
- 31.10
- 2025
- 10:27
- Laysa Vitória
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No Projeto Inspiração, as lições de José Hamilton Ribeiro
Quando entrou pela primeira vez na redação da Folha de S.Paulo, José Hamilton Ribeiro se assustou ao observar os colegas. Não queria ficar atrás de uma mesa, preso ao escritório. Ribeiro escolheu a rua, a reportagem, e assim seguiu por mais de seis décadas. O instinto e a inquietação do repórter persistem, mesmo aos 90 anos. “Quando acontece algo muito importante, eu penso que podia estar lá", contou ele a Elvira Lobato.
Com Angelina Nunes e Maiá Menezes, Elvira criou o projeto Inspiração Abraji, em que traz a história e o aprendizado de grandes nomes do jornalismo para inspirar as novas gerações. Repórter que mais acumulou prêmios Esso, sete no total, e primeiro homenageado da Abraji, em 2005, José Hamilton é um dos quatro primeiros perfilados do projeto.
O material traz um acervo de grandes trabalhos jornalísticos, acompanhados de entrevistas e biografia dos autores.
Acesse o projeto em: https://inspiracao.abraji.org.br/.
José Hamilton Ribeiro trabalhou em veículos como Realidade, Folha de S.Paulo, Quatro Rodas, Veja e TV Globo. Ficou conhecido por coberturas como a da Guerra do Vietnã, durante a qual perdeu parte da perna ao pisar em uma mina, e por contar histórias do povo brasileiro.
A maior parte da carreira de José Hamilton foi no Globo Rural, da TV Globo, onde durante 40 anos se dedicou a retratar a realidade rural do Brasil. Em entrevista a Abraji, contou que gostaria de ter feito mais reportagens na Amazônia. “Minha grande descoberta pessoal foi o Pantanal. Fiquei encantado quando o conheci. Fiz várias coisas lá e várias ficaram por fazer. O Brasil tem várias realidades interessantíssimas, como a Amazônia e o Nordeste. O jornalista que se dedicar terá um campo sem fim.”
Despertar
Ele nasceu em agosto de 1935, numa pequena cidade do interior de São Paulo, Santa Rosa do Viterbo. O pai era funcionário público municipal e produtor rural. A mãe cuidava da casa e dos nove filhos.
Aos 10 anos, despertou para o jornalismo quando um avião “teco-teco” caiu próximo de sua cidade. “Queria ver o avião caído, ver como o piloto estava, se estava falando e o que podia contar”, lembrou ele.
Para José Hamilton, o repórter não sabe nada, por isso é necessário sempre procurar pessoas que entendam o assunto da pauta. “Quando me chamavam pra fazer uma reportagem sobre determinado assunto, por dentro eu ficava arrasado. Como vou escrever sobre isto? Como vou entender as coisas que estão falando? Eram coisas que um professor de universidade sabe. Eu tomava um banho de ignorância. E de humildade”, afirmou.
José Hamilton acredita que é preciso estabelecer uma relação de empatia e de confiança com a fonte. E, para isso, é necessário ser verdadeiro e transparente. “Não enganar. Dizer que está fazendo uma reportagem sobre um assunto do qual não entende e que está pedindo ajuda.”
Repórter da simplicidade e do fascínio pelo que é humano, José Hamilton é encucado com cerimônia e receoso com gabinetes. Por isso, prefere entrevistar um cidadão que descobriu uma nova raça de tatu do que o presidente da República.
Como conselho para os jovens jornalistas, ele destaca que é preciso sempre duvidar das versões. “Ter clareza de que o que ele ouve de uma pessoa é uma versão. Se ouvir outra pessoa, terá outra versão. Para ele ter uma reportagem completa, tem de ter várias versões. E deixar claro que são versões. (…) isso seria o ideal de um jornalista, que pudesse trazer para o debate várias possibilidades, sem obrigação de fechar com uma. Porque senão seria militância política.”
A reportagem e a biografia de José Hamilton Ribeiro estão disponíveis em: https://inspiracao.abraji.org.br/jose-hamilton-ribeiro/
Coronel não morre
A reportagem que José Hamilton Ribeiro tem mais orgulho não ganhou o Prêmio Esso, nem é a mais famosa. O trabalho que mais lhe emociona é “Coronel não morre”, que conta a história do coronel Chico Heráclio, de Limoeiro, no agreste pernambucano.
