Nunca revele as fontes: 6 dicas para jornalistas protegerem seus informantes
  • 31.03
  • 2021
  • 17:30
  • Denise-Marie Ordway

Formação

Nunca revele as fontes: 6 dicas para jornalistas protegerem seus informantes

Texto originalmente publicado em 19.fev.2020

O inquérito formal de impeachment do presidente Donald Trump surgiu após uma denúncia acusá-lo de usar o poder do próprio cargo para pressionar a Ucrânia a investigar o ex-vice-presidente Joe Biden [atual presidente dos EUA], um dos principais candidatos Democratas à corrida presidencial [no ano de 2020].  

A história comprova o importante papel desempenhado por informantes para tornarem públicos atos de corrupção, fraude, desperdícios e outras impropriedades em todo o mundo. Os jornalistas enfrentam, entretanto, uma série de desafios neste tipo de reportagem, especialmente quando envolve líderes mundiais e serviços de inteligência internacionais.

Para ajudar as redações a ajustarem estratégias e atenderem às reivindicações de informantes, ouvimos jornalistas veteranos, faculdades de comunicação e estudiosos do comportamento dos denunciantes. Também procuramos organizações jurídicas que trabalham na proteção e defesa deles. 

Com base na experiência desses entrevistados, reunimos seis dicas. Confira abaixo. 

1. Antes de revelar detalhes sobre a identidade de um informante, considere se o valor da disseminação dessa informação sobrepuja-se à gravidade das consequências que o informante e outros possam sofrer. 

“Não sou a favor de identificar os informantes. Essas pessoas estão, em sua maioria, tentando fazer a coisa certa, mas sentem medo ou receiam acabar com suas carreiras ou algo pior”, defendeu Matthew Carroll, professor de Jornalismo da Northeastern University, ganhador dos prêmios Pulitzer e Goldsmith, na categoria Jornalismo Investigativo, em 2003, como parte da equipe do The Boston Globe que escreveu sobre o abuso sexual cometido por padres católicos.

Carroll apontou um pronunciamento feito por Trump em set.2019, no qual afirmava que informantes são “quase espiões”, como motivo pelo qual o denunciante dos telefonemas de Trump ao presidente da Ucrânia “definitivamente deveria estar preocupado”.

“Trump disse que o informante é ‘quase um espião’ e mencionou como espiões foram tratados no passado”, citou Carroll. “A intenção (de Trump) não ficou inteiramente clara, mas, sabe-se que, no passado, espiões foram executados ou receberam longas penas de prisão”. 

Xuhong Su, professor adjunto da University of South Carolina que pesquisou o motivo de existirem tão poucos informantes em cenários de corrupção, reforçou que o anonimato “é imprescindível tanto para proteger o informante quanto para, em longo prazo, incentivar uma maior atividade deles no futuro”. Su criticou a decisão do The New York Times de publicar detalhes sobre a identidade do informante das acusações que motivaram os Democratas a buscarem o inquérito de impeachment. 

2. Não foque no motivo de os informantes realizarem denúncias.

“Nós analisamos os documentos, não os informante.” - Vladimir Radomirovic, editor-chefe do Pistaljka.

Vladimir Radomirovic, editor-chefe do Pistaljka, site de reportagens investigativas que expõe a corrupção na Sérvia, diz que sua redação dá atenção ao que os informantes divulgam - não aos seus motivos. “Para nós, a informação provida por eles é a chave”, atesta. “Nós julgamos os documentos, não os informantes”.

Radomirovic já trabalhou com centenas de informantes, desde a criação do portal, em 2010.

“Na grande maioria dos casos, os motivos do informante são exatamente o que os empregadores, o governo ou a imprensa investigam, invés das irregularidades reportadas por eles”, explica-nos. "Os jornalistas deveriam estar cientes disso e evitar expô-los”.

3. Entenda a diferença entre informantes e delatores.

Há alguns anos, a Sociedade de Jornalistas Profissionais dos Estados Unidos trabalhou com o Projeto de Responsabilidade Governamental - do inglês Government Accountability Project - uma organização de proteção, inclusive jurídica, na criação de um guia para instruir jornalistas sobre informantes. O documento de 36 páginas destaca a diferença entre um informante e um delator, ou responsável pelo “vazamento de informações”, do inglês leaker. Os dois são, conforme o guia, “muitas vezes identificados de forma intercambiável para descredibilizar a fonte de uma informação potencialmente danosa”.   

Nos Estados Unidos, os informantes são, de forma geral, protegidos por lei de retaliações, mas, muitas vezes, arriscam as carreiras e a segurança ao compartilharem o que sabem.

“Os leakers são aqueles que divulgam informações a respeito dos mecanismos internos de agências governamentais ou corporações para as quais trabalham, muitas vezes, por ganho político, para ganhar favores ou testar sistemas", explica o guia. “Os informantes são os divulgadores de informações que expõem graves irregularidades, má gestão, desperdício ou outras violações da confiança pública”.

4. Adote uma estratégia que garanta comunicação segura.

Os jornalistas que fazem uso de ferramentas digitais para se comunicar com fontes, além de receber dados e documentos, devem adotar medidas para proteger as suas atividades on-line de fraudes, tais como hacking, vigilância e ataque de phishing. A organização não-governamental Comitê para a Proteção dos Jornalistas oferece ajuda detalhada sobre este tópico no seu Kit de Segurança Digital.  

As duas maneiras de prover segurança para os informantes: usar aplicativos de troca de mensagens, como o Signal ou o WhatsApp, que oferecem criptografia total, ou optar por softwares de criptografia de e-mail.

5. Estude a lei de proteção que se aplica ao seu informante.

Leia e entreviste experts jurídicos sobre as leis de proteção a informantes, pois elas são variadas. “Existe uma extensa estrutura legal para estabelecer a proteção ao informante nos Estados Unidos, desde a Lei do Falso Testemunho até a Lei Dodd-Frank”, explica o National Whistleblower Center, numa página de dicas para jornalistas. “O direito dos informantes depende dos procedimentos estabelecidos em mais de 50 leis federais diferentes e em inúmeras leis estaduais”.

O Centro Nacional de Informantes, fundado por três advogados de denunciantes, aponta que uma série de diferentes regras se aplica a empregados do setor de inteligência do governo norte-americano.

“A Lei de Proteção ao Informante, em inglês Whistleblower Protection Act, garante a funcionários públicos o direito de denunciarem má conduta”, destaca a página de dicas. “Os que trabalham no setor de inteligência, em que a informação geralmente tem um caráter delicado ou secreto, têm os direitos mais limitados. Eles podem denunciar desde superiores diretos ao inspetor geral da agência, mas raramente conseguem ir além disso”.

6. Saiba como entender melhor questões relacionadas a informantes.

Numerosas organizações norte-americanas e do mundo provêm recursos e apoio para informantes e jornalistas que trabalham com eles. Já mencionamos alguns. Aqui estão outros:

Este artigo foi previamente publicado no Journalist’s Resource. Foi atualizado e reproduzido com a permissão da autora [no site do GIJN].

Denise-Marie Ordway é editora-chefe do Journalist 's Resource. Trabalhou também como repórter em estações de rádio e redações nos Estados Unidos e na América Central, incluindo jornais como o Orlando Sentinel e o Philadelphia Inquirer. Foi finalista do Prémio Pulitzer, em 2013, por uma série investigativa sobre trotes e outros problemas na Florida A&M University.

Tradução: Raquel Lima 

Foto: Flickr/Kate Ter Haar

Assinatura Abraji