Monitor de assédio judicial contra jornalistas se destaca no 19° Congresso da Abraji
  • 01.08
  • 2024
  • 11:28
  • Rachel Drobitsch e Samara Meneses

Liberdade de expressão

Monitor de assédio judicial contra jornalistas se destaca no 19° Congresso da Abraji

Em tempos em que o sistema de Justiça tem sido usado como forma de cercear o trabalho da imprensa e dos jornalistas, a apresentação do Monitor de Assédio Judicial Contra Jornalistas, da Abraji, foi um dos temas mais procurados pelos estudantes e profissionais reunidos no 19º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, realizado pela Abraji e a ESPM-SP de 11 a 14 de julho passado.

A palestra “O assédio judicial e o aumento das ações criminais contra jornalistas”, realizada no primeiro dia do Congresso, contou com a participação das jornalistas Alana Rocha, Schirlei Alves e Cristina Zahar; da fundadora do Instituto Tornavoz, a advogada Taís Gasparian; e da coordenadora jurídica da Abraji, a advogada Letícia Kleim, que apresentou a ferramenta Monitor de Assédio Judicial contra Jornalistas. 

Segundo o Monitor, a prática de assédio judicial é “o uso de medidas judiciais de efeitos intimidatórios contra o jornalismo, em reação desproporcional à atuação jornalística lícita sobre temas de interesse público”. Dentre as estratégias de intimidação, há o uso do sistema criminal, pedidos de indenizações exorbitantes e o ajuizamento de múltiplas ações para dificultar a defesa dos alvos desse tipo de processo infundado. 

Aumento das ações criminais 

O relatório do monitor deste ano revelou, a partir de uma análise de banco de dados, um aumento considerável do uso de ações penais para criminalizar os profissionais de imprensa, muitos registrados na categoria de crime contra a honra. 

O gráfico mostra a distribuição de ações, ano a ano, por área do direito (cível ou penal)


“A imposição de um processo criminal e uma eventual condenação, mesmo que não resulte em prisão, é excessivamente severa, tendo, em si mesma, impacto severo sobre a liberdade de informação.” 

As jornalistas Alana Rocha e Schirlei Alves, ambas vítimas de ações penais, compartilharam seus depoimentos durante a palestra. Alana destacou que também foi acolhida pelo Programa de Proteção Legal para Jornalistas, da Abraji, e ressaltou que esse apoio foi “um alicerce e um fortalecimento muito importante no caso”.

Palestra “O assédio judicial e o aumento das ações criminais contra jornalistas”, realizada na ESPM/SP - Foto por: Luciana Vassoler/Abraji

Enquanto Alana foi condenada criminalmente pela justiça do Estado da Bahia, após ser acusada de difamação por suas falas durante o programa Gazeta Alerta da Rádio Gazeta FM, Schirlei foi sentenciada a um ano de prisão em regime aberto e ao pagamento de uma indenização de R$ 400 mil por sua reportagem, no The Intercept Brasil, sobre o tratamento ofensivo dado à influenciadora digital Mariana Ferrer durante o julgamento de sua denúncia de estupro. 

Os casos das jornalistas fomentaram o debate do direito penal como um instrumento desproporcional e inadequado para lidar com os limites da liberdade de imprensa e proteção à honra dentro da democracia. Essas ações resultam, muitas vezes, em um efeito devastador sobre os jornalistas alvos, que veem seu trabalho ser criminalizado. 

Em apoio a outros profissionais que estejam se sentindo intimidados criminalmente, Alana disse: “Sabemos que é difícil, às vezes pensamos que é impossível, mas procurem a coragem acima de tudo. Procurem acesso a Abraji e ao corpo jurídico, porque é muito importante.”

Descriminalização dos tipos penais que protegem a honra 

Em sua fala, a advogada Taís Gasparian afirmou que a descriminalização dos tipos penais que protegem a honra é uma das saídas para frear o assédio judicial contra jornalistas e demais agentes engajados na participação pública. 

Taís Gasparian, fundadora do Instituto Tornavoz - foto por: Luciana Vassoler/Abraji

Tal proposta está ancorada na retirada da calúnia, difamação e injúria da esfera penal. O objetivo é que as ofensas à honra sejam tratadas exclusivamente no âmbito da responsabilidade civil, a partir de mecanismos alternativos à prisão e, por consequência, mais brandos, como, por exemplo, através do direito de resposta e retificação e por meio de indenizações (que não sejam exorbitantes). Deste modo, o direito à honra continuaria protegido, mas não pelo direito penal. 

Neste sentido, o relatório do Monitor de Assédio Judicial Contra Jornalistas no Brasil, publicado em abril de 2024 pela Abraji, identificou 45 processos enquadrados como assédio judicial que se fundamentaram na alegação de que as matérias jornalísticas haviam violado a honra dos retratados. Leia a íntegra do relatório neste link

Relatório do Monitor de Assédio Judicial contra Jornalistas 

Apesar de a maioria dos processos identificados como assédio judicial pelo Monitor se pautarem pela predominância dos instrumentos cíveis, como a partir de pedidos indenizatórios e demandas de remoção dos conteúdos das redes, o relatório aponta preocupação com o uso do sistema criminal para assediar jornalistas: 

“O direito penal é um instrumento inadequado e desproporcional para lidar com problemas dos limites entre liberdade de imprensa e proteção à honra dentro de uma democracia.” 
Infelizmente, a criminalização do jornalismo não ocorre apenas no Brasil, como demonstrado com os casos de Schirlei Alves e Alana Rocha. Na América Latina, a censura através das grades é prática comum de governos autoritários. Recentemente, o caso do jornalista guatemalteco José Rubén Zamora chamou atenção da sociedade civil e dos órgãos defensores de direitos humanos: Zamora foi condenado à prisão por lavagem de dinheiro após reportagens sobre atos de corrupção no governo. Neste caso, o uso do sistema criminal foi considerado como uma retaliação por seu trabalho jornalístico e investigativo. Saiba mais sobre o caso neste link

Destaca-se, ainda, que a atualização da jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos sobre liberdade de expressão aponta para a incompatibilidades das figuras penais de calúnia, difamação e injúria, como formas de limitar o discursos sobre interesse público a respeito de funcionários públicos e figuras públicas, com a Convenção Americana de Direitos Humanos. Além disso, recomenda que os Estados reformem as figuras penais que protegem a honra e adotem vias alternativas pautadas no direito civil. Para ler o documento na íntegra, acesse este link

*Crédito da foto de capa: Raquel Drobitsch /Abraji

Assinatura Abraji