• 06.07
  • 2011
  • 12:42
  • Revista Época

Kristinn Hrafnsson: "O WikiLeaks não depende de uma única pessoa"

 

Publicado na “Revista Época” em 27 de Junho de 2011

No próximo mês, o WikiLeaks pode perder seu membro mais importante. Em 12 de julho, a justiça britânica começa a decidir se extradita Julian Assange para a Suécia, onde ele é convocado a responder por crimes sexuais. Assange passou 11 dias na cadeia em dezembro por causa das acusações e, desde então, espera a decisão em prisão domiciliar em um casarão a leste de Londres. Os integrantes do grupo temem que a extradição para a Suécia abra precendentes para que Assange seja levado aos Estados Unidos, onde o WikiLeaks é investigado por vazar milhares de documentos sigilosos do governo. Com a saída de cena do fundador, o jornalista islandês Kristinn Hrafnsson deve se tornar a face mais conhecida da organização e parte de seu futuro. Ele falou a ÉPOCA antes de sua vinda ao Brasil, para participar do Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo. 

QUEM É 

Jornalista nascido na Islândia, entrou em contato com o WikiLeaks em 2009, quando fez uma reportagem sobre a falência do sistema financeiro de seu país. Decidiu juntar-se ao site de vazamento de dados no ano passado, depois que seu contrato com a TV estatal islandesa não foi renovado

O QUE FAZ 

Como porta-voz do WikiLeaks, ajuda a filtrar o material recebido pela organização e a traçar a melhor estratégia para divulgá-lo. Sua primeira colaboração com o site foi em abril, quando do vazamento do vídeo "Assassinato colateral", que mostrava soldados americanos atirando indiscriminadamente em civis no Iraque. Na ação, morreram dois jornalistas da agência de notícias Reuters

 

ÉPOCA – Antes de se tornar porta-voz do WikiLeaks, o senhor era jornalista na Islândia. Como se ligou ao site? 

Kristinn Hrafnsson – A primeira vez que ouvi falar do WikiLeaks foi em dezembro de 2009 quando o site obteve documentos muito importantes sobre o espetacular colapso da economia da Islândia. Todos os bancos islandeses tinham ido à falência em três dias e, dez meses depois, o WikiLeaks obteve documentos internos do maior banco do país e fiz reportagens a respeito do assunto. Foi muito importante para a população porque os documentos explicavam por que os bancos faliram. Eles sugeriam que a fraude era disseminada e que os donos do banco eram os maiores beneficiários. Foi uma reportagem muito interessante e importante porque o banco tentou impedir a sua publicação mas não conseguiu. Julian Assange e eu nos encontramos alguns meses depois da publicação dos documentos e nos tornamos amigos. Ele me mostrou o vídeo do assassinato de civis pelo Exército americano no Iraque algumas semanas antes de sua divulgação. Eu estava trabalhando como jornalista investigativo para a TV estatal islandesa naquela época e comecei no WikiLeaks investigando as informações por trás do vídeo, que foi intitulado “Assassinato Colateral”. Meu contrato não foi renovado na TV estatal e comecei a trabalhar em tempo integral para o Wikileaks. Faço parte dos funcionários desde agosto do ano passado. 

 

ÉPOCA – Como o senhor avalia o resultado das ações do WikiLeaks até agora? 

