- 02.06
- 2005
- 10:52
- MarceloSoares
Morte de Tim Lopes completa três anos
No início da noite de 2 de junho de 2002, o repórter Arcanjo Antônio Lopes do Nascimento, o Tim Lopes, desaparecia no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Ele trabalhava na Rede Globo, e havia subido o morro para fazer uma reportagem sobre pornografia infantil em bailes funk. Dias depois, restos mortais identificados como sendo os seus foram encontrados, carbonizados, juntamente com o que restou da microcâmera que ele usava. Lopes tinha 51 anos quando foi assassinado, e durante anos havia coberto os morros do Rio.
A morte de Tim Lopes mobilizou os jornalistas de todo o Brasil. O assassinato deixou claro que era necessário trocar mais experiências e desenvolver melhores técnicas de reportagem, para que os jornalistas possam trabalhar com mais precisão e segurança. Da mobilização dos jornalistas em torno desses objetivos nos meses seguintes à morte de Tim Lopes, surgiu a Abraji.
Leia abaixo alguns trechos do seminário “Jornalismo Investigativo: Ética, Técnicas e Perigos”, promovido pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas da Universidade do Texas, no auditório do BNDES, no Rio de Janeiro, em 30 de agosto de 2002. Esse foi o evento onde a criação da Abraji começou a ser articulada.
JORNALISMO INVESTIGATIVO: ÉTICA, TÉCNICAS E PERIGOS (30.ago.2002)
Rosental Calmon Alves, professor da Universidade do Texas e diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas
O Centro Knight para o Jornalismo nas Américas foi criado em 7 de Agosto de 2002. Numa reunião do Sindicato do Rio, depois da morte do Tim Lopes, anunciei que seria criado esse centro e que eu faria o possível para que a primeira atividade dele fosse ligada ao caso do Tim Lopes. Seria uma forma de homenagear o nosso amigo e colega Tim. Fico orgulhoso de cumprir essa promessa.
Esta é uma reunião profissional, não uma reunião política. Não é uma reunião sindical. Não é uma reunião acadêmica. Não é uma reunião para se analisar especificamente o caso do Tim. O Sindicato, a Fenaj e eu discutimos a idéia de que fosse uma sessão de treinamento. Temos hoje aqui alguns dos melhores repórteres investigativos do mundo, da América Latina e do Brasil. Gente que está acostumada a ir a vários países falar sobre reportagem investigativa.
Mas o mais importante, mesmo que não houvesse nenhum dos palestrantes, é o fato de nos reunirmos para conversar profissionalmente sobre a realidade do dia-a-dia de repórteres e editores do Rio. Só o fato de juntar vocês e fazer vocês passarem um sábado pensando sobre o que se pode fazer em relação à realidade profissional dentro deste tripé que a gente concebeu aqui (ética, técnicas e perigos) já seria um avanço enorme.
Beth Costa, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas
O Tim Lopes foi o inspirador deste seminário. Ele continua, ainda bem, nos pautando para muitas coisas. Sempre dissemos que não queríamos que a morte dele fosse esquecida. O que aconteceu com ele transformou o jornalismo investigativo no Brasil. Não só no sentido de melhorar, porque acho que o Brasil tem contribuído, a imprensa brasileira tem contribuído para que a sociedade brasileira evolua na luta contra a corrupção, mas profissionalmente. Que eu me lembre, esta é a primeira vez que a gente tem a oportunidade de sentar e discutir, profissionalmente, o que é ser jornalista investigativo.
Acho que nós poderemos trocar muitas experiências, tanto quem está fazendo as palestras, quanto quem está na platéia. É uma saída, uma idéia de trabalharmos um pouco na contra-mão de uma lógica que nos empurra para um trabalho cada vez mais solitário. É a fazer uma reflexão coletiva e buscar saídas coletivas para quaisquer que sejam os desafios, os perigos e os problemas que se tenha no dia-a-dia da profissão.
David Kaplan, coordenador de treinamento internacional da Associação "Repórteres e Editores Investigativos" (IRE) e sub-editor de investigações da revista US News & World Report
Quero contar a história de um repórter americano chamado Don Bolles. Ela aconteceu há 26 anos, no desértico sudoeste Americano. Bolles trabalhava para o Arizona Republic, o principal jornal da cidade de Phoenix. Ele estava investigando a ligação entre uma fraude de terrenos e o crime organizado, que cresciam rapidamente no Arizona. Um dia, ele entrou em seu carro, girou a chave no contato e foi morto pela explosão de uma bomba.
