- 05.01
- 2004
- 08:57
- José Coelho Sobrinho
Formação
Livro retrata investigação no jornalismo brasileiro
Lembro-me de ter lido, em alguma revista brasileira, um artigo do Gabriel García Márquez que me fez reter uma frase que, no meu entender, é um princípio para o bom jornalismo. Ele escrevia mais ou menos o seguinte: "a melhor notícia nem sempre é a que se dá primeiro, mas muitas vezes a que se dá melhor".
Está máxima caminha na contramão do moderno jornalismo on-line, ávido pelo tempo real, mas justifica uma modalidade de reportagem que está adquirindo cada vez mais importância no jornalismo de referência, conhecido por jornalismo investigativo.
Ainda que muitos contestem essa denominação, é uma atividade que em todo mundo recebe o mesmo título, motivo porque obras e associações de profissionais que se dedicam ao seu estudo empregam-na como a forma mais concreta de comunicar essa pratica jornalística.
O jornalismo investigativo não é novidade porque toda a atividade jornalística o é. Mas a prática de uma forma enfática de levantar o tema, produzir a pauta, buscar metodologia específica para captar as informações, checar documentos, antecipar defesa para o caso de contestação e, principalmente, depurar a coleta, é uma técnica que esta sendo aprimorada e disseminada no meio através de livros, workshops, congressos e outras formas de discussão a respeito do assunto.
Em novembro do ano passado, em um evento ocorrido na Universidade de São Paulo, um grupo de jornalistas deu os primeiros passos para a fundação da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), entidade que já está em pleno funcionamento, disseminando técnicas por meio de cursos ministrados em várias regiões brasileiras e, principalmente, divulgando entre os seus associados as atividades dos jornalistas investigativos de todo o mundo. Sua ligação desde a concepção com a IRE (Investigative Reporters and Editors) e com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas (da Universidade do Texas, Austin) fez com que a instituição queimasse etapas absorvendo de imediato todas as técnicas desenvolvidas pelos jornalistas e pesquisadores pertencentes à IRE.
Essa forma de fazer jornalismo também mereceu a atenção da academia. Os professores Dirceu Fernandes Lopes e José Luiz Proença, do Núcleo de Estudos de Jornalismo Comparado, ligado ao programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da USP organizaram um livro com o título Jornalismo Investigativo (210 páginas, R$ 30), lançado no começo do mês de novembro pela Editora Publisher Brasil.
A obra reúne artigos dos professores e dos pós-graduandos (mestrandos e doutorandos) de disciplina ministrada em 2001 sobre Jornalismo Investigativo. Ela contém ensaios dos dois docentes e da doutoranda Mariângela Haswani, que se incumbem da teoria do estado da arte da "especialidade" e entrevistas com alguns dos mais conhecidos jornalistas investigativos do Brasil.
O jornalista Raimundo Pereira, entrevistado por Neide Vieira de Siqueira e Raimunda Maria Rodrigues Santos, entende que "a definição dos caminhos para a investigação, que resultará na matéria, deve ser responsabilidade da equipe de redação". O "pai da imprensa alternativa", em seu depoimento, relata algumas das estratégias usadas pela revista Realidade para tornar a matéria mais agradável.
O jornalismo apaixonado de Ricardo Kotscho foi captado por Marcela de Matos Batista. Do alto de seus quase 40 anos de profissão, Kotscho revela que "o ramo da reportagem mais difícil e, talvez por isso mesmo, o mais fascinante é o das chamadas matérias investigativas". O atual assessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva reclama que atualmente o repórter de posse de uma boa pauta tem de saber vende-la para o editor, convencendo-o da necessidade de uma viagem, de mais prazo e mais espaço.
Oposto ao jornalismo investigativo está o jornalismo reverberativo, afirma José Arbex Jr. na entrevista concedida à mestranda Sonia Padilha, condenando as matérias que são construídas a partir de uma declaração oficial sem a preocupação de apuração minuciosa.
Mino Carta já escreveu que considera Bob Fernandes um repórter diferenciado. E é este "repórter à moda antiga" que foi entrevistado por Rogério Christofoletti para o livro. Para Bob o termo "jornalismo investigativo" é rótulo, é marketing, e deve ter aparecido para diferenciar o jornalismo sério de outras manifestações.