Hrafnsson – O WikiLeaks existe desde 2006 e, de lá para cá, saiu praticamente do anonimato para ser fonte de informações extremamente importantes sobre corrupção e injustiça cometidas por empresas e governos em vários lugares do mundo. Talvez os documentos mais importantes que o site vazou tenham sido sobre a corrupção no Quênia, pelos quais ganhou um prêmio da Anistia Internacional, em 2009. Também foram importantes o vazamento de informações sobre o despejo de lixo tóxico da Alemanha na costa da África e sobre os bancos da Islândia, em 2009. E há vários outros exemplos, mas o site continuou fora do radar até abril do ano passado, quando divulgou o vídeo sobre os assassinatos no Iraque e uma série de outros documentos sigilosos dos Estados Unidos. Analiso as realizações do WikiLeaks em duas esferas. Primeiro, pelo impacto sobre os governos, nas políticas e nas relações internacionais. E segundo, pelas mudanças que impõe ao jornalismo e como ele é percebido. Quanto aos governos, acho que o WikiLeaks é capaz de expor as injustiças e revelar informações que estavam escondidas. O WikiLeaks ajudou a traçar um perfil das duas guerras mais importantes das últimas décadas, a do Iraque e a do Afeganistão. Revelou erros e abusos das forças aliadas nos conflitos e como, na realidade, não houve nenhuma mudança nas práticas do novo governo do Iraque. Sabemos hoje que o primeiro-ministro Nouri Al-Maliki torturou presos – e que oficiais americanos sabiam. Isso derruba o único argumento que restava para justificar a guerra do Iraque: o de que era preciso dar fim a um regime torturador. Os argumentos de que o país tinha armas de destruição em massa e abrigava terroristas da Al Qaeda já tinham ido por terra. O vazamento dos telegramas das embaixadas americanas desmistificou as relações diplomáticas e mostrou como o governo americano conduzia suas políticas na arena internacional. Revelou que os americanos sabiam de todos os aspectos negativos dos regimes, embora mantivessem seu apoio. Na Tunísia, por exemplo, o Departamento de Estado estava ciente do nepotismo e da corrupção no governo Ben Ali, mas continuou apoiando. O vazamento dos telegramas americanos sobre o país gerou mais ódio e fomentou as manifestações que derrubaram Ben Ali do poder. Por sua vez, a situação na Tunísia serviu de inspiração para os egípcios derrubaram Hosni Mubarak e foi uma faísca para protestos na região, na chamada “primavera árabe”. O WikiLeaks teve participação nas extraordinárias manifestações que se espalharam pelo norte da África e pelo Oriente Médio. Também podemos notar o impacto do WikiLeaks no mundo do jornalismo. O site revitalizou o jornalismo investigativo e trouxe novos aspectos que, com sorte, vão permanecer. 

 

ÉPOCA – Vários sites de vazamento de informação aos moldes do WikiLeaks estão surgindo pelo mundo. O que o senhor acha disso? 

Hrafnsson – No geral, acho muito positivo que a ideia esteja se espalhando. Porém, há problemas, como o fato de alguns sites não oferecerem a proteção necessária para garantir o anonimato das fontes, uma condição fundamental no modelo do WikiLeaks. Um dos casos é o Wall Street Journal, que está tentando imitar o sistema do WikiLeaks mas não dá o suporte técnico ou legal para garantir a segurança de quem entrega as informações. Tantas pessoas apontaram essas falhas tão rapidamente que imagino que ninguém sério entregaria suas informações para eles. Mas, por isso mesmo, acredito que mais e mais sites vão seguir os valores defendidos pelo WikiLeaks e que esse ideia vai crescer gradualmente até se tornar uma parte essencial em qualquer lugar do mundo, em qualquer assunto de interesse. Hoje temos mais de 20 sites que seguem esses preceitos, como o BrusselsLeak, o EnvironLeaks, BalkanLeaks, OpenLeaks... A ideia está se espalhando por sites independentes e pelos grandes veículos de imprensa e isso é bom. O objetivo do WikiLeaks é difundir a ideia, não ser o único competidor nesse mercado – mas as pessoas têm que avaliar os projetos e decidir quais são confiáveis e quais não são. 

 

ÉPOCA – Pelo menos desde o começo do ano o WikiLeaks não está recebendo documentos. O site enfrentou algum problema com a segurança de suas fontes? 

Hrafnsson – Uma razão é que o site foi sabotado por pessoas que estavam deixando a organização. Mas a razão principal é que não achávamos justo focar nossos recursos em reabrir o site porque, basicamente, estamos tão atolados e temos tão pouca mão-de-obra, que já tem sido difícil trabalhar com o material que já temos. Seria ainda mais difícil processar de maneira adequada novos conteúdos. Há dois motivos pelos quais nossa capacidade de trabalho tem sofrido. A primeira é a atitude das instituições financeiras, que fecharam todos os caminhos para recebimento de doações. A segunda é o caso da Suécia, em que Julian Assange tem gastado boa parte de seu tempo. Ele não pode sair de onde está na Inglaterra e isso afeta a nossa capacidade de trabalho. Por isso, não priorizamos a reabertura do site. 

