- 13.07
- 2004
- 14:24
- MarceloSoares
Lúcio Flávio Pinto conta a história de sua condenação
Gostaria de chamar a atenção da opinião pública para o que vem se caracterizando como um grave caso de processo político, semelhante aos que tão tristemente celebrizaram os gulags, e a uma profunda violação da liberdade de imprensa e de pensamento. Isso tudo, em pleno regime democrático.
Desde 1992, respondi e respondo ainda, no foro de Belém, a 15 processos abertos contra mim (sem contar mais um, no âmbito da justiça eleitoral), dos quais 12 ainda ativos, embora, dentre eles, três já prescritos (sem que a prescrição tenha sido declarada). Já fui condenado em dois deles.
Uma das características comuns a todas essas ações judiciais é que seus autores não exerceram o direito de resposta. Acusam-me de os ter caluniado, difamado e ofendido. Entretanto, mesmo sendo os assuntos que tratei de ordem pública (monopólio de imprensa, grilagem de terras, exploração clandestina de madeira, conivência da organização judiciária com esses delitos), nenhum desses autores se preocupou em debater as questões suscitadas e em me contraditar. Todos recorreram diretamente ao judiciário, na maioria dos casos utilizando a Lei de Imprensa, entulho autoritário de 1967, que persiste em vigor até hoje, apesar de em flagrante contradição com a Constituição de 1988.
Outra das características desses processos é que me coloco do lado do interesse público contra a posição dos meus algozes, que, explicita ou implicitamente, representam ou defendem interesses particulares. Meus artigos, apontados como violadores da honra alheia, denunciaram atos como a tentativa de apropriação indébita de uma área variando entre 5 milhões e 7 milhões de hectares, no vale do Xingu (área mais conhecida ultimamente como “Terra do Meio”), integrante do patrimônio público fundiário, ou ardis montados para a retirada ilegal de árvores valiosas da floresta amazônica, principalmente o mogno.
Nenhum dos artigos que pretextaram as ações entrou no âmbito da individualidade dos personagens, em nenhum tratando de questões de suas vidas privadas.
Outra das características desses processos é que, mesmo no pólo passivo da relação jurídica, sempre favoreci a tramitação do feito, freqüentemente me antecipando aos prazos e às citações, notificações e intimações. Por isso, os processos têm chegado ao seu desfecho, infelizmente, a despeito do conteúdo dos autos, contra mim.
Foi o caso do processo que resultou de uma denúncia feita pelo Ministério Público do Estado do Pará, provocado por representação do desembargador João Alberto Paiva. O magistrado, que se aposentou neste ano, julgou-se ofendido por matéria publicada no meu Jornal Pessoal, em maio de 2000.
O desembargador, ao deferir um agravo de instrumento proposto em Belém por uma empresa do grupo da Construtora C. R. Almeida, do empresário Cecílio do Rego Almeida, revogou ato do então juiz de Altamira, Torquato Alencar. O juiz havia mandado averbar, à margem do registro das terras que a empresa diz serem suas, a existência de uma ação de cancelamento e anulação dos referidos registros, proposta pelo Iterpa, em 1996.
A providência tinha a salutar preocupação de advertir os incautos, eventualmente interessados pela área, que a dominialidade daquelas terras estava sendo questionada pelo Instituto de Terras do Pará. Portanto, não podiam tomar o imóvel como de plena propriedade particular, porque os argumentos apresentados pelo Iterpa contra essa pretensão (e, a seguir, endossados por todos os órgãos dos governos federal e estadual com jurisdição sobre o tema) eram poderosos.
Portanto, a averbação resguardava responsabilidades e ressalvava danos futuros. Mas não significava nenhum impedimento ao projeto que a empresa dizia estar interessava em desenvolver na área, voltado supostamente para a preservação ambiental. Ela só estava restringida na comercialização das terras.
Apesar da existência da ação de cancelamento e anulação na comarca de Altamira, o desembargador João Alberto Paiva declarou, em sua sentença, que as terras eram “inquestionavelmente” de propriedade privada. Revogou o ato do juiz de Altamira em simples liminar, já adentrando o mérito da questão (tanto, que sua decisão continua a ser a âncora de sustentação dessa grilagem, classificada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, em 2002, no Livro Branco da Grilagem de Terras do Brasil, como uma das maiores do país – e, certamente, do mundo). E não se permitiu a cautela de ouvir primeiro o representante do Ministério Público. Consultado apenas quatro meses depois, o MP opôs-se ao ato do desembargador.
A denúncia, formulada com base em representação preparada pelo escritório José Eduardo Alckmin, um dos mais conceituados de Brasília, foi acolhida, o processo tramitou celeremente e acabei sendo condenado a um ano de prisão, pena convertida no pagamento de duas cestas básicas, de um salário mínimo cada, pelo período de seis meses, em virtude de minha primariedade.