"Se deixar na minha frente, eu pego mesmo. Já pequei documentos em gabinete de primeiro ministro, da mesa de delegado... não tenho nenhum pudor em obtê-los". Essa apuração jornalística não ortodoxa é declarada como dentro de limites éticos por Antonio Carlos Fon. Entrevistado por Ângela da Costa Cruz Merkx, além de revelar algumas técnicas, sugere leitura para os que pretendem fazer bom jornalismo.
Gilberto Nascimento, entrevistado por Renato Rovai, diz que mesmo quando está junto das mesas dos bares que freqüenta não dá as costas para o lugar público porque jornalista não deve desligar o seu espírito de observação. E é esse espírito que evoca como uma das principais armas do jornalista de investigação.
Fernando Rodrigues lamenta não ter trabalhado com Cláudio Abramo, mas orgulha-se de estar convivendo com profissionais do porte de Clóvis Rossi e Jânio de Freitas. Em sua entrevista para Simone Moreira, além de contar as suas experiências profissionais, lista questões que devem ser checadas em qualquer matéria por um jornalista responsável.
O autor de Notícias do Planalto, Mario Sergio Conti, afirmou a Mariângela Haswani que não aceita subterfúgios, como disfarces, câmeras escondidas e outros instrumentos para apurar uma matéria investigativa e revela a sua técnica de trabalho.
Audálio Dantas confessou a Edmundo Heráclito, que tinha medo do que escrevia a respeito de pessoas envolvidas em denúncias graves. Durante sua vida profissional buscou a precisão e a clareza nos textos para não cometer injustiças com interpretações equivocadas.
Jamildo Melo disse a Mercês Cunha Alves e Rosângela Queiroz que o jornalismo investigativo "não é para qualquer um. Tem que ter preparo, tempo de estrada e, principalmente, muita leitura", lamentando que boa parte dos jornalistas não se dá para esse salutar hábito.
"O fundamento do trabalho jornalístico é entender a cabeça das pessoas, entender por que as pessoas se comportam, como se comportam, e isso é basicamente entender o ser humano. Esse deve ser o foco do todo bom repórter". Essa opinião de William Waack , entrevistado por Antonio Lúcio Rodrigues de Assiz, justifica sua aprovação em relação ao uso de formas não rotineiras para tornar público o que já existe, mas está acobertado por comportamentos aceitos socialmente.
Roberto Cabrini resumiu para Silmara Biazoto as técnicas usadas para apurar as suas mais conhecidas matérias investigativas, como o caso PC Farias, de Jorgina de Freitas, a maior fraudadora da Previdência Social, e o mais recente, o do Boeing 254 da Varig.
Coube a Samantha Konopczyk entrevistar Caco Barcellos. O autor de Rota 66 procura fazer a distinção entre jornalismo investigativo e jornalismo de dossiê e afirma que a reportagem é o exercício da curiosidade, motivo porque o jornalismo investigativo é uma característica do profissional curioso.
Para Mônica Teixeira, entrevistada por Francisco Redondo Periago, o jornalismo investigativo começa pela pauta. Ela tem de ser mais técnica e não um breve relato sobre o tema escolhido.
A reportagem investigativa no rádio é abordada por Agostinho Teixeira, da Rádio Bandeirantes, em entrevista a Lenize Villaça Régis e Selma Pereira Orosco. O repórter entende que uma boa e responsável matéria investigativa é obtida pela observação de algumas etapas bem definidas e as comenta, exemplificando com a sua prática.
O livro faz parte do projeto do Núcleo de Estudos de Jornalismo Comparado do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA/USP, que com este já editou cinco livros-texto sobre jornalismo, destinado ao ensino de graduação. Os outros foram: Esporte e Jornalismo; A Edição do Jornalismo Impresso; A Edição do Jornalismo Eletrônico e a Evolução do Jornalismo em São Paulo. Jornalismo Investigativo está em todas as livrarias e é vendido por R$ 30.
José Coelho Sobrinho é professor de Jornalismo da ECA/USP