 

ÉPOCA – Mas houve alguma falha na segurança? 

Hrafnsson – Houve, mas ela poderia ter sido consertada num período relativamente curto de tempo. Decidimos não priorizar isso por causa das razões que já mencionei. 

 

ÉPOCA – Bradley Manning foi preso pelo governo americano sob a acusação de ter vazado informações sigilosas do Exército dos Estados Unidos para o WikiLeaks. Isso fere a credibilidade da organização, já que o site deveria garantir proteção total para suas fontes? 

Hrafnsson – É preciso ter cuidado ao falar de Manning. Ele é supostamente a fonte de parte do material sobre a guerra no Afeganistão, mas Julian disse que ele nunca havia escutado o nome Bradley Manning até que ele fosse mencionado na mídia. Julian sempre dizia que a melhor maneira de proteger a fonte era não sabendo quem era a fonte e esse é um dos ideais por trás do WikiLeaks. Se ele é mesmo a fonte, é um dos maiores denunciantes das últimas décadas. Mas, tendo dito isso, desde o começo do WikiLeaks, em 2006, nenhuma fonte de informação foi comprometida ao entregar material para o site. Temos 100% de aproveitamento na proteção de nossas fontes. 

 

ÉPOCA – O governo britânico deve decidir no início de julho sobre o pedido de extradição de Julian Assange para a Suécia. O que o WikiLeaks espera dessa decisão? 

Hrafnsson – O WikiLeaks vai se adaptar a qualquer mudança que aconteça – como tem feito até agora. Essa é uma situação pela qual já passamos, uma vez que Julian ficou 11 dias na cadeia no início deste ano. Não vou entrar em detalhes sobre como vamos responder diante de cada cenário, mas a ideia é continuar com o projeto do WikiLeaks não importa o que aconteça. Não é uma ideia 100% dependente de uma única pessoa ou um pequeno número de pessoas. Ela vai continuar de alguma forma o que quer que aconteça com seus integrantes. 

 

ÉPOCA – Mas Assange acabou se tornando a face do WikiLeaks. 

Hrafnsson – A percepção de que ele personaliza o WikiLeaks é parcialmente baseada no fato inegável de que ele é, de fato, a pessoa mais importante do projeto, seu fundador e seu mais atuante membro desde 2006. Tendo dito isso, essa percepção se deve a um dos problemas da mídia atual: a personalização. Um dos defeitos da mídia moderna é a forma como está baseada em personalidades, às vezes mesmo de forma obsessiva, em vez de focar na notícia. Posso dizer com certeza que o próprio Julian não está inteiramente satisfeito com esse foco. A mídia tem focado muito mais em Julian do que no próprio WikiLeaks e seus projetos e teria que ser ao contrário. Seria assim em circunstâncias normais: o foco deveria estar na informação que foi vazada. Não no fato de que houve um vazamento nem na organização que o intermediou, muito menos na pessoa responsável por ele. Mas isso faz parte de um problema maior da mídia, não está relacionado só com o WikiLeaks. 

 

ÉPOCA – Talvez seja assim por causa da relação conturbada entre Assange e os jornais. Bill Keller, então diretor do New York Times, escreveu uma longa reportagem expondo detalhes de uma complicada negociação com o fundador do projeto. 

Hrafnsson – Em geral, o relacionamento do WikiLeaks com a mídia é muito bom. Tendo em mente que temos uma relação de trabalho com dezenas de veículos e que 75 veículos estão trabalhando com o nosso material, as más relações com a mídia estão mais para exceção do que para regra. A maioria das relações são baseadas no entendimento e no respeito mútuo. 

 

ÉPOCA – Não há uma contradição entre o ideal do WikiLeaks de espalhar uma informação ao máximo e fechar acordos de exclusividade com alguns meios de comunicação? 

Hrafnsson – Essas duas coisas não têm nenhuma correlação. O WikiLeaks tem um compromisso de disseminar ao máximo a informação com o máximo de impacto. Para isso, forjamos, no último ano, acordos com a mídia tradicional, que atinge um maior público. Além disso, também deixamos a informação disponível para qualquer pessoa, como uma forma de arquivo histórico. Dar exclusividade de algumas informações para alguns meios por algum tempo de forma alguma vai contra os nossos princípios. Simplesmente colocando os dados em um website não garantiria a exposição a um número tão grande de pessoas como fornecendo o material para os veículos para que eles possam, com sua mão-de-obra, analisar seu conteúdo e fazer reportagens. 

