• 13.06
  • 2007
  • 10:01
  • Laura Diniz

Morre o repórter José Roberto de Alencar

Morreu nesta terça-feira (12/6), pouco antes das 22h, devido a complicações decorrentes da cirurgia de retirada de um aneurisma na aorta abdominal, o jornalista José Roberto de Alencar, de 62 anos. O velório acontece no Cemitério São Paulo (Rua Luiz Murat, nº 245 – Vila Madalena) e o cortejo para a cremação no Crematório Municipal Dr. Jayme Augusto Lopes (Av. Francisco Falconi, nº 437 – Vila Alpina) sai de lá às 15h.

 

Zé Alencar, Zé Grandão ou Zézão, como era chamado por seus amigos, mineiro de Santa Rita de Caldas, começou a carreira na década de 70, quando teve sua primeira matéria publicada pela revista Exame. Nesses mais de 30 anos de carreira, passou por cerca de 50 redações. Entre elas estão, nas palavras dele, “Gazeta Mercantil, Jornal da República, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, Folha da Tarde, Jornal da Tarde, DCI, Jornal do Brasil, Jornal de Brasília, Diário do Povo de Campinas e Hoje em Dia de Belo Horizonte, Opinião, Movimento, Coojornal e 5 de Março, Exame, Realidade, Senhor, Istoé e Época e três dezenas de publicações menores e de frilas em O Globo, Veja e 4 Rodas”. É autor de vários livros, como Sorte e Arte, Muita sorte & pouco juízo e ABC do Nhe, Nhe, Nhém.

 

O repórter é sócio-fundador da Abraji e sempre participou de diversas atividades da associação, como o Projeto Repórter do Futuro, em parceria com a Oboré, e dois congressos. No dia 18 de maio, Zé Alencar deu palestra sobre fundamentos da reportagem para os participantes do segundo congresso (foto acima, de Túlio Vidal).

 

Além de dono de um dos textos mais primorosos da imprensa brasileira, Zé Alencar tinha fama – e histórico – de furão. “Como dizia Pena, jornalismo é a primeira – o resto é resto. Adoro a capa, ribalta da efêmera glória matinal: ao meio-dia, jornal já é papel de embrulho nada higiênico”, escreveu em Sorte e Arte.

 

Era apaixonado pela profissão, mas fazia charme. Repetia sempre que “fazer jornal é estafante, mas ainda é melhor do que trabalhar”, citando Audálio Dantas. No prefácio de Sorte e Arte, Sérgio Buarque de Gusmão diz: “Dessas matérias-primas é traçado o livro que você vai ler. Cheio de falcatruas, é verdade, a começar pelo título, um exemplo acabado de propaganda enganosa: o que ele chama de arte é suor; o que diz ser sorte é puro talento.”

 

A Abraji lamenta profundamente a morte de Zé Alencar.

 

Quem quiser publicar aqui um depoimento sobre ele escreva um email para [email protected].


Leia aqui os depoimentos:


Elvira Lobato

Estou entre os que tiveram o privilégio de conviver com o Alencar. Atuamos por bom período como repórteres de veículos concorrentes, no Rio de Janeiro, nos anos 80. Além de ótimo repórter, era muito carinhoso e dono de um humor raro entre nós. Estive com ele pela última vez durante uma palestra para estudantes, organizada pela Abraji, na sede na Oboré, e me emocionei com a gentileza com que me tratou. É uma pena que tenha partido.


Maurício Tuffani

Notícia muito triste. Conheci pessoalmente José Roberto de Alencar há pouco tempo, em 2004. Mas já conhecia algumas lendas sobre ele. Grande repórter, ótima figura, conversa estimulante e gratificante. Seu livro "Muita sorte e pouco juízo" tem ótimas históirias.


João Baptista Natali Junior

Nós, os mais velhos, sempre nos perguntamos sobre o que venha a ser a boa capacitação profissional. José Roberto de Alencar era incrivelmente capacitado. Não apenas por dominar as técnicas e as malícias da boa investigação. Mas por se movimentar profissionalmente com seu coração bom e imenso, com seu incrível caráter. São coisas que até dispensam bibliografias e experiência. Mas Alencar tinha também as duas coisas de sobra. Ele gostava de gostar, sem fazer concessões às safadezas de nossa sofrida República. Que grande repórter. Já começou a fazer falta.


