• 05.07
  • 2005
  • 13:16
  • MarceloSoares

"O problema de Santo Amaro é o do Brasil inteiro"

MÁRCIA CORREIA DA SILVA - REPÓRTER DO FUTURO

Camelôs no ponto de ônibus. Na frente, terminal Jabaquara. Linha 576, destino Santo Amaro. Entro no ônibus e pago os dois reais da passagem. Não está lotado, ainda não é horário de pico. São três e meia da tarde.

O veículo até que está bem conservado. Banco estofado, não está sujo. Depois de um tempo, entram quatro meninos - três deles são negros. Pedem ao cobrador. Passam por baixo da catraca, a idade é de mais ou menos quinze anos.

O caminho é tortuoso. Morros, ladeiras. As casinhas são pequenas, muitas de telhas. Mais dois meninos pedem carona ao motorista. Bem vestidos, não entram, saem xingando. Com meia hora de viagem, tenho sono. Pergunto ao cobrador onde é o ponto final. "Centro de Santo Amaro, no barateiro."

Mais um pedindo carona. É um homem alto, forte. "Só até a pracinha ali". Não. O motorista não cede. "Obrigado então. Bom serviço aí."

Depois de uma hora de voltas e mais voltas, chegamos ao final da linha 576. Descem os três passageiros do ônibus, e logo depois, o motorista e o cobrador. É o centro de Santo Amaro, zona sul de São Paulo. Ambulantes, lojas, muitas pessoas nas ruas e calçadas.

Sigo à direita. Numa loja de esquina encontro um senhor japonês parado. Seu nome é Antônio Tengan, tem 43 anos e há dois trabalha ali. Mora num bairro próximo, chamado Campo Grande. Problemas do bairro? "Ah...O problema aqui é a violência no centro, falta de segurança...", comenta com desânimo. "Roubo tem direto, só vejo os ‘polícias’ pegando os moleques aí..." Não quer falar mais, diz que não mora lá e que não sabe muito do que acontece. Entra na loja.

Nas ruas, pessoas apressadas com suas sacolas de compras. O centro comercial fervilha àquela hora. É difícil abordar quem nem olha para os lados. Há medo na agitação. Encontro uma senhora que talvez possa conversar. Começo a segui-la. Quando consigo um primeiro contato, ela diz que está atrasada para comprar passes, mas pode falar "rapidinho".

Marisa Coutinho tem 53 anos e cursa faculdade de Educação Física. Não aparenta ter mais de 50 anos. Loira, usa óculos, calça de moleton e blusinha. É sorridente. Sobre os problemas do bairro, diz que não pode falar muito porque não mora por ali. Mas, afirma, o mais preocupante é a insegurança - assaltos, violência. "Quando você chegou para falar comigo, eu já pensei: ´meu Deus, o quê que essa menina quer?´, já fiquei com medo". Ela declara que os transportes são péssimos no bairro. "Tudo muito desorganizado".

Já a ambulante Rosa Vasconcelos, de 45 anos, revela que o lixo também é um dos piores males do centro de Santo Amaro. "O povo suja as ruas e a prefeitura não limpa". Ela observa: "Tem umas lixeiras, mas elas têm cadeado, aí o pessoal coloca o lixo em cima. De que adianta?". Como as outras pessoas, diz que a violência é assustadora.

"Você vê tanta mulher correndo, chorando com a bolsa rasgada... Elas sendo roubadas e você não pode fazer nada. Tem pouco policial por aqui também", afirma Rosa. O segurança Donizete de Souza, de 28 anos, que trabalha na faculdade Radial, confirma: diz que muitos ‘trombadinhas’ levam as bolsas das mulheres. "Já aconteceu um assalto aqui na frente da faculdade, mas não pude fazer nada", conta ele.

Para o italiano Vicente Mieler, mestre de obras aposentado, de 76 anos, a violência acontece porque as pessoas chegam em São Paulo despreparadas. "Os nordestinos vêm sem cultura para os grandes centros. O governo não dá escola, eles acabam roubando, matando". Aponta um catador de papel. "Olha ali o resultado. Esse ainda tem coragem". Mieler declara: "O problema de Santo Amaro é o do país inteiro".

Chego numa lanchonete para ouvir um senhor – a única pessoa do lugar – que faz o café, provavelmente o dono. "O que você quer? Você quer dinheiro?" Não: sou estudante, e quero escrever sobre os problemas do bairro. "O bairro aqui não tem problemas. Está tudo certo".

"Muito barulho dos ônibus, dos carros, atrapalha o comércio. As ruas são muito estreitas para passar caminhões aqui", diz Eneas Martins, 26 anos, comerciante de uma loja de velas. Além disso, o vendedor revela que paga segurança para seu estabelecimento não ficar a mercê da violência. Em tom descontraído, diz: "Nós pagamos um segurança porque amedronta os ‘nóias’. Por aqui é complicado. Ontem mesmo, mataram um ambulante ali perto do mercado". Pergunto porquê. "Ah, talvez não pagou propina para os fiscais..."

Eneas também reclama que há muitos ratos que entram em sua loja devido ao esgoto da rua não ser limpo pela prefeitura. "É um mau-cheiro muito forte e os ratos são enormes. A prefeitura não aparece por aqui", diz ele.

Converso com mais pessoas que falam dos roubos do bairro. Uma ambulante, que não quis se identificar, diz: "Aqui eles roubam mesmo. Se tivesse emprego, eu estaria aqui?

Algumas das pessoas que estão ao redor observam e comentam. Acham que eu trabalho para a prefeitura. "O prefeito quer ibope". Outro homem diz: "Por que não vão pesquisar essa CPI? Quantos tinha na quadrilha do filho do Pelé? Aposto que querem é tirar os camelôs daqui".

E assim, termina meu passeio no centro de Santo Amaro, cidade de São Paulo, Brasil. Linha 576— agora, sentido Jabaquara.
Assinatura Abraji