NICAR 2021 apresenta grandes investigações de jornalismo de dados
  • 23.03
  • 2021
  • 18:05
  • Reinaldo Chaves

Formação

NICAR 2021 apresenta grandes investigações de jornalismo de dados

Neste ano, a conferência internacional de jornalismo de dados da organização norte-americana Investigative Reporters & Editors (IRE) foi realizada, pela primeira vez, de forma on-line, e mostrou grandes investigações na área de jornalismo de dados. Realizado nos dias 3, 4 e 5.mar.2021, o NICAR 2021 bateu recorde de audiência, registrando 1.650 inscritos, entre jornalistas, estudantes e educadores. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) acompanhou as palestras e debates e traz os destaques do evento. 

O Insurrection Project, trabalho da ProPublica sobre a violenta invasão do Capitólio nos EUA por extremistas apoiadores do ex-presidente Donald Trump, em 6.jan.2021, foi uma das grandes investigações apresentadas. 

Desenvolvido por Lena Groeger, Jeff Kao, Al Shaw, Moiz Syed e Maya Eliahou, o projeto envolveu um esforço de coleta, limpeza, análise, checagem e criação de uma plataforma de visualização com centenas de vídeos da invasão, tanto de cenas na cidade de Washington DC, perto da Capitólio, quanto no prédio do Congresso americano. Foram mais de 30 TB de vídeos que manifestantes, anônimos ou não, postaram na internet. Esses materiais foram retirados de postagens do Parler, rede social utilizada em diversos países por ativistas de extrema direita.

"Concluímos esse trabalho cinco dias após conseguir os vídeos. Foi uma operação que envolveu 50 pessoas. Criamos um banco de dados interativo, com os vídeos e uma timeline do dia da invasão”, contou Lena Groeger. 

O trabalho deles foi usado por outros veículos de mídia e também durante as investigações do FBI sobre os extremistas e no processo de impeachment contra Trump. Veja mais aqui.

400 jornalistas

Outro grande trabalho colaborativo apresentado foi o projeto FinCEN Files. BuzzFeed News, o ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos) e mais de 100 redações e 400 repórteres em todo o mundo revelaram como grandes bancos ocidentais movimentam trilhões de dólares em transações suspeitas, beneficiando a si próprios e seus acionistas.

O trabalho examinou mais de 2.100 documentos dos arquivos da FinCEN (Financial Crimes Enforcement Network ou Rede de Investigação de Crimes Financeiros dos Estados Unidos), em sua maioria, enviados por bancos às autoridades do país entre 2000 e 2017. Os documentos levantam questões sobre o que seus clientes podem estar fazendo. 

Os Relatórios de Atividades Suspeitas (SARs - Suspicious Activity Reports) são um exemplo de como essas preocupações podem ser registradas. Caso um banco suspeite que seus clientes estejam fazendo algo errado, devem preencher um relatório e enviá-lo às autoridades. 

Esses arquivos foram vazados para o Buzzfeed News, nos Estados Unidos, sendo  compartilhados depois com um grupo que reúne jornalistas investigativos de todo o mundo, o ICIJ, e seus parceiros. 

“Encontramos mais de US$ 2 trilhões movimentados nesses relatórios. Foi um trabalho coletivo e transnacional enorme para entender essas informações. Por exemplo, os relatórios estavam em PDF e foi necessário criar uma biblioteca em Python para ler essas milhares de tabelas e capturar os textos corretos", conta Jeremy Singer-Vine, editor de dados do BuzzFeed News.

A equipe transnacional utilizou ferramentas como o VisiData para as primeiras visualizações e análises dos dados coletados. Além disso, fez uso de expressões regulares para encontrar datas e frases de interesse nos documentos. Em seguida, foram aplicados modelos de machine learning (named entity recognition) para preencher bancos de dados que encontraram 13.500 transações financeiras. No final, a equipe ainda fez uma rodada de fact-checking, na qual todas as transações foram checadas por três pessoas diferentes.