Fernanda Guerra Gil

Ouvi falar muito do José Roberto de Alencar durante a faculdade, mas foi no projeto Repórter do Futuro que o conheci pessoalmente. Avaliando os textos dos alunos sobre depoimento do jornalista William Waack, que contou sua experiência como correspondente internacional, José Roberto impressionou a todos explicando porque havia selecionado um dos textos como o melhor. Com gestos e expressões marcantes, releu o lide que enfatizava a sensação de Waack ao entrar no palco de um dos conflitos armados que cobriu. Naquele momento, ele praticamente nos fez reviver a experiência de Waack. José Roberto fez diferença na minha vida e tenho certeza de que o mesmo aconteceu com todos que puderam participar desse projeto tão bem encampado por ele.


Frederico Vasconcelos

Perdemos o melhor representante de um tipo de jornalista investigativo cada vez mais raro: o repórter alegre, que se divertia com suas aventuras. Conhecemos, eu e minha mulher, o grandão no início dos anos 70, na "Gazeta Mercantil". Tivemos o privilégio de conhecer outro lado do Alencar: o grande contador de casos, tocador de violão (a caricatura do político mineiro Magalhães Pinto, feita com um óculos em seu joelho, reproduzindo a careca do banqueiro, era impagável). Alencar, como eu, gostava de carros velhos. Certa vez, fomos a um almoço na Ford. Eu, numa Belina com alguma ferrugem. Zé, atrás, na direção de um Landau aos pedaços. Na portaria, o guarda indicou: "Venda de carros usados é no outro portão". Alencar, com o dedão comprido apontado, respondeu, deixando as chaves com o porteiro: "Engano seu. Nós viemos almoçar com o presidente da sua empresa"... Generoso, continuou transmitindo a novos jornalistas sua experiência (tive a oportunidade de dividir mesas com ele, em debates na Abraji e na Oboré). Guardarei com muito carinho sua dupla demonstração de afeto, também em dose cavalar: ele me dedicou dois livros iguais, com a mesma dedicatória pelos mais de 30 anos de amizade. Um figuraço.

 

Jorge Oliveira

Morre o cara mais teimoso com quem já trabalhei na vida. por isso mesmo, um dos mais competentes e brilhantes profissionais que já passaram pelas redações dos jornais do país. O Zé Roberto que, pela teimosia, não se contentava apenas com a informação oficial. acho que, lá em cima, vai contestar essa história mal contada de fazer o mundo em sete dias.

 

Rogério Furtado

Pois fui um dos poucos que brigaram com o Zé de Alencar. Pudera. Primeiro porque ele se divertia à beça com meu primo Antonio Paulo, na república “Saudades da Mamãe”, em Poços de Caldas, com direito a jipe e jaguatirica a bordo. Naquele final dos anos 60, mais novo que eles, ficava roendo as unhas de inveja.

 

Depois, ele e o Tonho, meu irmão, me apresentaram à traiçoeira fosforescência do gim-tônica sob luz negra, num certo Bachianinha, boteco da mesma Poços de Caldas. Com certeza foi numa noite fria de 1969. Garotão, não sabia que aquilo era uma bomba. Chamei mais um punhado e paguei a conta do exagero no dia seguinte. Sem epocler para consolar, nem torresminho de tira-gosto (receita do dr. Zé de Alencar). Fiquei uns 30 anos longe dessa bebida embusteira.

 

Depois houve certa morena que deixou ciúmes...

 

O pior aconteceu em 1977. Resolvi meter a boca no Aloisyo Biondi, que não conhecia pessoalmente, no Mutamba, sucursal da Gazeta Mercantil. Zé saiu da mesa: “Vou embora para não dar um murro nesse moleque”! E foi mesmo. Frederico Vasconcelos e Klaus Kleber foram testemunhas da encrenca.

 

Dessa bobagem me arrependi amargamente. Mais tarde trabalhei com o Aloisyo. Quem o conheceu pode ter uma idéia do meu arrependimento. Com ele, claro, nunca toquei no assunto, mesmo tomando litros solidários de cuba-libre. Mas ao Zé pedi desculpas. A essa altura estávamos em ótimos termos. Eu já havia descoberto há anos que convivia com uma figura extraordinária.

 

Em seguida veio a inesquecível experiência do Guia Rural, patrocinada pelo Nivaldo Manzano. Do Palácio das Pastilhas fomos todos para um prédio do Brooklyn Novo. Uma beleza. Mas durou pouco. Alguns debandaram. O Zé por conta de sua vocação de serelepe, que o fazia pular de galho em galho. Nunca mais trabalhamos juntos.

 

Mas a gente se encontrava, de vez em quando (eu acompanhava de longe, sempre que possível, os resultados inigualáveis de seus vôos de curta duração, ora aqui, ora ali).

 

Durante muito tempo não me preocupei com amigos. Achava que todos eram eternos. Que nos veríamos sempre, a qualquer momento. Até que a maturidade me ensinasse algumas verdades.

