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Nas eleicoes deste ano, Brasil acumula mais de 130 ações contra divulgação de informações

Publicado em 26 de setembro de 2014 em O Globo

RIO — Desde o início da campanha, ao menos 137 ações judiciais foram registradas na Justiça Eleitoral até o dia 24 de setembro contra a divulgação de informações sobre candidatos que disputam as eleições gerais. O cálculo é da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que desde o início do processo alimenta o site Eleições Transparentes, um mapa interativo com as origens dessas ações. Os dados, alimentados com a colaboração das próprias empresas de mídia, indicam que a maioria esmagadora das ações é contra o Google. Sozinha, a empresa concentra mais de três quartos das ações (103). Bem atrás vem o instituto de pesquisas Ibope, que é réu em 16 processos.

O número de ações sofridas pelo Google é justificado pelo tamanho e pela abrangência da empresa, de acordo com Guilherme Alpendre, secretário-executivo da Abraji. Ele explica que a maioria das ações catalogadas pede a retirada de vídeos do canal Youtube — pertencente ao Google.

— Muitos dos blogs [com conteúdo considerado difamatório pelos candidatos] estão abrigados na plataforma Blogger, do Google — acrescenta Guilherme.

Em comunicado, a empresa afirma que “não é surpresa o Google estar no topo da lista”, pois a “web é a maior vitrine para todos os conteúdos”.

“Importante salientar que normalmente nós teríamos divulgados estes números através do “Transparency Report do Google” — mas como o “Transparency Report” sai muito depois do período eleitoral, achamos que valeria a pena dar transparência a estes pedidos de remoção em tempo real”, afirma o Google, em nota. A companhia acrescenta que o Brasil “é um dos países onde o Google tem recebido tradicionalmente o maior número de pedidos de remoção de conteúdo na web durante períodos eleitorais”.

Depois do Google, a empresa que mais recebeu ações foi o instituto de pesquisas Ibope — Alpendre explica que empresas que prestam esse tipo de serviço geralmente são processadas porque candidatos questionam critérios de levantamentos de dados que podem ser desfavoráveis a eles. De acordo com a Abraji, Twitter e Facebook não quiseram participar do levantamento.

RANKING ESTADUAL

No ranking dos estados, o Paraná é o que tem mais registros de ações: são 25, ou 18% do total do país. O segundo lugar fica com Alagoas, com 19 ações, ou 13% do total. De acordo com Guilherme Alpendre, os dados corroboram com uma conjuntura já existente em outros pleitos.

— A gente, em eleições passadas, tinha notado que no Paraná já tinha bastante casos de cerceamento em época eleitoral. Conseguimos comprovar numericamente que o Paraná é o principal estado em que isso acontece.

O mapa interativo aponta ainda que a maioria dos autores pertence ao PMDB, com 28 ações ou 20% do total, seguido por PSDB, com 25 (17%) e PP, com 16 (ou 11%). Já o cargo que contabiliza mais autores de processos judiciais é o de governador, com 58% (82 ações). O candidato que mais acionou a Justiça — 14 vezes — foi Benedido de Lira, candidato do PP ao governo de Alagoas. Alpendre afirma que o cargo de governador, ao mesmo tempo que possui mais representantes numéricos que o de presidente, permite que os candidatos fiquem mais em evidência.

— Governador é o cargo com mais visibilidade com um número bem maior de candidatos. Por isso que é mais comum que as ações partam dos que concorrem a esse cargo — diz.

ESPECIALISTAS DISCORDAM SOBRE EXCESSO DE AÇÕES

Para Fabro Steibel, especialista em comunicação e política e membro do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, o Marco Civil da Internet, sancionado em abril deste ano, desestimula o acordo entre as empresas de mídia e os políticos, e acaba fazendo com que as disputas pela veiculação de conteúdos na web terminem na Justiça.

— O Marco Civil, apesar de não proibir, desestimula isso [o pedido direto para a retirada de material] a acontecer. Isso é bem claro no Marco Civil. Ele incentiva as empresas a exigir uma ordem judicial. Isso deveria acontecer durante as eleições de forma muito clara. O que acontece no Brasil durante as eleições é que ocorre uma excepcionalidade nas garantias à liberdade — argumenta Steibel, para quem o Tribunal Superior Eleitoral não define claramente o que é propaganda irregular na internet.

Ele critica os critérios para que uma publicação seja considerada irregular. Fabro, acredita que, por causa da celeridade característica da Justiça Eleitoral, muitos conteúdos são barrados por liminares sem que haja uma reflexão profunda sobre sua natureza

— A liberdade de comunicação acaba comprometida, porque quem tem o melhor time de advogados ou de monitoramento das redes sociais acaba tendo um poder desigual. O entendimento nos Estados Unidos, por exemplo, é que é mais importante a democracia. Em vez de você impor restrições, o que você faz é com que mais e mais pessoas possam falar. Lá,a ideia é que quanto mais as pessoas falarem, mais dados bons aparecem.

Por outro lado, o vice-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-RJ, André Miranda, pondera que o histórico da Justiça Eleitoral não é de respaldar medidas de censura prévia e que ela foi criada para zelar pela manutenção da igualdade dos candidatos e da lisura do pleito. O advogado acredita que as ações dos candidatos são em geral legítimas, “porque o Google é um instrumento de divulgação como qualquer outro”.

— Você tem ali uma praça pública, e como tal, tem que ter alcançada uma tutela jurisdicional. Você hoje tem no Google um instrumento célere de divulgação de notícias. E a legislação eleitoral garante que você proteja o candidato contra notícias inverídicas, com divulgação infundada. A Justiça ajuda o candidato a obter a tutela adequada para se proteger desse veículo. Você tem cada vez mais esse tipo de pedido, dado o aumento progressivo do número de notícias que o Google divulga. A internet é o veículo que as pessoas buscam.

Assinatura Abraji