Um ano antes disso, Bolles tinha ajudado a fundar a primeira associação dedicada exclusivamente ao jornalimo investigativo nos EUA. Na década anterior, o país presenciou o movimento de direitos civis, a Guerra do Vietnã, o escândalo de Watergate. Vimos nosso governo mentir e distorcer a verdade, obstruir a justiça, espionar jornalistas e agir de maneira extraordinariamente irresponsável.
Era clara a necessidade de uma ONG que oferecesse aos repórteres e editores as ferramentas de que eles precisam para fazer reportagens independentes, aprofundadas, sobre as questões importantes da atualidade. O resultado foi o Investigative Reporters and Editors (Repórteres e Editores Investigativos), uma organização sem fins lucrativos, em que jornalistas de todo o mundo poderiam ajudar uns aos outros ao compartilhar idéias de pautas, fontes e técnicas de apuração.
Após o assassinato de Don Bolles, no entanto, on IRE decidiu dividir algo a mais: nosso trabalho de reportagem. Como vocês, os repórteres americanos são normalmente independentes e competitivos entre si. Mas, daquela vez, 38 jornalistas de 28 jornais e redes de televisão americanas, vindos de vários lugares dos Estados Unidos, se uniram para conduzir uma investigação em massa no Arizona.
Seus objetivos não eram somente achar o assassino de Bolles, mas também expor as fontes de corrupção que são tão fortes que fazem com que um repórter possa ser assassindado em plena luz do dia no meio da cidade. Mais importante ainda, eles pretendiam mostrar aos chefes do crime organizado que matar um jornalista não impediria as matérias sobre eles; na verdade, as reportagens iriam aumentar imensamente em volume.
A lógica é simples: no fundo, os membros do crime organizado são homens de negócio. Sim, seus métodos são cruéis e violentos, mas seus motivos são relacionados ao dinheiro. E a atenção gerada pela investigação é muito ruim para ganhar dinheiro. É por isso que os gangsters americanos raramente matam policiais – porque a polícia vai atrás de você, vai investigar seus associados e quebrar suas fontes de renda. E foi isso o que nós fizemos. Deixamos a máfia saber que matar jornalistas era extremamente ruim para os negócios.
Essa investigação conjunta, fora do comum, no Arizona resultou numa série de 23 partes em jornais de todo o país, que ganhou diversos prêmios. Mas fizemos mais do que isso. Como um dos principais editores disse, "estamos transformando nossos próprios repórteres em uma apólice de seguro de vida."
Desde então, o IRE cresceu e tornou-se a maior associação de jornalistas investigativos do mundo, com mais de 4000 membros em 27 países. Nós organizamos conferências, damos prêmios, oferecemos treinamento nos Estados Unidos e fora, e fornecemos recursos que incluem guias, banco de dados do governo, arquivos de antigas matérias investigativas.
Existe um jornalismo ótimo e heróico produzido aqui no Brasil, e tenho certeza que podemos aprender muito com vocês. Isso sempre ocorre quando o IRE trabalha com seus colegas estrangeiros. Percebo também que as condições aqui são um diferentes das que temos nos EUA. E o que funciona lá pode não funcionar aqui. Com certeza, o assassinato de Tim Lopes e a a falta de capacidade das autoridades em policiar as favelas sugere que há uma situação fora de série aqui.
Francisco Karam, professor de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina
Desde a morte do Tim Lopes, como na morte de outros profissionais, vejo que parte da sociedade faz críticas ao trabalho do jornalista, não comprende a sua especificidade profissional. O próprio Percival de Souza fez há pouco essa observação num debate em São Paulo, de que Tim Lopes fazia um trabalho, mas que Elias Maluco fez seu trabalho. Parece-me ser preciso afirmar - cada vez mais partindo de profissionais e levando à sociedade - a idéia de identidade profissional, de especificidade profissional, de moral profissional.
Profissionais são ameaçados e mortos porque, quando trabalham a favor de alguém, podem estar trabalhando contra outro. É da natureza ética do jornalismo prejudicar pessoas e prejudicar modelos de vida, regimes e sistemas. Por isso, ética não significa apenas bons modos ou etiqueta, mas prejuízo. Seja para o Collor de Melo, para o Nicolau dos Santos Neto, para o Elias Maluco, para desmatadores da Amazônia, para poluidores de rios, lagos e solo, para contaminadores do ar, para jogadores inescrupulosos da bolsa de valores, para sonegadores de impostos, para desviadores de dinheiro público ou para aqueles que privatizam o Estado defendendo seus bolsos particulares em nome de um difuso interesse público.