Premiações 

Todo ano o NICAR oferece o prêmio Philip Meyer Award for Precision Journalism para grandes trabalhos de jornalismo de dados. O vencedor deste ano foi “Tracking the Coronavirus”, do New York Times, que fez uma coleta massiva de dados da pandemia nos EUA. O trabalho adotou uma metodologia rigorosa para garantir que os dados sobre os casos covid-19 nos condados, casas de saúde, universidades e prisões pudessem ser usados de forma confiável. Baseado em métodos de ciências sociais, o NYT ajudou a lançar luz sobre as disparidades no impacto do vírus.

Mostrar como a pandemia afetou o processamento de alimentos no país em diversos locais ou descobrir como ocorreu a divisão de casos em escolas de todos os estados americanos foram algumas das possibilidades surgidas a partir do desenvolvimento do projeto vencedor.

Danielle Ivory, uma das responsáveis pelo trabalho, deu algumas dicas sobre o que aprendeu: "Peça (educadamente) os dados mais de uma vez, se necessário; se estiver lidando com várias agências, pense em como elas disponibilizam dados de formas diferentes; não é suficiente coletar dados, pois eles devem ser analisados e humanizados; e esteja pronto para mudar de rumo rapidamente".

Last Words”, do Boston Globe, ficou em segundo lugar na premiação deste ano. O projeto sobre o fracasso do Estado em proteger os mais vulneráveis nos primeiros dias de uma pandemia histórica reuniu mais de 1,2 milhão de atestados de óbito e pesquisou milhares de famílias. Evidenciou-se o quão profundamente raça e renda determinam como e por que os residentes de Massachusetts morrem e como esses fatores afetam a qualidade e a duração da vida e o acesso a cuidados.

A análise utilizou métodos como regressão linear e múltipla, geocodificou os endereços residenciais dos mortos e os comparou com os dados do Censo para determinar a renda. Junto com os dados e o trabalho de pesquisa, o Boston Globe fez inúmeras entrevistas com epidemiologistas, especialistas e membros de famílias para produzir reportagens informativas e emocionantes. 

O terceiro lugar, "Shield", da Reuters, trouxe um estudo de milhares de ações judiciais e casos de apelação de imunidade qualificada para mostrar o aumento desses casos desde uma decisão da Suprema Corte em 2009. Com isso, expôs que os tribunais estavam mais dispostos a aceitar casos em defesa de policiais do que o de pessoas que acusaram policiais de uso excessivo de força. 

Usando seu relacionamento exclusivo com o Westlaw (serviço de pesquisa jurídica on-line e banco de dados proprietário para advogados e profissionais do direito), a Reuters mostrou que a probabilidade de um reclamante superar a imunidade qualificada dependia muito de onde o caso era ouvido. O projeto usou regressão logística, além de outros métodos de ciências sociais, e foi publicado semanas antes de George Floyd ser morto e de o movimento Black Lives Matter notabilizar a dificuldade de processar tais casos. 

Por último, mas não menos importante, a menção honrosa foi para o trabalho do Marshall Project and Slate “What Do We Really Know About the Politics of People Behind Bars?" (“O que realmente sabemos sobre a política das pessoas atrás das grades?”, em tradução livre). Em 2020, no período das eleições presidenciais, eles fizeram a primeira pesquisa política dentro de prisões e cadeias de todo o país. Oito mil presos responderam - nos EUA a possibilidade ou não de presos votarem é um debate atual. 

Dicas e tutoriais

A jornalista Sharon Machlis criou um site com diversos links e materiais da conferência deste ano, disponível aqui. É possível pesquisar também materiais da edição de 2020 do NICAR.

Um dos destaques é o "Data & Digital Tools for Mobile & Desktop", de Victor Hernandez e Mike Reilley, com dezenas de dicas de ferramentas para jornalistas.

 

Assinatura Abraji