 

ÉPOCA – Daniel Domscheit-Berg, ex-porta-voz do WikiLeaks, escreveu um livro fazendo várias acusações contra Julian Assange. O senhor leu o livro? O que acha da atitude dele? 

Hrafnsson – Não li e acho que não é uma atitude honrosa de maneira geral fugir de um projeto, sabotar os sistemas e falar mal de seus ex-colegas. O período mais sério e turbulento do WikiLeaks foram os últimos 14 meses. Observe que Daniel esteve afastado durante todo esse período. Ele não participou dos projetos mais importantes, estava afastado durante a fase mais importante da organização. Por isso, ele é um mau comentarista. O que define o WikiLeaks hoje é a extraordinária exposição que tivemos nos últimos meses e como lidamos com as pressões, com as acusações. Além de lutar contra governos e ministros, contra as maiores instituições financeiras do mundo, tivemos que combatê-lo. Não acrescenta nada à causa ter um pequeno grupo de ex-colaboradores sedentos por atenção. A atitude dele não é nada honrável. 

 

ÉPOCA – Uma das acusações de Domscheit-Berg é a falta de transparência do WikiLeaks, embora a organização advogue pela transparência. Segundo ele, não é possível saber o que foi feito com o dinheiro das doações. Como o senhor responde a essas críticas? 

Hrafnsson – É preciso ter em mente que Daniel era a pessoa dentro da organização que lidava com as finanças até o momento em que foi suspenso e decidiu sair do WikiLeaks. Ao criticar esse aspecto da organização, ele está criticando o próprio trabalho. Não há nada Não-transparente nas finanças do WikiLeaks. Se alguém quiser saber qualquer coisa, desde quanto foi doado no último ano até como o dinheiro foi gasto, só precisa ir ao site do fundo Vau Holland, na Alemanha, que tem registro de todos os recursos desde 2010. A organização é bastante transparente e as acusações de Daniel de que o WikiLeaks é um esquema para levantar dinheiro são infundadas. Ele só quer atacar a organização e não devemos perder tempo discutindo o que ele disse, porque é ridículo em todos os aspectos. Ele deveria calar a boca. 

 

ÉPOCA – Domscheit-Berg faz várias críticas à pessoa de Assange, incluindo que ele defende a transparência para os governos e as organizações, mas ficou bravo quando detalhes de seu processo de assédio sexual na Suécia foram divulgados. O que o senhor tem a dizer sobre isso? 

Hrafnsson – A ira de Assange não teve a ver com a publicação de detalhes, mas com a disseminação de informações erradas sobre o caso. Como você pode notar, não estou nada feliz com o que Daniel tem dito porque 1) ele está errado e 2) ele não sabe nada da organização porque não tem sido parte dela pelo último ano ou mais. Ele tem espalhado informações errôneas e mentirosas sobre o WikiLeaks. Ele não está fazendo críticas, está simplesmente caluniando a organização. 

 

ÉPOCA – Daniel inclusive sugeriu que, antes de divulgar, Assange tentou vender os direitos do clipe “Assassinato colateral”. É uma acusação séria. 

Hrafnsson – Eu fiz parte desse projeto e Daniel não estava lá. Ele estava na Alemanha. Você disse que essa é uma acusação séria, mas discordo em essência. Vender o vídeo foi algo que foi discutido abertamente, discutimos se era algo que deveríamos fazer, se deveríamos leiloar o clipe. Mas a decisão foi não fazer. E isso não teve nada a ver com Daniel Domscheit-Berg, foi apenas algo que foi debatido. Em essência, não há nada de errado em discutir esse assunto. Isso acontece no mundo da mídia o tempo todo e há argumentos fortes de que a mídia comercial deveria pagar por certos conteúdos. Mas o que importa é que não foi feito. Você já me fez quatro perguntas sobre as acusações de Daniel, mas ele não fazia parte da organização durante seus períodos mais difíceis. Como é possível que eu tenha que responder de novo e de novo questões sobre o WikiLeaks como se ele fosse um membro da organização? 