O jornalista explicou por que a reportagem lhe marcou: “era um homem poderoso, aproveitador, mas que tinha grandeza também. Era violento, mas possuía qualidades que faziam dele uma autoridade local importante.”
“Ele está com 81 anos e há 60 sua vontade é lei, não só em Limoeiro, mas em municípios vizinhos, onde também tem terras e votos. Seu raio de ação atinge 50 mil pessoas. Todas conhecem a força do coronel. E a respeitam.” Trecho da reportagem publicada pela Realidade em novembro de 1966.
Para escrever 'Coronel não morre', José Hamilton se hospedou na casa do coronel e observou seu cotidiano. A reportagem revela a personalidade e autoridade de Chico Heráclio por meio da rotina e dos diálogos registrados.
O jornalista Carlos Marão refere-se a este trabalho como “um retrato que apenas conta o estilo de vida do coronel e, sem nenhum adjetivo, mostra, até com simpatia, um homem frio, autoritário, capaz de tudo, em atitudes sempre disfarçadas por falsa generosidade.”
“Entre sete e oito o coronel vai dormir. Na rede, e de camisola. Sua casa de homem solteiro, onde há sempre estranhamente uma ou duas mocinhas, é grande, simples e mal arrumada. Não tem geladeira, televisão ou vitrola; o próprio rádio está enguiçado. Mas com os carros o coronel é caprichoso. Atualmente tem uma perua, um Impala, um Chrysler e um Volks. E está com idéia de comprar um helicóptero – se não for muito caro – para poder mais facilmente visitar o seu império de bois e de votos. Ele não conhece o Rio, nem São Paulo, nem mesmo João Pessoa. Certa vez um candidato a senador – para obter seu apoio eleitoral – ofereceu-lhe a suplência na chapa. O coronel foi eleito, mas jamais apareceu em Brasília”, aponta outro trecho do texto.
Acesse a reportagem completa no site do Projeto Inspiração: https://inspiracao.abraji.org.br/coronel-nao-morre/
A guerra é assim
As reportagens mais conhecidas de José Hamilton Ribeiro são da cobertura da Guerra do Vietnã. Em “Eu estive na guerra”, descreveu a explosão em uma mina terrestre que destruiu parte de sua perna esquerda. Já em “A guerra é assim”, apurada antes do acidente, contou a vida cotidiana em um país em guerra.
Na reportagem, Ribeiro mescla a apuração com relatos pessoais do que ele vivencia no país. A reportagem sensível, atenta e de linguagem simples tem como fio condutor uma recém-nascida, prematura, com pouco mais de 1kg, que foi rejeitada pela mãe.
“Num amplo barracão, em caminhas coladas umas nas outras, mais de setenta crianças estão sendo tratadas. Elas perderam a família inteira na guerra. Uma, chorando numa pequena rede, me chama a atenção. É pequena demais.” Trecho da reportagem publicada pela Realidade em junho de 1968.
O jornalista consegue ter contato com diferentes pessoas do lugar, retratar como é o dia a dia da cidade e os impactos da guerra na vida da população, além de narrar costumes culturais e sociais dos vietnamitas.
“As casas apóiam-se diretamente sobre lama e detritos humanos. As crianças circulam naquela imundície, e esta não deixa de ser também uma imagem de guerra”, aponta um trecho da reportagem.
“Ótimo almoço deste domingo. Não foi na casa de Nguyen, mas sim na do seu sogro, típico chefe de clã vietnamita. Toda a família – várias casas, em cada uma um casal com os filhos – vive num terreno comum do tamanho de um quarteirão, sob o comando do velho patriarca. Cozinha vietnamita e uma conversa agradável, como se ali reinasse a maior paz do universo. A quatro quilômetros, entretanto, durante todo o almoço, houve guerra”, destaca o repórter em outro parágrafo do texto.
A reportagem completa está disponível no Projeto Inspiração:
https://inspiracao.abraji.org.br/a-guerra-e-assim/