- 27.05
- 2020
- 11:00
- Abraji
Liberdade de expressão
Ministros do STF e procurador-geral da República reafirmam necessidade de fortalecer a liberdade de imprensa no país
A partir desta quarta-feira (27.mai.2020), jornalistas que forem vítimas de assédio ou ameaça no ambiente digital contarão com orientações jurídicas básicas para fazer denúncias às autoridades. A possibilidade é fruto do convênio firmado entre a Abraji e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
A parceria, voltada para a promoção da segurança dos jornalistas e o fortalecimento da liberdade de imprensa, foi oficialmente lançada em webinar que debateu o panorama da liberdade de expressão no Brasil. A íntegra do evento está disponível aqui e a cartilha com o passo a passo para acionar o convênio, no link abaixo:
:: Acesse a cartilha sobre medidas legais para a proteção de jornalistas contra ameaças on-line ::
“O convênio nos alegra, mas ao mesmo tempo é triste que seja necessária a criação de uma rede de proteção jurídica para jornalistas”, afirmou o presidente da Abraji, Marcelo Träsel, na abertura do evento.
“Nunca a liberdade de imprensa esteve tão ameaçada no Brasil desde a redemocratização. Mas não podemos igualar a situação atual com as torturas, os exílios, a censura e os assassinatos do período militar. Em respeito à memória das vítimas do regime, devemos estar alertas para a possibilidade de a tragédia se repetir, e fazer tudo que estiver ao nosso alcance para evitar que a imprensa e a sociedade em geral sejam alvo de perseguições sistemáticas”, afirmou.
Träsel lembrou a escalada de ataques aos profissionais da imprensa. Afirmou que a omissão do presidente Jair Bolsonaro em repudiar as agressões e seu discurso injurioso o tornam corresponsável pelo clima de assédio e intimidação com os quais os jornalistas convivem.
O diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano de Azevedo Marques Neto, reforçou que o que está em jogo é o direito do cidadão brasileiro de ser bem informado. “Se engana quem acha que a liberdade de imprensa é um privilégio do jornalista”.
“A defesa da democracia exige vigilância, coragem, instituições fortes e resolutas. A omissão e a fraqueza necessariamente levam a processos históricos de ascensão do autoritarismo”, disse o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, ao reafirmar a necessidade de o Judiciário estar atento e ativo na defesa da liberdade de imprensa.
“A cartilha é importante para todos aqueles e aquelas jornalistas que sofreram agressões, especialmente para jornalistas das pequenas cidades, que sofrem de maneira contundente essas violações”, explicou Pierpaolo Cruz Bottini, coordenador do Observatório de Liberdade de Imprensa do Conselho Federal da OAB.
Quem também participou do webinar foi a diretora da Abraji e repórter especial da Folha de S. Paulo, Patricia Campos Mello. A jornalista foi alvo de ataques virtuais por representantes políticos e apoiadores do governo, após a publicação de reportagens que revelavam o envio massivo de mensagens durante as eleições presidenciais de 2018. Em 2019, foi vencedora do Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa do Committee to Protect Journalists (CPJ).
“Muita gente não imagina como mudou o ambiente para jornalistas brasileiros nos últimos anos. Desde fev.2020, circulam na internet milhares de memes em que meu rosto está estampado com alusões pornográficas. Recebo mensagens de pessoas dizendo que ofereço sexo em troca de reportagens, e que deveria ser estuprada”, relatou. “Isso depois de o próprio presidente e de o deputado Eduardo Bolsonaro chancelarem esses assédios publicamente”.
Campos Mello ainda lembrou que a situação é especialmente crítica quando as jornalistas mulheres são alvos das campanhas de difamação.
O procurador-geral da República, Antônio Augusto Aras, mencionou que a promoção do debate aberto, com cidadãos participativos, é essencial para a tomada de decisões políticas na democracia, e que a imprensa livre tem papel central nessa missão.
Aras também manifestou solidariedade a todos os profissionais agredidos e afirmou que, em sua gestão à frente da PGR, “não deixará de adotar nenhuma providência que não seja em defesa do Estado Democrático de Direito”.
“A violência tem sido motivada pela má informação. O que devemos fazer para reagir aos abusos é prestigiar o profissional da imprensa e os veículos profissionais; exigir responsabilidade social de todas as instituições do Estado e da sociedade, especialmente da imprensa, que exerce o papel de manter o cidadão bem informado, preservando, assim, a democracia”, disse.
Autoridades do Judiciário
Durante o seminário, os ministros Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes foram enfáticos na defesa da liberdade de expressão como valor central da democracia, mas alertaram que ela não deve ser usada como preceito para disseminar desinformação. Os magistrados também defenderam o fortalecimento do jornalismo profissional.
O ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, fez uma retomada histórica. “Minha relação com a imprensa é intensa e antiga. Descobri o Brasil ‘não oficial’ por meio do jornalismo, em 1975, com o assassinato do jornalista Vladimir Herzog e a simulação desonrosa da prática de suicídio. Descobri um país no qual, por trás da retórica do milagre econômico, faltavam liberdades essenciais e se torturavam adversários do regime. Foi um choque de realidade. A partir dali, comecei a ser um pensador crítico do regime e da sociedade”.
Barroso reforçou que, após o período de redemocratização, “houve tropeços” na manutenção da liberdade de imprensa, mas que também houve êxitos. O ministro citou como exemplo a revogação, em 2009, da Lei de Imprensa, mecanismo do período ditatorial vigente no país décadas após a promulgação da Constituição Cidadã, e reafirmou o compromisso do STF com a manutenção da liberdade de imprensa como pressuposto decisivo na preservação da cultura, da memória e da história do país.
“Convivi anos com a censura, que se impunha em nome da moral, da família, dos bons costumes e de outros pretextos de intolerância. Desde cedo me convenci de que a censura oscila entre o arbítrio, o capricho, o preconceito e o ridículo”, disse.
O ministro também lembrou uma tendência mundial de fragilização das democracias. “O mundo vive hoje um surto de democracias iliberais, que são a conjugação do conservadorismo intolerante, do populismo e do autoritarismo. Em grande parte desses regimes, líderes eleitos pelo voto popular vão desconstruindo regras da democracia, entre elas a liberdade de imprensa”.
O ministro Alexandre de Moraes, que encerrou o seminário, defendeu "o dever da imprensa de levar informações à população para que, dentro de um mercado livre de ideias, haja possibilidade de se chegar a consensos". Mas fez uma ressalva: "essa liberdade não pode se confundir com irresponsabilidade, ou com a possibilidade de, sob o falso manto da liberdade de expressão, fazerem-se associações criminosas”, disse.
“Ao mesmo tempo, não podemos confundir a responsabilização desses atos com qualquer possibilidade de censura prévia ou cerceamento do direito de a pessoa se expressar”, completou.
“Não é possível que novas formas de mídia se organizem com a finalidade de propagar discursos racistas, discriminatórios, de ódio ou contra democracias”, exemplificou o magistrado.
Moraes também reafirmou que as instituições do Judiciário devem ser firmes na responsabilização de agressores da imprensa e de jornalistas. “Se tivermos jornalistas amedrontados por ameaças, sejam físicas, sejam virtuais, estamos abrindo mão da liberdade de imprensa. Ela não é construída por robôs. O que é disseminado por robôs são as fake news”.
O seminário foi uma realização da Abraji e do Conselho Federal da OAB, com apoio da ESPM e da Faculdade de Direito da USP.