 

ÉPOCA – Mas Daniel não é o único a criticar o WikiLeaks. Há quem diga que a organização colocou a vida de informantes afegãos em risco depois de divulgar, sem censura, os documentos sobre a guerra no país. O WikiLeaks errou? Houve alguma mudança de procedimento depois daquela ocasião? 

Hrafnsson – É preciso lembrar que dos 90 mil documentos obtidos pelo WikiLeaks sobre a guerra no Afeganistão, 15 mil não foram divulgados dentro da política de minimizar os danos. Seguimos a própria classificação do Exército americano e a nossa avaliação. Apesar desse cuidado, alguns poucos nomes foram mencionados. Mas nenhuma pessoa sofreu qualquer dano por causa disso. Aliás, nenhum indivíduo - a não ser ocupantes de cargos do alto escalão dos governos - foi afetado pelos vazamento de dados. Isso foi verificado pelo Pentágono, pelo Departamento de Estado americano e até por oficiais da Otan no Afeganistão. É um feito extraordinário diante das informações que divulgamos. A organização adota uma atitude específica diante de cada material antes da divulgação. Por isso, as acusações de negligência são infundadas. Tenho bastante confiança de que fomos bastante cuidadosos e responsáveis ao lidar com o conteúdo a ser divulgado. 

 

ÉPOCA – Quais são os próximos vazamentos do WikiLeaks? 

Hrafnsson – Estamos envolvidos com um projeto grande, que são os telegramas da diplomacia americana, e nossos recursos são bastante limitados, em boa parte por causa do ataque das instituições financeiras, como mencionei anteriormente, e da prisão domiciliar de Julian Assange. Temos de 15 a 20 funcionários e mais um número de voluntários contribuindo praticamente em tempo integral conosco. Temos também um bom número de voluntários em tempo parcial. 

 

ÉPOCA – O que o senhor vê para o futuro do WikiLeaks? 

Hrafnsson – É muito difícil dizer, temos muitas opções. Queremos lutar por mais liberdade de expressão e de imprensa em geral, essa é a nossa prioridade. Precisamos decidir como levar adiante essa tarefa. 

 

ÉPOCA – Recentemente, surgiu a possibilidade de ele vir para o Brasil. Como o senhor vê o futuro de Assange? 

Hrafnsson – É preciso esperar para ver. Ele tem um caso judicial pendente, a ser decidido em julho, e está lutando contra a extradição para a Suécia e, possivelmente, contra uma extradição da Suécia para os Estados Unidos. A situação dele é bastante precária no momento e, por isso, é bastante difícil fazer qualquer plano de longo prazo. O que vemos é que há uma apreço pelo que temos feito no Brasil e que o país poderia ser uma boa base para as nossas operações. Temos muitas bases, na Europa e em outros países do globo, e temos tido muita sorte de poder contar com um grupo de pessoas que nos apoiam bastante no Brasil e em outros países. 

 

ÉPOCA – O WikiLeaks divulgou documentos que mencionam o Brasil. Haverá mais vazamentos incluindo o país? 

Hrafnsson – Vamos esperar para ver. Não falo nada sobre os futuro vazamentos. Esse é um princípio meu e é importante se manter dentro dele para que as ações falem mais do que as palavras. 

 

ÉPOCA – Recentemente, o governo brasileiro cogitou manter alguns documentos sob sigilo eterno sob a alegação de que sua divulgação poderia causar danos. Qual sua opinião a respeito? 

Hrafnsson – Sempre haverá quem diga que divulgar uma informação pode gerar problemas. Mas se você perguntar a essas pessoas quais seriam esses danos, o que há de tão danoso em ter informação, elas geralmente se enrolam e fogem falando de generalidades. Nunca devemos acreditar em quem diga que haverá repercussão negativa caso se divulgue uma informação que está sendo mantida em sigilo às custas dos contribuintes. Não sem antes ouvir instâncias que entendem do assunto e podem apresentar argumentos concretos sobre a proposição. É claro que pode haver consequências negativas. Mas pergunto: quais são os danos causados pelos vazamentos do WikiLeaks nos últimos 14 meses? Constrangimento para os governos. Não houve nenhuma grande mudança negativa da ordem mundial nem nenhum dano a pessoas individualmente. Sabemos em nossos corações que a verdade não causa danos para o público, ela o liberta. Devemos nos perguntar, sim, quais são os prejuízos causados por guardar segredo. E temos muitos exemplos de como o sigilo tem gerado danos para nós e para a imprensa. Por causa do segredo foi fácil iludir a população dos Estados Unidos e do mundo sobre a existência de armas de destruição em massa e da presença da Al Qaeda no Iraque. Isso justificou uma invasão ilegal do país que acabou gerando a morte de centenas de milhares de pessoas. 