Quando o jornalismo deixa isso de lado, ele parece na minha opinião estar sendo anti-ético. Os riscos são inerentes a todas as profissões extremamente relevantes atualmente, como a dos jornalistas ou a de muitos procuradores de Justiça mortos, ameaçados ou censurados. Sempre haverá problemas e sempre alguém terá de tratá-los no imediato, no presente, este objeto central da informação jornalística.
Talvez por isso 526 jornalistas tenham sido assassinados nos últimos dez anos em diferentes pontos do planeta no exercício da profissão, conforme relatos de 2002 da organização Repórteres Sem Fronteiras. Eles foram mortos por ditaduras, em guerras ou conflitos de rua; fazendo matérias de investigação nas áreas de política, de economia, de cultura e de comportamento; em países das Américas e do Leste Europeu; em países africanos e asiáticos; no ocidente e no oriente; no hemisfério sul e no norte.
Carandiru, Corumbiara, Eldorado dos Carajás, o Plaza Shopping de Osasco, o World Trade Center, o assassinato de Tim Lopes, o trabalho escravo, o baile funk, os assassinatos seletivos promovidos por Ariel Sharon, o desemprego, a crueldade ou a benevolência, o conformismo ou a rebeldia em distintas regiões, em diferentes momentos, estão na memória em espelho quando nos olhamos porque, como eles, fazemos parte da humanidade.
Marcelo Beraba, diretor da sucursal da Folha de São Paulo no Rio
Detectamos aqui alguns problemas em relação ao jornalismo investigativo no Brasil: ele é pouco disseminado e temos problemas sérios nas redações para a qualidade da produção jornalística. Isso ocorre em função de uma deficiência de apuração, não só do jornalismo investigativo, mas do jornalismo em geral. Também há dificuldades de acesso à informação.
Hoje, temos um número de jornais de médio porte no Brasil todo. Já não são mais aqueles jornais ligados a políticos, ligados a alguma situação regional promíscua. Não são jornais excelentes, mas, pelo menos, buscam ter um grau de independência. Há um número muito grande deles no Brasil inteiro. Este tipo de ação, com seminários e cursos, tem um papel muito forte internamente nesses jornais.
Para os jornalistas em geral, é preciso dar continuidade a esse tipo de seminário, buscando não só debates amplos, mas também atividades com um caráter de oficina, de prática mesmo. Trabalhar os fundamentos do jornalismo investigativo, da busca de informação na Internet, busca de documentos. Essas são deficiências colocadas claramente aqui para nós. E elas existem mesmo - a gente assiste a elas todo dia na redação.
Poucos de nós sabemos procurar documentos. Nos habituamos a um jornalismo baseado em aspas, em entrevistas. Muito de "acho", muito de "disse". Temos que desenvolver essas práticas para aprofundar a informação. São procedimentos técnicos que não nascem conosco, mas que podemos desenvolver.
Acho que existe um buraco entre nós, que não é nem sindical, nem patronal. Precisamos criar uma organização independente dos sindicatos, independente da Fenaj, independente da ANJ, independente dos jornais. Formada por jornalistas voltados para esse objetivo de trocar informações para aperfeiçoar o nosso trabalho.
Não temos o costume de fazer isso entre nós. Seja por competição, seja por falta de costume, seja por negligência. Precisamos criar um espaço onde a gente possa discutir essas questões de segurança dos jornalistas com independência. Um lugar onde a gente possa reunir jornalistas regularmente. Ter uma biblioteca, publicar trabalhos e tudo mais.
Vários de nós conversamos sobre isso há muito tempo. E por que não demos esse passo até agora? Porque todos nós estamos envolvidos em jornais, temos muito trabalho diário. De alguma maneira, teríamos que nos dedicar mais. Existe a competição entre nós, que também dificulta isso. Com o assassinato do Tim, em um primeiro momento, vislumbramos a possibilidade de fazer isso.