Assim, logo que fiquei sabendo da operação do aneurisma, passei emeio pro Zé. Confiante, ele me deu boas notícias e disse que viria logo me visitar, na roça. Fiquei comovido e esperançoso. Deu no que deu.

 

Ontem, enquanto parte da tribo ia vê-lo, preferi reler "Sorte e Arte", rindo bastante, embora uma batata teimosa às vezes me apertasse a garganta.

 

Então fiquei com vontade de começar tudo outra vez. Mesmo que o preço a pagar fosse ter de brigar com o Zé feito gato e cachorro.

 

Inaê Amado

Zezão passou por Brasília muito rápido, mas ficou tempo suficiente para que o jornalismo na cidade nunca mais fosse o mesmo. Nem o jornalismo, nem o Pedro, a quem ele ensinou a dizer a palavra parâmetro só para encher o saco de quem reclamava que sua mãe não lhe dava essa coisa esquisita.

 

Tinha três mulheres, segundo a lenda da cidade, comprovada pelo censo de 1980 ao qual respondeu no formulário completo, cercado por elas e diante de um pesquisador completamente embasbacado e confuso que queria porque queria que alguém nomeasse o chefe da família.

 

Zé Roberto escreveu o manual de redação do Jornal de Brasília no qual alertava aos coleguinhas: "Texto bom é o que consegue segurar até a última linha da matéria de economia o cidadão interessado apenas no resultado do jogo." E para exemplificar, escreveu em apenas 15 linhas a melhor história de Romeu e Julieta depois de Shakespeare. E provava, por A + B, que, se bem escrita, a dor da gente também tem espaço no jornal.

 

Ontem, na missa, me lembrei da musiquinha que Waltinho - que tb já nos deixou - fez para a despedida dele do Planalto Central (me ajudem os que lembrarem...): "Zé, Zezinho porque que cê se vai embora, fica só mais um pouquinho, Zezinho (bis)/ o Zé é bom, é/ É bom demais/ Tem três muîé/ num sei como é que ele é capaz/ a marmajanda vota contra a despedida/ Se o Zé deixa saudade, muito mais a Margarida!"

 

Ele, mesmo depois de ir, conseguiu a proeza de fazer Ana Maria Rocha, Kátia Aguiar, Lêda Beatriz Guedes e eu, comungarmos. Pode? Pode. Coisas de Zé Alencar.

 

Isabel Clemente

Fiquei um pouco órfã com a morte do Zé. Ele tinha uma horda de admiradores, seguidores, leitores, amigos e desafetos por conta das muitas denúncias publicadas ao longo da vida. Só não me encaixo na última categoria, naturalmente. Zé me trouxe para o jornalismo de economia, uma honra que farei questão de manter viva. Já nem questiono mais que caminhos eu teria seguido sem a presença dele na minha vida. Ele fez muita diferença por onde passou. Nos 13 anos em que convivemos, me deu lições de jornalismo prático e de vida. Certa vez, fomos para a Região dos Lagos investigar lavagem de dinheiro. Ele precisava de motorista, e eu, de aulas de reportagem. No meio do caminho, quando paramos para comer, Zé voltou do banheiro com ar de moleque lambão. "Perdi a lente". Para quem não conhecia seu problema de visão, Zé estava funcionalmente cego. Custei a acreditar na notícia, porque não havia contrariedade alguma no jeito como anunciou a amolação. Ele me mostrava na prática como encarnava um dos principais conselhos que me deu: "nunca se leve muito a sério". Mesmo com amolações, Zé era feliz. Entre preciosidades que acaso guardei dos seus escritos, encontrei uma mensagem de 2003, na qual Zé descrevia a casa do irmão. Estava morando lá temporariamente, numa entressafra de emprego. Ele se dedicava a um livro e havia voltado para sua cidade natal, Santa Rita de Caldas, onde tive também o privilégio de ir com marido e tudo para conhecer as origens do meu amigo quase pai. Lá pelas tantas, na missiva eletrônica, ele contava:

"A casa tem uma salona de imensas janelas, que só fecho quando chove de vento. Pelas janelas, só se vê verde, do chão até um ângulo de 150 graus do pescoço. Daí pra cima é o céu, azul ou nublado, invariavelmente bonito. Na lua cheia, a sala fica linda. Minha cama de casal, minha biblioteca, meu armário de roupas, meu arquivo e meu escritório ficam nessa sala, que deve ter uns 100 metros quadrados e tem três lados enjanelados. Quando faz frio, às vezes a neblina entra pelas janelas sempre abertas. E aí é uma delícia, dormir dentro de uma nuvem enluarada e acordar com a luz do sol".

Desde que estava aqui, Zé gostava de morar no céu. É pra lá que ele voltou.

Assinatura Abraji