• 15.08
  • 2007
  • 14:16
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Morre o jornalista Joel Silveira

Morreu na manhã desta quarta-feira (15/8), aos 88 anos, o jornalista Joel Silveira. Ele faleceu em sua casa, no Rio de Janeiro, de causas naturais. Não haverá velório. Como Joel queria, ele será cremado.

Sergipano de Lagarto, morador do Rio de Janeiro há mais de 70 anos, o jornalista já não saía de casa porque tinha muita dificuldade de andar. Segundo o site Comunique-se, a filha de Joel, Elizabeth Silveira, disse que ele sofria de câncer de próstata, mas optou por não se tratar. “Estava cansado, dizia que preferia morrer e que teria de ser em casa”, explicou ao site.

Estava lúcido e manteve até os últimos momentos a língua ferina que lhe rendeu o apelido de víbora, dado por Assis Chateaubriand. Começou a trabalhar em um jornal de Aracaju (SE), chamado A voz do operário. Em 1977, mudou-se para o Rio e, em um ano, começou no semanário Dom Casmurro. Em seus mais de 60 anos de jornalismo, passou por dezenas de veículos e escreveu diversos livros de reportagens, contos e crônicas. “Nunca fui outra coisa na minha vida. Sou jornalista desde os 14 anos de idade”, afirmou. Cobriu a 2ª Guerra Mundial na Alemanha, pelos Diários Associados, e disse, ao voltar: “Fui para lá com 27 anos e, apesar de ter ficado onze meses, voltei com 40. A guerra amadurece”.

 

Joel foi o grande homenageado do 2º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, promovido pela Abraji em São Paulo, de 17 a 19 de maio. No dia 17, com a presença de Elisabeth, na sessão solene de abertura do evento, foi exibida uma entrevista de Joel, em vídeo, feita por Fernando Molica, diretor da Abraji, e Marcelo Beraba, presidente da entidade. “O repórter que traz a notícia é mais importante que o dono do jornal”, afirmou. “Não sou pretensioso, mas gostaria de viver uma velhice mais tranqüila, em um país que não tivesse feito do sobressalto uma rotina e do pânico um estilo de vida”, disse também.

 

HOMENAGEM

 

Ao amigo Geneton Moraes Neto, editor-chefe do Fantástico, Joel disse há poucos dias: “Geneton, estou morrendo. É o fim”. Segundo o editor, “o Joel que fica é o repórter talentosíssimo, o precursor brasileiro do chamado ‘novo jornalismo’, a ‘víbora’ divertida e ferina.”

 

Geneton publicou em seu site, nesta quarta-feira, um texto emocionante sobre Joel. Leia abaixo:

 

A VIDA IMITA O POEMA NA MORTE DE JOEL SILVEIRA: O AGENTE FUNERÁRIO CHEGOU NA HORA. E A PLACA DO CARRO ERA LFR 1236

 

Faz pouco tempo, descobri um belo poema de Lawrence Ferlinghetti. O poeta diz, com outras palavras, que o mundo é um belo lugar, mas um dia, cedo ou tarde, ele virá : o agente funerário sorridente.

 

E o agente veio. Acabo de sair da casa de Joel Silveira. Não quis ver a saída do corpo. A Santa Casa de Misericórdia avisou que o agente chegaria às duas horas. Pensei comigo: "Com a pontualidade brasileira, ele vai chegar lá para as quatro da tarde".

 

Engano. Nem uma hora e cinquenta e nove minutos nem duas horas e um: eram duas em ponto quando o agente apertou a campainha, no apartamento de Joel Silveira, no sexto andar de um prédio da rua Francisco Sá, em Copacabana.

 

O agente encenava, sem suspeitar, o poema de Lawrence Ferlinghetti. Era como se dissesse: tudo pode atrasar no Brasil, mas a morte, quando vem, chega exatamente na hora, sem tolerância. Nem um segundo de atraso.

Desci do sexto andar. Lá embaixo, tive o gesto inútil de observar a placa da Kombi branca da Santa Casa de Misericórdia: LFR 1236. A Kombi trazia, nas laterais, o nome da Santa Casa e o telefone: 0800 257 007.

Joel tinha inveja de um personagem de Vitor Hugo que, minutos antes de ser guilhotinado, dizia, resignado, que estava pronto para a execução,mas "gostaria de ver o resto". Ou seja: o personagem gostaria de descrever a própria morte.

Que palavras Joel usaria?

Quanto a nós, discípulos e aprendizes, já não há o que fazer, além de anotar a placa da Kombi: LFR 1236.

O poema de Ferlinghetti:

''The World is a beautiful place
to be born into

If you don't mind happiness
not always being
so very much fun
If you don't mind a touch of hell
now and then
just when everything is fine
because even in heaven
they don't sing
all the time

(...) Yes, the world is the best place of all

for a lot of such things as making the fun scene
and making the love scene
and making the sad scene
and singing low songs and having inspirations
and walking around
looking at everything
and smelling flowers
and goosing statues
and even thinking
and kissing people and
making babies and wearing pants
and waving hats and
dancing
and going swimming in rivers
on picnics
in the middle of the summer
as just generally
''living it up''

Yes,
but then right in the middle of it
comes the smiling
mortician''

Assinatura Abraji