Isso não é fácil. Isso não nasce da noite para o dia, não nasce de qualquer maneira. Vai ter de ser um esforço. É possível que tenha ajuda de uma instituição ou de outra. Precisa partir dos jornalistas mais experientes, aqueles que vivem nas redações, que têm experiência de reportagem investigativa. Precisa trazer os mais jovens, que querem se voltar para isso. Precisamos criar alguma associação de jornalistas, ou dificilmente essa idéia vai para frente como foi para frente nos Estados Unidos, no México e em vários outros lugares.
A morte de Tim Lopes mobilizou os jornalistas de todo o Brasil. O assassinato deixou claro que era necessário trocar mais experiências e desenvolver melhores técnicas de reportagem, para que os jornalistas possam trabalhar com mais precisão e segurança. Da mobilização dos jornalistas em torno desses objetivos nos meses seguintes à morte de Tim Lopes, surgiu a Abraji.
Leia abaixo alguns trechos do seminário “Jornalismo Investigativo: Ética, Técnicas e Perigos”, promovido pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas da Universidade do Texas, no auditório do BNDES, no Rio de Janeiro, em 30 de agosto de 2002. Esse foi o evento onde a criação da Abraji começou a ser articulada.
JORNALISMO INVESTIGATIVO: ÉTICA, TÉCNICAS E PERIGOS (30.ago.2002)
Rosental Calmon Alves, professor da Universidade do Texas e diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas
O Centro Knight para o Jornalismo nas Américas foi criado em 7 de Agosto de 2002. Numa reunião do Sindicato do Rio, depois da morte do Tim Lopes, anunciei que seria criado esse centro e que eu faria o possível para que a primeira atividade dele fosse ligada ao caso do Tim Lopes. Seria uma forma de homenagear o nosso amigo e colega Tim. Fico orgulhoso de cumprir essa promessa.
Esta é uma reunião profissional, não uma reunião política. Não é uma reunião sindical. Não é uma reunião acadêmica. Não é uma reunião para se analisar especificamente o caso do Tim. O Sindicato, a Fenaj e eu discutimos a idéia de que fosse uma sessão de treinamento. Temos hoje aqui alguns dos melhores repórteres investigativos do mundo, da América Latina e do Brasil. Gente que está acostumada a ir a vários países falar sobre reportagem investigativa.
Mas o mais importante, mesmo que não houvesse nenhum dos palestrantes, é o fato de nos reunirmos para conversar profissionalmente sobre a realidade do dia-a-dia de repórteres e editores do Rio. Só o fato de juntar vocês e fazer vocês passarem um sábado pensando sobre o que se pode fazer em relação à realidade profissional dentro deste tripé que a gente concebeu aqui (ética, técnicas e perigos) já seria um avanço enorme.
Beth Costa, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas
O Tim Lopes foi o inspirador deste seminário. Ele continua, ainda bem, nos pautando para muitas coisas. Sempre dissemos que não queríamos que a morte dele fosse esquecida. O que aconteceu com ele transformou o jornalismo investigativo no Brasil. Não só no sentido de melhorar, porque acho que o Brasil tem contribuído, a imprensa brasileira tem contribuído para que a sociedade brasileira evolua na luta contra a corrupção, mas profissionalmente. Que eu me lembre, esta é a primeira vez que a gente tem a oportunidade de sentar e discutir, profissionalmente, o que é ser jornalista investigativo.
Acho que nós poderemos trocar muitas experiências, tanto quem está fazendo as palestras, quanto quem está na platéia. É uma saída, uma idéia de trabalharmos um pouco na contra-mão de uma lógica que nos empurra para um trabalho cada vez mais solitário. É a fazer uma reflexão coletiva e buscar saídas coletivas para quaisquer que sejam os desafios, os perigos e os problemas que se tenha no dia-a-dia da profissão.
David Kaplan, coordenador de treinamento internacional da Associação "Repórteres e Editores Investigativos" (IRE) e sub-editor de investigações da revista US News & World Report
Quero contar a história de um repórter americano chamado Don Bolles. Ela aconteceu há 26 anos, no desértico sudoeste Americano. Bolles trabalhava para o Arizona Republic, o principal jornal da cidade de Phoenix. Ele estava investigando a ligação entre uma fraude de terrenos e o crime organizado, que cresciam rapidamente no Arizona. Um dia, ele entrou em seu carro, girou a chave no contato e foi morto pela explosão de uma bomba.