A sentença foi lavrada em 17 de fevereiro do ano passado. No dia 19, saiu publicada no Diário da Justiça. Nesse mesmo dia minha advogada foi ao cartório pegar os autos. Soube, pela escrivã, que os autos tinham sido enviados ao Ministério Público, na véspera. No dia 24, uma segunda-feira, novamente minha advogada compareceu ao cartório. Foi informada que o processo, tendo sido devolvido pelo representante do MP no dia 21, sexta-feira, tinha-lhe sido novamente restituído naquele dia. Os autos só voltaram definitivamente ao cartório no dia 28 de fevereiro. No dia 3 de março, segunda-feira, minha advogada, finalmente, pôde retirar os autos do cartório. No dia 7, sexta-feira, último dia do prazo, protocolou a apelação, fazendo o processo subir para o Tribunal de Justiça.
Ao receber os autos, estranhamos, minha advogada e eu, aquele procedimento. Por isso, como medida de cautela, requeremos por certidão, à escrivã do cartório da 16ª vara criminal, privativa dos delitos de imprensa, que atestasse as idas e vindas dos autos, que haviam impedido a ciência do advogado do sentenciado. Uma vez juntada a certidão aos autos, imaginamos ter resguardado nossos direitos para eventualidade futura.
Por isso, ao verificar, na semana passada, que a 3ª Câmara Criminal Isolada do TJE, para quem o caso foi distribuído, havia considerado intempestiva minha apelação, fiquei estupefato, revoltado, indignado.
Ao que parece, o responsável pelo parecer do MP limitou-se a constatar a data da publicação da sentença no Diário da Justiça e a contar cinco dias a partir daí, não incluindo o primeiro e considerando o último dia, estabelecendo dessa forma o chamado qüinqüídio legal. Como minha apelação foi protocolada a 7 de março, eu tinha perdido o prazo.
Ora, nos autos estão todas as informações que permitem verificar que, desde um dia antes da resenha da sentença no Diário da Justiça, os autos se encontravam em poder do Ministério Público. No dia 21, é verdade, os autos foram devolvidos ao cartório. Minha advogada, porém, que não é advinha, não sabia disso. Tendo estado no cartório no dia 19, no mesmo dia da resenha da sentença, e sendo informada que o processo fora enviado ao MP para intimação, ela decidiu retornar no dia 24, segunda-feira, na presunção de que os autos já deveriam ter sido devolvidos. Mas, como atesta a certidão da escrivã (que está às fls. 224), serventuária dotada de fé pública, os autos já tinham voltado ao MP.
Admitindo-se que minha advogada não tenha podido retirar os autos na sexta-feira, por negligência ou qualquer outro motivo, ainda assim o prazo não poderia ter começado porque os autos não estiveram disponíveis até o final do expediente forense, que se encerra às 20 horas, naquele dia 24 de fevereiro. Ou seja, tecnicamente, o prazo foi interrompido. Não chegou a começar a contar. Logo, ainda não se abrira.
Da mesma forma, o prazo não começou a contar no dia 28, porque não se conta o primeiro dia. Deveria começar, de fato, no primeiro dia útil. O primeiro dia útil era o dia 3, segunda-feira. O prazo para a apelação é de cinco dias. Terminava, portanto, no dia 7. No dia 7 protocolamos a apelação no Tribunal.
Admita-se, por absurdo, mais um na sucessão de fatos amargamente kafkianos com os quais me venho defrontando há 12 anos no fórum de Belém, que, por essa via, eu tivesse realmente perdido o prazo.
Muito bem. Mas há uma segunda condição para a caracterização da intempestividade. Condenado à pena de detenção de um ano, por franquia que o Código Penal concede aos réus primários transformada em multa, eu teria que ser intimado pessoalmente da sentença. E não o fui, do que os autos dão prova, já que inexiste minha intimação. Ela se deu, por conseqüência, a partir do protocolamento da apelação. E, ressalte-se, a apelação veio já acompanhada das razões da apelação. Eu podia ter acrescentado posteriormente os fundamentos do apelo, mas os apresentei de pronto, tão substanciais são minhas razões.
O parecer do representante do Ministério Público, acatado pela relatora da apelação e aprovado unanimemente pelos integrantes da 3ª Câmara Criminal Isolada do Tribunal, não levou em consideração esses fatos. Mas não é só isso. Decidindo sobre a condenação de um cidadão que, processado por claro delito de opinião (que não devia existir), é réu primário na letra da lei, substituíram o primado constitucional da ampla defesa por um ânimo persecutório.
Como está evidente esse constrangimento, apresentarei nos próximos dias um recurso especial, ao Superior Tribunal de Justiça, e um recurso extraordinário, ao Supremo Tribunal Federal, para derrubar a decisão do Tribunal e restabelecer a ordem processual e a verdade. Ainda acreditando na possibilidade de justiça.
