- 19.10
- 2018
- 10:37
- Rafael Oliveira
Formação
Livro-reportagem aborda a loucura e suas nuances
Em meados dos anos 70, Clarice Gomes Rosa Cardoso foi internada compulsoriamente em um hospital psiquiátrico. Apesar do diagnóstico de epilepsia, a internação não foi feita por razões médicas, mas por vingança de seu então marido, após uma sequência de discussões entre o casal. A história de Clarice abre o livro-reportagem Nuances e Cruezas da Loucura - Um percurso entre os manicômios e as residências terapêuticas, apresentado durante o 13º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo.
“Quem tem um transtorno psiquiátrico busca pela sua autonomia e dignidade como qualquer outra pessoa”, afirma a autora do livro, Brenda Cruz. “[Além disso], existem pessoas realmente engajadas e apaixonadas pela saúde mental. Pessoas que lutam bravamente pela humanização do atendimento e direitos das pessoas que são marginalizadas pela sociedade por não estarem dentro dos padrões esperados”, conta.
O tema de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) no Centro Universitário FIAMFAAM surgiu em almoço com uma tia, que acabara de começar a trabalhar em uma residência terapêutica pública. “As histórias que ela trouxe naquele almoço, mesmo de forma superficial, me chamaram muito a atenção e eu fui pesquisar mais sobre o assunto e levei isso ao professor que estava dando a matéria de introdução ao TCC”, relata.
Como critério para selecionar as personagens do livro, ela definiu que conversaria com alguém da coordenação e ao menos um morador de cada residência. Ao longo de quatro meses, Cruz conversou com moradores, funcionários e coordenadores de residências terapêuticas, além de especialistas e da personagem que abre o livro.
A maior parte das entrevistas são de pacientes e funcionários de instituições privadas, por conta da burocracia imposta pelo Ministério da Saúde para dar acesso às instituições públicas. Os únicos depoimentos de funcionários de residências públicas vieram de sua tia e da coordenadora dela. “Ao final de meses de tentativas com telefonemas, cadastros e trocas de e-mail com a Secretaria de Saúde e o Ministério da Saúde eu não consegui a autorização para visitar uma residência pública no município de São Paulo”, diz Cruz.
Para ela, “estar aberta ao novo” durante a realização do TCC foi fundamental para fazer um bom livro. “Eu não sabia o que encontraria nessa jornada. Eu realmente nunca tinha tido contato com pessoas que já passaram por experiências terríveis de privação de sua liberdade, de perdas sociais, afetivas e si próprias”, afirma.
A realização do livro-reportagem rendeu aprendizados não só sobre as residências terapêuticas e a questão psiquiátrica no Brasil, mas também sobre jornalismo. “Aprendi que às vezes não levar uma lista de perguntas a uma entrevista é mais interessante, e que ‘bater um papo’ é mais enriquecedor. Também aprendi a não criar uma imagem preconcebida por locais ou pessoas, pois todas as vezes que eu imaginei como seria determinada situação, errei feio”, conta Cruz.
Após finalizar o trabalho, ela fez questão de enviar cópias para todos os entrevistados, dos quais recebeu retornos positivos. Um dos especialistas entrevistados no livro, o psiquiatra Guido Palomba, por exemplo, respondeu a jornalista com um exemplar de um de seus livros, com direito a agradecimento e elogios ao trabalho. Clarice, a personagem que abre o TCC, ligou emocionada com a maneira como sua história foi retratada.
“O Instituto Cisne [uma das instituições que aparecem no livro] comprou quase todos os exemplares que eu tinha, cerca de 70 livros, pois amaram o resultado e cada funcionário queria um exemplar para si, assim como pais de alguns dos atendidos. Todo o carinho que eu recebi dessas pessoas não tem preço”, afirma a jornalista.
A coroação do trabalho veio com a seleção para apresentar o TCC no Congresso da Abraji, “uma das coisas mais legais” que Cruz já viveu, segundo ela. “Quando fui selecionada eu nem acreditei. Fiquei muito feliz, me deu ainda mais certeza sobre a importância do tema do meu livro. Minha experiência foi muito boa, fiquei feliz em poder mostrar meu TCC e talvez ajudar aqueles que estão iniciando esse processo”, conta.
Dicas para começar o TCC
Para Cruz, escolher o tema é um primeiro passo fundamental para fazer um bom TCC. “Minha dica é que a pessoa escolha um tema que lhe dê empolgação, curiosidade, ânsia em querer mais, saber mais. E depois que escolha um orientador que acredite na sua ideia, que esteja ali para te instigar a cada conversa, a cada bronca. Não se contente com pouco e vá em frente”, diz.