• 02.12
  • 2008
  • 14:14
  • Abraji

Memória: Adam Sun e a arte da precisão jornalística

Jornalistas que trabalharam com Adam Sun em Veja, Época e  Piauí descrevem-no como "um artesão", "um zeloso guardião da qualidade editorial", "uma raça em extinção". Os adjetivos referem-se ao seu trabalho como checador, um trabalho obsessivo pela precisão das informações contidas nas reportagens que revisava. Um texto que passava por suas mãos saía sempre melhor do que entrou. Adam Sun morreu de câncer, aos 55 anos, em setembro passado, em São Paulo.

Nascido em Taiwan, Adam conseguiu se destacar na checagem, uma atividade jornalística que quanto mais bem feita, menos perceptível é ao leitor. Cabe ao checador apanhar e corrigir os erros de uma reportagem antes que o público o faça. Ele deve verificar todas as informações possíveis de serem verificadas em um texto jornalístico, desde a grafia das palavras até as datas, distâncias, cálculos e, principalmente, a lógica interna das informações.

Para colegas que trabalharam com ele na revista Piauí, Adam tinha três características essenciais para uma função à primeira vista ingrata: era obsessivo, profundamente curioso, e tinha uma formação de primeira qualidade.

"Ele tinha um espírito profissional muito claro. Não era do tipo que se deixa seduzir por badalações e elogios baratos. Fazia seu trabalho, sabia que era bem feito e estava feliz com isso. Tinha muita personalidade e conversava de igual para igual com repórteres e editores. Isso é importante, pois muitas pessoas resistem a aceitar que cometeram um erro mesmo quando isso está evidente. Ele não se importava. Insistia até a correção ser feita", conta o jornalista Moreira Leite, da Época.

Formado jornalista pela Universidade de São Paulo, Adam atuou em publicações chinesas, e, por exemplo, nos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Exerceu pela primeira vez o cargo de checador em Veja, onde ajudou a desenvolver a função, recente e rara naquela década de 1980. Tempos depois, atuou com a mesma dedicação e zelo em Época. Adam traduziu "A Arte da Guerra", de Sun Tzu, do chinês para o português.

Nos últimos anos, fez reportagens e checagens para a revista Piauí, a convite do diretor de Redação, Mario Sergio Conti. Trabalhou incessantemente mesmo quando enfrentava as conseqüências da doença, que preferiu não revelar aos colegas.

“A imprensa vai errar mais”

Os que dividiram uma redação com Adam contam que, mesmo numa época em que o contato virtual é, muitas vezes, o mais prático, ele fazia questão de sentar-se com os jornalistas e sempre comunicar verbalmente ao autor o motivo das alterações que fez em seu texto.

Seus colegas contam que Adam percebia desde detalhes incorretos até grandes erros, e que usava a teimosia a seu favor. Em casos de posições conflitantes (entre autor da matéria e checador), Adam não sossegava enquanto não aprofundasse a pesquisa e, ao final, sempre acabava convencendo o repórter de seu erro.

 “Para muitos jornalistas, a verdade é tudo aquilo que não pode ser desmentido – atitude que pode levar a abusos. Ou aquilo que duas fontes sustentam como sendo verdadeiro – o que também pode não ser exato. Adam Sun era diferente. Não aceitava a hipótese do erro. Não distinguia um erro pequeno de um erro grande. Essa atividade, para ele, era um exercício de caráter”, escreveu Leite no blog da Época. Ele acredita que "com seu trabalho, Adam contribuiu para elevar o padrão de qualidade de todas as publicações por onde passou". 

A qualidade do trabalho de Adam fez a Abraji convidá-lo para ministrar uma palestra sobre checagem durante o 2º.  Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, realizado em maio de 2007, em São Paulo. Na ocasião, ele apontou que os erros dos repórteres estão normalmente nos mesmos tipos de informação, às quais se deve dar especial atenção na releitura: dimensões, números, traduções, trocas de milhão por bilhão, geografia (como dizer “Bauru, no Rio de Janeiro”), terminologia (como chamar kilobits de kilobytes), nacionalidades e qualificativos (ser uma atriz nova, por exemplo, não significa ser novata).

E para os que se perdem no mar de informações contraditórias disponibilizadas em novas ferramentas da internet como Google e Wikipédia, ele sugeriu que se busquem dados tanto em suas versões em português quanto em inglês. Em casos de contradição, deve se buscar uma terceira fonte para desempate, como a Enciclopaedia Britannica. Ele também frisou: “O material mais confiável no Google está em inglês, pois há mais fontes para cruzar os dados do que nas páginas em português”.

“Sem Adam Sun, a imprensa vai errar um pouco mais”, concluiu Moreira Leite em seu artigo.


Leia abaixo a íntegra da palestra de Adam Sun durante o  2º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo

Assinatura Abraji