- 11.01
- 2019
- 16:07
- Rafael Oliveira
Liberdade de expressão
Mais que triplicam processos em que juízes quebram sigilo de posts críticos contra políticos
Fazer críticas em posts de redes sociais a políticos no Brasil considerando-se protegido pelo anonimato tem se tornado cada vez mais arriscado. Durante a campanha eleitoral de 2018, os candidatos conseguiram 202 vezes que a Justiça obrigasse os serviços a entregar dados pessoais que permitissem identificar usuários autores de posts. O número é mais do que o triplo do constatado nas eleições de 2014 (61 decisões). As informações são de levantamento com dados do Projeto Ctrl+X, plataforma da Abraji que monitora tentativas judiciais de cercear a divulgação de informações.
O total de tentativas de candidatos para obter dados de usuários também é superior ao das eleições de 2014. Se no pleito passado tinham sido 201 processos pedindo as informações sigilosas; neste, foram 291. Só que em 2018 os juízes passaram a conceder cada vez mais esse tipo de pedido. Em 2014, 30% das solicitações foram atendidas; em 2018, os juízes deferiram o pedido em 69% dos processos.
Luiz Fernando Moncau, ex-coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV e ex-pesquisador da Stanford Law School, atribui o aumento na quantidade de solicitações de informações sigilosas a uma estratégia das coordenações jurídicas das campanhas. “É uma tentativa de identificar essas pessoas para desincentivar a publicação, já que se juridicamente para na remoção, o conteúdo reaparece”, aponta.
Para Moncau, o crescimento no número de solicitações atendidas deve-se a uma consolidação da jurisprudência da responsabilização das plataformas. Google e Facebook, por exemplo, aparecem como partes em 77% dos processos relacionados a políticos analisados pelo Ctrl+X em 2018. O pesquisador também destaca a importância da retirada de conteúdo e da cessão de dados necessitar de ordem judicial e, portanto, precisar passar pelo crivo de um juiz de direito.
Já o Procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva atribui a mudança a uma percepção de que as eleições de 2018 estavam sendo influenciadas por grupos organizados que espalhavam ‘fake news’. “O cenário de relações humanas da internet é tão regulado pelo direito quanto qualquer outro e, portanto, também não permite anonimato. Há a liberdade de expressão, mas veda-se o direito ao anonimato”, afirma.
Por conta dessas campanhas de desinformação no pleito de 2018, o projeto Ctrl+X atualizou a metodologia utilizada. Com a mudança, passaram a ser desconsiderados os processos em que o conteúdo que políticos tentavam retirar do ar já haviam sido considerados falsos por iniciativas de checagem.
Apesar de considerar necessária a regulação do que é publicado na internet, Ferreira da Silva destaca uma tendência da classe política de tentar cercear críticas feitas na internet, com base em diálogo que teve com o relator do Marco Civil, deputado Alessandro Molon (à época PT-RJ, hoje PSB-RJ). “Ele me contou que resistiu à muita pressão de alguns políticos, que queriam uma internet muito definida e com muitos direitos de retirar conteúdo, o que não era o intuito do Marco porque violaria a liberdade de expressão”, diz.
O pesquisador Luiz Fernando Moncau também acredita que o aumento na cessão dos dados pode ter um efeito desestimulante ao direito de crítica, já que o Judiciário tende a proteger os direitos à personalidade, honra e imagem em detrimento da liberdade de expressão. “A minha crítica não é ao mecanismo que existe no Marco Civil de responsabilização dos intermediários e de entrega dos dados, mas a um Judiciário que em muitos casos interpreta a liberdade de expressão de uma maneira muito restrita e confunde crítica com ofensa a honra”, explica.
A liberdade de expressão é preterida em relação à honra, imagem e personalidade dos políticos especialmente nos Tribunais Regionais e nos Tribunais de Justiça dos estados em uma comparação com as decisões tomadas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo os dados mais recentes do levantamento feito pelo Ctrl+X sobre os processos de 2018, a porcentagem de deferimentos de retirada de conteúdo da internet é de 49% nos tribunais dos estados, enquanto no TSE é de 18%.
Para Moncau essa diferença pode ter relação com a visão “mais amadurecida” que os juízes do TSE têm sobre a importância da liberdade de expressão no período eleitoral. “Acredito que há uma visão mais tolerante de que os políticos devem estar sujeitos a críticas e que ainda que essas críticas sejam injustas ou exageradas, devem ser permitidas porque fazem parte do debate público. Talvez a visão de que crítica injusta se combate com mais informação e não com restrição esteja mais presente no TSE”, aponta.
Dados cadastrais
Os dados mais solicitados pelos candidatos são o IP usado para a criação do perfil e, genericamente, os “dados cadastrais” do usuário, o que poderia incluir informações como nome, email, data de nascimento, registros de acesso, dados de cartão de crédito e até o telefone do usuário, se ele optou por fazer a verificação em duas etapas e cadastrar o número.
Como na maior parte dos processos os juízes não especificam quais dados cadastrais devem ser disponibilizados, a decisão fica a cargo das plataformas. Segundo apurado pela Abraji junto a uma das empresas que cumpre essas ordens judiciais, as informações fornecidas são padronizadas e incluem nome, duração do serviço, e-mail, IP de criação da conta e informações de cartão de crédito, quando cadastrado.
Para o Procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, a falta de definição jurídica do que são dados cadastrais é grave. “É um problema de difícil solução porque a internet foi pensada para ser um ambiente ausente do comando dos governos. Eu não defendo que os governos comandem a internet, só que passar esse controle para alguns poucos entes privados, que estão muito mais preocupados com o lucro do que com a preservação dos direitos fundamentais, também é perigoso”, aponta.