegas de profissão que estão juntos de você, não ter medo de perguntar, interagir”, explicou ele.
Além disso, Solon fala sobre a relevância de manter a cabeça erguida, especialmente enquanto jornalistas mulheres, negros ou que vieram da periferia. “Isso é uma coisa que parece boba, mas tem um determinado tipo de jornalista que vem de ambiente privilegiado. Essa pessoa não tem vergonha nenhuma, vai entrar na sua frente. Isso exige de pessoas que não são deste mundo, que querem adentrar esse mundo, muita coragem e autoestima. é importante dizer isso, principalmente para jornalistas mais jovens: mete a cara.”