Um ano antes disso, Bolles tinha ajudado a fundar a primeira associação dedicada exclusivamente ao jornalimo investigativo nos EUA. Na década anterior, o país presenciou o movimento de direitos civis, a Guerra do Vietnã, o escândalo de Watergate. Vimos nosso governo mentir e distorcer a verdade, obstruir a justiça, espionar jornalistas e agir de maneira extraordinariamente irresponsável.
Era clara a necessidade de uma ONG que oferecesse aos repórteres e editores as ferramentas de que eles precisam para fazer reportagens independentes, aprofundadas, sobre as questões importantes da atualidade. O resultado foi o Investigative Reporters and Editors (Repórteres e Editores Investigativos), uma organização sem fins lucrativos, em que jornalistas de todo o mundo poderiam ajudar uns aos outros ao compartilhar idéias de pautas, fontes e técnicas de apuração.
Após o assassinato de Don Bolles, no entanto, on IRE decidiu dividir algo a mais: nosso trabalho de reportagem. Como vocês, os repórteres americanos são normalmente independentes e competitivos entre si. Mas, daquela vez, 38 jornalistas de 28 jornais e redes de televisão americanas, vindos de vários lugares dos Estados Unidos, se uniram para conduzir uma investigação em massa no Arizona.
Seus objetivos não eram somente achar o assassino de Bolles, mas também expor as fontes de corrupção que são tão fortes que fazem com que um repórter possa ser assassindado em plena luz do dia no meio da cidade. Mais importante ainda, eles pretendiam mostrar aos chefes do crime organizado que matar um jornalista não impediria as matérias sobre eles; na verdade, as reportagens iriam aumentar imensamente em volume.
A lógica é simples: no fundo, os membros do crime organizado são homens de negócio. Sim, seus métodos são cruéis e violentos, mas seus motivos são relacionados ao dinheiro. E a atenção gerada pela investigação é muito ruim para ganhar dinheiro. É por isso que os gangsters americanos raramente matam policiais – porque a polícia vai atrás de você, vai investigar seus associados e quebrar suas fontes de renda. E foi isso o que nós fizemos. Deixamos a máfia saber que matar jornalistas era extremamente ruim para os negócios.
Essa investigação conjunta, fora do comum, no Arizona resultou numa série de 23 partes em jornais de todo o país, que ganhou diversos prêmios. Mas fizemos mais do que isso. Como um dos principais editores disse, "estamos transformando nossos próprios repórteres em uma apólice de seguro de vida."
Desde então, o IRE cresceu e tornou-se a maior associação de jornalistas investigativos do mundo, com mais de 4000 membros em 27 países. Nós organizamos conferências, damos prêmios, oferecemos treinamento nos Estados Unidos e fora, e fornecemos recursos que incluem guias, banco de dados do governo, arquivos de antigas matérias investigativas.
Existe um jornalismo ótimo e heróico produzido aqui no Brasil, e tenho certeza que podemos aprender muito com vocês. Isso sempre ocorre quando o IRE trabalha com seus colegas estrangeiros. Percebo também que as condições aqui são um diferentes das que temos nos EUA. E o que funciona lá pode não funcionar aqui. Com certeza, o assassinato de Tim Lopes e a a falta de capacidade das autoridades em policiar as favelas sugere que há uma situação fora de série aqui.
Francisco Karam, professor de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina
Desde a morte do Tim Lopes, como na morte de outros profissionais, vejo que parte da sociedade faz críticas ao trabalho do jornalista, não comprende a sua especificidade profissional. O próprio Percival de Souza fez há pouco essa observação num debate em São Paulo, de que Tim Lopes fazia um trabalho, mas que Elias Maluco fez seu trabalho. Parece-me ser preciso afirmar - cada vez mais partindo de profissionais e levando à sociedade - a idéia de identidade profissional, de especificidade profissional, de moral profissional.
Profissionais são ameaçados e mortos porque, quando trabalham a favor de alguém, podem estar trabalhando contra outro. É da natureza ética do jornalismo prejudicar pessoas e prejudicar modelos de vida, regimes e sistemas. Por isso, ética não significa apenas bons modos ou etiqueta, mas prejuízo. Seja para o Collor de Melo, para o Nicolau dos Santos Neto, para o Elias Maluco, para desmatadores da Amazônia, para poluidores de rios, lagos e solo, para contaminadores do ar, para jogadores inescrupulosos da bolsa de valores, para sonegadores de impostos, para desviadores de dinheiro público ou para aqueles que privatizam o Estado defendendo seus bolsos particulares em nome de um difuso interesse público.
