- 04.10
- 2018
- 12:45
- Rafael Oliveira
Formação
Livro-reportagem conta histórias de trabalhadoras domésticas
Em 1.jun.2015, a então presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei Complementar 150/2015, que regulamentou a “PEC das Domésticas”, de 2013, garantindo direitos à classe. O livro-reportagem Na Casa dos Outros - Histórias vividas por trabalhadoras domésticas tem como fio condutor essa modificação e foi um dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) apresentados durante o 13º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo.
Segundo Érika Motoda, uma das autoras do livro, as opiniões das trabalhadoras domésticas sobre os efeitos da PEC e da Lei Complementar são variadas. “Na nossa visão, a lei foi positiva. Mas encontramos trabalhadoras que eram indiferentes ou que, até mesmo com a lei, ainda seguiam sendo injustiçadas no trabalho”, explica a jornalista.
A ideia de abordar o tema foi sugestão de uma ex-professora da Universidade Metodista de São Paulo. A docente, que tinha carreira extensa na instituição, afirmou que o tema nunca tinha sido tratado no curso de jornalismo. “Desde o princípio, queríamos fazer um livro-reportagem que, de alguma maneira, retratasse as dificuldades que as mulheres enfrentam por conta do gênero. E o trabalho doméstico é composto majoritariamente por mulheres que sofrem discriminação de classe”, diz.
Além dela, o grupo é composto por mais duas mulheres: Lauana Viana e Nathalia Fabro. As três então estudantes mergulharam na própria rede de amigos e em grupos de Facebook para conseguir indicações de entrevistados. “Nosso intuito era ampliar o leque de relatos, já que as domésticas são as mais lembradas quando tratamos do tema. Mas, na realidade, a categoria também abrange babás, governantas, cozinheiras, passadeiras e motoristas, por exemplo”, explica Motoda.
O livro-reportagem se divide em nove capítulos. Em oito deles, há histórias de babás, diaristas, empregadas domésticas, faxineiras, cozinheiras, cuidadoras de idosos e trabalhadoras que passaram por mais de uma dessas funções. São relatos de maus tratos, dificuldades e falta de direitos, mas também de acolhimento e boas relações. Quase todas as entrevistadas são mulheres, mas há uma exceção: “O trabalho doméstico é composto majoritariamente por mulheres, mas queríamos incluir um homem. Demorou um pouco, mas encontramos um ex-motorista para entrevistar”, diz Motoda.
O nono e último capítulo de Na Casa dos Outros faz um prognóstico do impacto da Reforma Trabalhista na vida dos trabalhadores domésticos. “Escrevemos o livro em 2017, ano em que a Reforma Trabalhista estava em iminência de ser aprovada e tinha potencial para revogar muitos direitos garantidos pelos trabalhadores domésticos. Para citar um exemplo: a jornada intermitente”, aponta a jornalista.
Ao todo, o processo de fazer o TCC durou um ano, metade dele dedicado à pesquisa de embasamento teórico, e metade dedicado às entrevistas e escolhas técnicas. O último mês foi inteiramente dedicado a escrever e editar os capítulos. O livro segue o estilo do jornalismo literário, experiência inédita para as três autoras.
Entre as principais dificuldades na realização do trabalho, Motoda cita a busca por um entrevistado homem e a necessidade de tomar várias decisões em curto período. Além disso, a Universidade Metodista passava por uma onda de demissões em massa, e o trabalho do trio foi afetado de última hora. “Nossa orientadora, a professora Luci Praun, foi demitida um dia antes de apresentarmos o trabalho para a banca avaliadora, o que nos deixou muito apreensivas”, diz. Apesar das dificuldades no processo, o resultado final agradou as estudantes e também os entrevistados, que receberam exemplares do livro.
Segundo Motoda, elas se esforçaram para preservar a personalidade de cada um ao transpor as entrevistas para o livro e as reações das personagens ao longo do processo foram as mais diversas. “Houve quem chorou durante as conversas, quem se sentiu valorizado apenas por ser ouvido e houve quem manteve o bom humor mesmo ao narrar histórias difíceis. E todos demonstraram orgulho pelo trabalho que desempenham. Essa riqueza de perspectiva agradou aos entrevistados e a nós, autoras”, conta.
Para a jornalista, a experiência de apresentar o trabalho no 13º Congresso foi “enriquecedora”. “Trocar experiências com outros jovens jornalistas foi bem proveitoso para ficar a par das produções universitárias Brasil afora. Além de ser um prazer compor a edição da Abraji 2018 com nomes consagrados do jornalismo”, afirma Motoda.
Dicas para começar o TCC
Para a jornalista, o principal conselho para quem está começando um projeto de conclusão de curso é “manter os pés no chão”. “Mesmo com poucos recursos financeiros, é possível realizar um bom trabalho. Mas é preciso organização e colaboração. Além de, claro, não perder o foco durante a execução do TCC”, aponta Motoda.
A menor quantidade de trabalho logístico — as três dividiam o tempo entre graduação e estágio — e a maior independência foram fundamentais para a escolha do livro-reportagem como formato. “Na nossa opinião, era a plataforma que melhor contaria as histórias dos trabalhadores domésticos. Como éramos um grupo pequeno, talvez tivesse sido mais custoso produzir um documentário, por exemplo”, explica.
Segundo Motoda, a decisão de investir em um livro-reportagem propiciou que o trio aprendesse sobre o mercado editorial. “Como construímos o livro desde o zero, aprendemos na pele o que faz um escritor, editor, designer gráfico, etc. Além de, agora, termos a experiência de um jornalista independente e podermos seguir fazendo bons trabalhos sem, necessariamente, ter uma grande corporação por trás”, diz.