- 30.10
- 2018
- 13:21
- Rafael Oliveira
Formação
Livro-reportagem aborda experiências de pessoas trans no mercado de trabalho formal
Segundo estimativa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), cerca de 90% da população trans recorre à prostituição como forma de sobrevivência em algum momento da vida, por dificuldades de se estabelecer no mercado formal de trabalho. O livro-reportagem Transresistência, apresentado durante o 13º Congresso da Abraji, conta a história de pessoas que conseguiram driblar essa barreira.
“A população trans precisa urgente de um olhar sem preconceitos e uma escuta afetiva do jornalismo”, afirma a autora do livro, Paloma Vasconcelos. “Tudo o que essa população precisa para sair, aos poucos, da marginalidade é de matérias humanizadas, que contem de fato as suas trajetórias e lutas”, acrescenta.
Segundo Vasconcelos, as respostas que encontrou ao longo do processo não a surpreenderam, porque já tinha consciência da “exclusão, violência e informalidade” da população trans. “A transfobia ainda é muito forte em nossa sociedade e isso tem reflexo em todos os segmentos, desde a educação básica até o direito à vida, que ainda é uma demanda comum para pessoas T”, diz.
A decisão de abordar essa população em um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) veio dois anos antes da realização da banca; à época, a travesti Verônica Bolina acabara de ser agredida na carceragem da delegacia do Bom Retiro, em São Paulo. “Eu percebi ali que precisava, enquanto jornalista e LGBT, falar sobre as pessoas mais marginalizadas do movimento do qual faço parte”, explica Vasconcelos.
A então estudante se aprofundou no assunto e resolveu focar o projeto na relação da população trans com o mercado de trabalho formal. A ausência de informações oficiais sobre essa população foi seu principal desafio. “Os únicos dados concretos são realizados por ativistas e ONGs, como é o caso do número de assassinatos, feito pelo Grupo Gay Bahia, e os dados sobre o mercado de trabalho, feito pela Antra. Por conta da informalidade e dessa ausência de dados oficiais, chegar nas fontes foi um caminho demorado”, conta a jornalista.
Além da falta de dados, Vasconcelos esbarrou em outro desafio: abordar uma população ao qual não pertence. Para isso, mergulhou no universo trans, com livros, peças audiovisuais, artigos e trabalhos como os da professora e psicóloga trans Jaqueline Gomes de Jesus. Além disso, construiu a narrativa de sua obra com falas longas, de modo a permitir que as personagens contassem a própria história.
Segundo a então estudante, seu posicionamento como feminista interseccional (vertente que reconhece que certos grupos de pessoas têm facetas múltiplas e camadas de vida com as quais tem de lidar) quase a fazer desistir do tema, mas ela resolveu persistir. “Como ainda não há uma grande presença de pessoas trans na academia, principalmente por causa da transfobia que tira essas pessoas do universo escolar muito cedo, percebi que precisava, enquanto mulher lésbica, ampliar essas vozes que há tanto tempo gritam por socorro”, diz a jornalista.
Um dos critérios estabelecidos para definir quem seriam os retratados foram as intersecções e a diversidade. “[Quis] trazer homens e mulheres, pessoas brancas e pessoas não brancas e de diversas classes sociais, também tentei trazer pessoas trans que não fossem heterossexuais, para mostrar que existe diferença entre orientação sexual e identidade de gênero”, afirma.
Além de indicações de amigos, a então estudante chegou aos entrevistados por caminhos diversos. Luiza, a primeira perfilada do livro, foi “descoberta” no metrô, por acaso. Vasconcelos percebeu que ela estava com o uniforme do Museu de Arte de São Paulo (Masp) e depois de alguns dias foi até o museu em busca da personagem. Já Renata, segunda a ser retratada no livro, a jornalista conheceu através de um canal focado em questões LGBTs. Nesse caso, o contato foi feito através da ONG mantida pela personagem, o Cais (Centro de Apoio e Inclusão Social de Travestis e Transexuais).
Entre pesquisa de refinamento e produção, o projeto de Vasconcelos levou 1 ano para ser feito. A orientação do TCC foi do professor Marcos Antonio Zibordi, que estimulou a então estudante a inscrever o trabalho no Congresso da Abraji. “Ele foi, sem dúvida, a pessoa que fez esse projeto, criticado internamente por alguns professores durante o sétimo semestre, chegar com tanta força na banca de defesa de TCC. Estar na Abraji, ao lado da Brenda Cruz [autora do livro-reportagem Nuances e Cruezas da Loucura], outra orientanda do Zibordi, fez todo o esforço valer a pena, foi um divisor de águas para mim”, afirma.
Além da participação no Congresso, Vasconcelos esgotou os 100 exemplares físicos de seu livro rapidamente, e teve uma opinião positiva dos entrevistados. “Para minha alegria, o retorno de todos e todas foi muito positivo, todos e todas se sentiram muito contemplados em meus textos”, diz.
Dicas para começar o TCC
Para Paloma Vasconcelos, o Trabalho de Conclusão de Curso deve ser, mais do que um projeto de faculdade, um bilhete de entrada para o mercado de trabalho. “Durante os 4 anos de faculdade, eu não consegui um estágio efetivamente em jornalismo e isso, durante muito tempo, foi muito ruim para mim. Mas, coloquei na cabeça que o meu TCC me abriria portas importantes na área e assim segui até o final”, afirma. Atualmente, a jornalista cobre LGBT e gênero na Ponte Jornalismo, e tem passagem pela Agência Mural.