Belém (PA), 13 de julho de 2004
Lúcio Flávio Pinto
Desde 1992, respondi e respondo ainda, no foro de Belém, a 15 processos abertos contra mim (sem contar mais um, no âmbito da justiça eleitoral), dos quais 12 ainda ativos, embora, dentre eles, três já prescritos (sem que a prescrição tenha sido declarada). Já fui condenado em dois deles.
Uma das características comuns a todas essas ações judiciais é que seus autores não exerceram o direito de resposta. Acusam-me de os ter caluniado, difamado e ofendido. Entretanto, mesmo sendo os assuntos que tratei de ordem pública (monopólio de imprensa, grilagem de terras, exploração clandestina de madeira, conivência da organização judiciária com esses delitos), nenhum desses autores se preocupou em debater as questões suscitadas e em me contraditar. Todos recorreram diretamente ao judiciário, na maioria dos casos utilizando a Lei de Imprensa, entulho autoritário de 1967, que persiste em vigor até hoje, apesar de em flagrante contradição com a Constituição de 1988.
Outra das características desses processos é que me coloco do lado do interesse público contra a posição dos meus algozes, que, explicita ou implicitamente, representam ou defendem interesses particulares. Meus artigos, apontados como violadores da honra alheia, denunciaram atos como a tentativa de apropriação indébita de uma área variando entre 5 milhões e 7 milhões de hectares, no vale do Xingu (área mais conhecida ultimamente como “Terra do Meio”), integrante do patrimônio público fundiário, ou ardis montados para a retirada ilegal de árvores valiosas da floresta amazônica, principalmente o mogno.
Nenhum dos artigos que pretextaram as ações entrou no âmbito da individualidade dos personagens, em nenhum tratando de questões de suas vidas privadas.
Outra das características desses processos é que, mesmo no pólo passivo da relação jurídica, sempre favoreci a tramitação do feito, freqüentemente me antecipando aos prazos e às citações, notificações e intimações. Por isso, os processos têm chegado ao seu desfecho, infelizmente, a despeito do conteúdo dos autos, contra mim.
Foi o caso do processo que resultou de uma denúncia feita pelo Ministério Público do Estado do Pará, provocado por representação do desembargador João Alberto Paiva. O magistrado, que se aposentou neste ano, julgou-se ofendido por matéria publicada no meu Jornal Pessoal, em maio de 2000.
O desembargador, ao deferir um agravo de instrumento proposto em Belém por uma empresa do grupo da Construtora C. R. Almeida, do empresário Cecílio do Rego Almeida, revogou ato do então juiz de Altamira, Torquato Alencar. O juiz havia mandado averbar, à margem do registro das terras que a empresa diz serem suas, a existência de uma ação de cancelamento e anulação dos referidos registros, proposta pelo Iterpa, em 1996.
A providência tinha a salutar preocupação de advertir os incautos, eventualmente interessados pela área, que a dominialidade daquelas terras estava sendo questionada pelo Instituto de Terras do Pará. Portanto, não podiam tomar o imóvel como de plena propriedade particular, porque os argumentos apresentados pelo Iterpa contra essa pretensão (e, a seguir, endossados por todos os órgãos dos governos federal e estadual com jurisdição sobre o tema) eram poderosos.
Portanto, a averbação resguardava responsabilidades e ressalvava danos futuros. Mas não significava nenhum impedimento ao projeto que a empresa dizia estar interessava em desenvolver na área, voltado supostamente para a preservação ambiental. Ela só estava restringida na comercialização das terras.
Apesar da existência da ação de cancelamento e anulação na comarca de Altamira, o desembargador João Alberto Paiva declarou, em sua sentença, que as terras eram “inquestionavelmente” de propriedade privada. Revogou o ato do juiz de Altamira em simples liminar, já adentrando o mérito da questão (tanto, que sua decisão continua a ser a âncora de sustentação dessa grilagem, classificada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, em 2002, no Livro Branco da Grilagem de Terras do Brasil, como uma das maiores do país – e, certamente, do mundo). E não se permitiu a cautela de ouvir primeiro o representante do Ministério Público. Consultado apenas quatro meses depois, o MP opôs-se ao ato do desembargador.
A denúncia, formulada com base em representação preparada pelo escritório José Eduardo Alckmin, um dos mais conceituados de Brasília, foi acolhida, o processo tramitou celeremente e acabei sendo condenado a um ano de prisão, pena convertida no pagamento de duas cestas básicas, de um salário mínimo cada, pelo período de seis meses, em virtude de minha primariedade.