 

ÉPOCA – Quais são, na sua opinião, as consequências do WikiLeaks para o jornalismo? 

Hrafnsson – A principal foi mostrar ao jornalismo que ele tem que lutar com mais garra pelo seu principal ideal que, na minha opinião, é a justiça. Sou um ativista que acredita que desencavar a verdade pode mudar o mundo para melhor. O jornalismo se tornou algo muito estabelecido e começou a ficar sentado esperando por press releases e por declarações oficiais do governo, em vez de sair a campo fazendo as perguntas críticas sobre a realidade. Isso é o que os jornalistas deveriam fazer como parte de sua vocação e de sua missão. O WikiLeaks apontou para esse problema e mostrou uma imagem não muito agradável do mundo do jornalismo. Mas sem jornalismo não é possível ter um ambiente político saudável. O WikiLeaks também mostrou a possibilidade de usar caixas postais eletrônicas para receber documentos - e muitos jornalistas têm copiado essa ideia, como já mencionei. Também deu exemplo de como é possível usar as ferramentas digitais, como as bases de dados, para mostrar a realidade. 

 

ÉPOCA – Julian Assange já reclamou várias vezes de sofrer vigilância de serviços. O senhor se sente vigiado? 

Hrafnsson – Sabemos com certeza que as pessoas ligadas ao WikiLeaks estão sendo investigadas. Isso não é baseado em um sentimento: há um júri esatebelecido no estado de Virgínia para nos investigar. Não temos certeza, mas achamos que nossas contas do Twitter são monitoradas. Temos vários exemplos que sugerem vigilância, mas achamos que ela deve ir muito além do que sabemos. Nunca vimos espiões nos observando, mas sabemos que é possível vigiar à distância. Posso assegurar que isso acontece e é uma ameaça para Assange e para outras pessoas dentro da organização. Esses fatos são muito relevantes para a mídia de todo o mundo porque representam um ataque à liberdade de imprensa. 

 

ÉPOCA – O que o senhor espera da decisão sobre o caso da Suécia contra Assange? 

Hrafnsson – É importante esclarecer, primeiro, que não há nenhuma acusação contra Assange e que, segundo, esse é um caso contra o qual Julian está lutando pessoalmente. A organização não está sendo acusada de nada, não tem nada a ver com o caso. É uma batalha legal levada a cabo por Julian, cuja defesa é custeada por um fundo separado e por recursos pessoais. E muito importante separar a pessoa de Julian da organização nesse caso. 

 

ÉPOCA – O WikiLeaks tem ajudado a custear a defesa de Bradley Manning? 

Hrafnsson – Temos uma clara simpatia pela causa de Manning e apoiamos financeiramente a sua defesa. Prometemos ajudar com uma certa quantia mas a defesa dele já estava paga. Então, decidimos esperar para ver se ele vai precisar de ajuda no futuro. Fora isso, há muito pouco o que podemos fazer a não ser pedir que as pessoas se pronunciem em favor de sua libertação. Ele tem sido mantido em circunstâncias ridiculamente desumanas, que poderiam ser classificadas de tortura, e isso é uma grande vergonha para a administração de Barack Obama. Ele tem sofrido com a privação do sono, a agressão psicológica, e foi obrigado a tirar a roupa, humilhado e mantido em regime de total isolamento por 10 meses. Ficou dentro da cela por 23, 24 horas diárias e sem contato com qualquer outro preso. Ele só podia falar com seu advogado de defesa e com um ou dois amigos. É uma situação ultrajante para qualquer prisioneiro e uma vergonha para um país como os Estados Unidos, que lutam pelos direitos humanos no mundo todo.


 

Assinatura Abraji