Livro retrata desafios de jornalistas na linha de frente durante a pandemia
  • 14.11
  • 2023
  • 15:48
  • Laura Toyama

Formação

Livro retrata desafios de jornalistas na linha de frente durante a pandemia

A pandemia de covid-19 afetou negativamente as condições de trabalho da maioria dos brasileiros. Alguns dos grupos mais impactados são aqueles que pertenciam à chamada "linha de frente", entre os quais estão os profissionais da imprensa. Para retratar a realidade desse grupo no período, o jornalista Marcelo Freitas reuniu 63 entrevistas com repórteres, editores, fotógrafos e assessores no livro “Nós também estivemos na linha de frente - As Histórias do Jornalismo na Pandemia” (Comunicação de Fato), publicado em agosto de 2022. A obra foi finalista do 45º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, na categoria livro-reportagem.

“O jornalismo raramente produz reportagens que mostram a própria rotina" explica o autor, ao comentar sobre suas motivações para o trabalho. “Se eu não recolhesse as histórias [dos jornalistas] do esquecimento, elas cairiam no limbo”. Freitas, que foi professor dos cursos de jornalismo e atuou como repórter e editor de jornais em Minas Gerais, destaca as entrevistas que fez com editores para compreender o tratamento das informações durante os quase três anos de pandemia. O cerne de seu trabalho era acompanhar o que era prioridade naquele momento – isolamento, contágio, vacinação – e atribuir o valor-notícia. “O noticiário sobre a pandemia tinha suas especificidades, e eu procurei captar isso”.

O jornalista também conversou com assessores de comunicação e falou sobre a relação entre jornalistas, órgãos públicos e os cientistas. Dificultada pelo momento político, a comunicação entre a imprensa e o Ministério da Saúde forçou uma aproximação entre veículos nacionais e as secretarias de saúde estaduais, o que o autor indica como uma particularidade nascida da pandemia. “Por causa da tentativa de sonegação de informação por parte do governo federal, jornalistas passaram a buscar a informação em sua fonte primária”, explica ele, que continua: “isso impactou também as mídias regionais; eram informações de altíssima credibilidade”.

Outro importante destaque do período foi a criação do Consórcio de Veículos de Imprensa, uma das maiores operações conjuntas da imprensa brasileira em sua história. Para o autor, algumas características do consórcio contribuíram para seu ineditismo: os mais de dois anos de duração (08.jun.2020 a 28.jan.2023); e o alcance de sua composição, que uniu os maiores veículos do país (O Estado de S. Paulo, G1, O Globo, Extra, Folha de S. Paulo e UOL). A pandemia e o contexto político colocaram a concorrência dos conglomerados de mídia em segundo plano, priorizando a importância do papel do jornalismo naquele momento.

Para além dos impactos no jornalismo em escala nacional, o cotidiano dos profissionais foi retratado de forma ostensiva no livro, através dos depoimentos. Para Freitas, o que mais chamou a atenção foram os desafios da transição do trabalho na redação para o modelo remoto. Foram muitos os aspectos que sobrecarregaram os jornalistas nisso que ele chamou de “operação técnica”: além da mudança física do espaço de trabalho, os profissionais produziam matérias diariamente sobre a pandemia, enquanto confinados.

Para as mulheres jornalistas, destacou ele, os impactos foram ainda mais severos. “Houve o acúmulo de jornadas de trabalho: a produção de notícias e o cuidado com a casa e a família”. Artigo publicado por pesquisadoras da Universidade Estadual Paulista (UNESP) revelou que as mulheres jornalistas foram as principais afetadas na superexploração das novas organizações de trabalho da profissão. Em outro estudo, conduzido pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) no início da pandemia, cerca de 86% das jornalistas com filhos se sentiam sobrecarregadas.

Em um balanço sobre a atuação da imprensa durante a pandemia, o autor lamenta o tempo de trabalho perdido para combater a desinformação, o que não poderia ser evitado diante da grande onda de notícias falsas. “Esse tempo poderia ter sido melhor utilizado para orientar sobre sintomas, orientar sobre vacinação”. O volume das chamadas “fake news” foi uma forma de epidemia por si só e armou, em definitivo, uma disputa narrativa entre jornalistas e negacionistas. Apesar de todos os “poréns” retratados no livro, Freitas diz não ter a menor dúvida de que o trabalho da imprensa foi fundamental para salvar milhares de vidas. “Se não fosse o jornalismo, o número de mortes teria sido muito maior. Incomparavelmente maior.”

Nós também estivemos na linha de frente - As histórias do jornalismo na pandemia 
Autor: Marcelo Freitas
Editora: Comunicação de Fato
Preço: R$ 55
https://comunicacaodefato.com.br/produto/nos-tambem-estivemos-na-linha-de-frente/ 

Créditos da imagem: Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais

Assinatura Abraji