A sentença foi lavrada em 17 de fevereiro do ano passado. No dia 19, saiu publicada no Diário da Justiça. Nesse mesmo dia minha advogada foi ao cartório pegar os autos. Soube, pela escrivã, que os autos tinham sido enviados ao Ministério Público, na véspera. No dia 24, uma segunda-feira, novamente minha advogada compareceu ao cartório. Foi informada que o processo, tendo sido devolvido pelo representante do MP no dia 21, sexta-feira, tinha-lhe sido novamente restituído naquele dia. Os autos só voltaram definitivamente ao cartório no dia 28 de fevereiro. No dia 3 de março, segunda-feira, minha advogada, finalmente, pôde retirar os autos do cartório. No dia 7, sexta-feira, último dia do prazo, protocolou a apelação, fazendo o processo subir para o Tribunal de Justiça.
Ao receber os autos, estranhamos, minha advogada e eu, aquele procedimento. Por isso, como medida de cautela, requeremos por certidão, à escrivã do cartório da 16ª vara criminal, privativa dos delitos de imprensa, que atestasse as idas e vindas dos autos, que haviam impedido a ciência do advogado do sentenciado. Uma vez juntada a certidão aos autos, imaginamos ter resguardado nossos direitos para eventualidade futura.
Por isso, ao verificar, na semana passada, que a 3ª Câmara Criminal Isolada do TJE, para quem o caso foi distribuído, havia considerado intempestiva minha apelação, fiquei estupefato, revoltado, indignado.
Ao que parece, o responsável pelo parecer do MP limitou-se a constatar a data da publicação da sentença no Diário da Justiça e a contar cinco dias a partir daí, não incluindo o primeiro e considerando o último dia, estabelecendo dessa forma o chamado qüinqüídio legal. Como minha apelação foi protocolada a 7 de março, eu tinha perdido o prazo.
Ora, nos autos estão todas as informações que permitem verificar que, desde um dia antes da resenha da sentença no Diário da Justiça, os autos se encontravam em poder do Ministério Público. No dia 21, é verdade, os autos foram devolvidos ao cartório. Minha advogada, porém, que não é advinha, não sabia disso. Tendo estado no cartório no dia 19, no mesmo dia da resenha da sentença, e sendo informada que o processo fora enviado ao MP para intimação, ela decidiu retornar no dia 24, segunda-feira, na presunção de que os autos já deveriam ter sido devolvidos. Mas, como atesta a certidão da escrivã (que está às fls. 224), serventuária dotada de fé pública, os autos já tinham voltado ao MP.
Admitindo-se que minha advogada não tenha podido retirar os autos na sexta-feira, por negligência ou qualquer outro motivo, ainda assim o prazo não poderia ter começado porque os autos não estiveram disponíveis até o final do expediente forense, que se encerra às 20 horas, naquele dia 24 de fevereiro. Ou seja, tecnicamente, o prazo foi interrompido. Não chegou a começar a contar. Logo, ainda não se abrira.
Da mesma forma, o prazo não começou a contar no dia 28, porque não se conta o primeiro dia. Deveria começar, de fato, no primeiro dia útil. O primeiro dia útil era o dia 3, segunda-feira. O prazo para a apelação é de cinco dias. Terminava, portanto, no dia 7. No dia 7 protocolamos a apelação no Tribunal.
Admita-se, por absurdo, mais um na sucessão de fatos amargamente kafkianos com os quais me venho defrontando há 12 anos no fórum de Belém, que, por essa via, eu tivesse realmente perdido o prazo.
Muito bem. Mas há uma segunda condição para a caracterização da intempestividade. Condenado à pena de detenção de um ano, por franquia que o Código Penal concede aos réus primários transformada em multa, eu teria que ser intimado pessoalmente da sentença. E não o fui, do que os autos dão prova, já que inexiste minha intimação. Ela se deu, por conseqüência, a partir do protocolamento da apelação. E, ressalte-se, a apelação veio já acompanhada das razões da apelação. Eu podia ter acrescentado posteriormente os fundamentos do apelo, mas os apresentei de pronto, tão substanciais são minhas razões.
O parecer do representante do Ministério Público, acatado pela relatora da apelação e aprovado unanimemente pelos integrantes da 3ª Câmara Criminal Isolada do Tribunal, não levou em consideração esses fatos. Mas não é só isso. Decidindo sobre a condenação de um cidadão que, processado por claro delito de opinião (que não devia existir), é réu primário na letra da lei, substituíram o primado constitucional da ampla defesa por um ânimo persecutório.
Como está evidente esse constrangimento, apresentarei nos próximos dias um recurso especial, ao Superior Tribunal de Justiça, e um recurso extraordinário, ao Supremo Tribunal Federal, para derrubar a decisão do Tribunal e restabelecer a ordem processual e a verdade. Ainda acreditando na possibilidade de justiça.
Belém (PA), 13 de julho de 2004
Lúcio Flávio Pinto