Quando o jornalismo deixa isso de lado, ele parece na minha opinião estar sendo anti-ético. Os riscos são inerentes a todas as profissões extremamente relevantes atualmente, como a dos jornalistas ou a de muitos procuradores de Justiça mortos, ameaçados ou censurados. Sempre haverá problemas e sempre alguém terá de tratá-los no imediato, no presente, este objeto central da informação jornalística.
Talvez por isso 526 jornalistas tenham sido assassinados nos últimos dez anos em diferentes pontos do planeta no exercício da profissão, conforme relatos de 2002 da organização Repórteres Sem Fronteiras. Eles foram mortos por ditaduras, em guerras ou conflitos de rua; fazendo matérias de investigação nas áreas de política, de economia, de cultura e de comportamento; em países das Américas e do Leste Europeu; em países africanos e asiáticos; no ocidente e no oriente; no hemisfério sul e no norte.
Carandiru, Corumbiara, Eldorado dos Carajás, o Plaza Shopping de Osasco, o World Trade Center, o assassinato de Tim Lopes, o trabalho escravo, o baile funk, os assassinatos seletivos promovidos por Ariel Sharon, o desemprego, a crueldade ou a benevolência, o conformismo ou a rebeldia em distintas regiões, em diferentes momentos, estão na memória em espelho quando nos olhamos porque, como eles, fazemos parte da humanidade.
Marcelo Beraba, diretor da sucursal da Folha de São Paulo no Rio
Detectamos aqui alguns problemas em relação ao jornalismo investigativo no Brasil: ele é pouco disseminado e temos problemas sérios nas redações para a qualidade da produção jornalística. Isso ocorre em função de uma deficiência de apuração, não só do jornalismo investigativo, mas do jornalismo em geral. Também há dificuldades de acesso à informação.
Hoje, temos um número de jornais de médio porte no Brasil todo. Já não são mais aqueles jornais ligados a políticos, ligados a alguma situação regional promíscua. Não são jornais excelentes, mas, pelo menos, buscam ter um grau de independência. Há um número muito grande deles no Brasil inteiro. Este tipo de ação, com seminários e cursos, tem um papel muito forte internamente nesses jornais.
Para os jornalistas em geral, é preciso dar continuidade a esse tipo de seminário, buscando não só debates amplos, mas também atividades com um caráter de oficina, de prática mesmo. Trabalhar os fundamentos do jornalismo investigativo, da busca de informação na Internet, busca de documentos. Essas são deficiências colocadas claramente aqui para nós. E elas existem mesmo - a gente assiste a elas todo dia na redação.
Poucos de nós sabemos procurar documentos. Nos habituamos a um jornalismo baseado em aspas, em entrevistas. Muito de "acho", muito de "disse". Temos que desenvolver essas práticas para aprofundar a informação. São procedimentos técnicos que não nascem conosco, mas que podemos desenvolver.
Acho que existe um buraco entre nós, que não é nem sindical, nem patronal. Precisamos criar uma organização independente dos sindicatos, independente da Fenaj, independente da ANJ, independente dos jornais. Formada por jornalistas voltados para esse objetivo de trocar informações para aperfeiçoar o nosso trabalho.
Não temos o costume de fazer isso entre nós. Seja por competição, seja por falta de costume, seja por negligência. Precisamos criar um espaço onde a gente possa discutir essas questões de segurança dos jornalistas com independência. Um lugar onde a gente possa reunir jornalistas regularmente. Ter uma biblioteca, publicar trabalhos e tudo mais.
Vários de nós conversamos sobre isso há muito tempo. E por que não demos esse passo até agora? Porque todos nós estamos envolvidos em jornais, temos muito trabalho diário. De alguma maneira, teríamos que nos dedicar mais. Existe a competição entre nós, que também dificulta isso. Com o assassinato do Tim, em um primeiro momento, vislumbramos a possibilidade de fazer isso.
Isso não é fácil. Isso não nasce da noite para o dia, não nasce de qualquer maneira. Vai ter de ser um esforço. É possível que tenha ajuda de uma instituição ou de outra. Precisa partir dos jornalistas mais experientes, aqueles que vivem nas redações, que têm experiência de reportagem investigativa. Precisa trazer os mais jovens, que querem se voltar para isso. Precisamos criar alguma associação de jornalistas, ou dificilmente essa idéia vai para frente como foi para frente nos Estados Unidos, no México e em vários outros lugares.