• 28.04
  • 2010
  • 15:51
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Jornalistas investigativos driblam caos aéreo para participar de conferência em Genebra

Marcelo Moreira*, de Genebra

Enquanto boa parte do mundo sofria com os efeitos do vulcão que paralisou os principais aeroportos da Europa, deixando milhares de aviões pousados na pista em todo o mundo, em Genebra um grupo de jornalistas suíços se via diante de um momento decisivo. Com a dificuldade de locomoção aérea no planeta, os organizadores da Sexta Conferência Global de Jornalismo Investigativo na Europa temiam que o evento se tornasse um fiasco.

O encontro é promovido pela Global Investigative Journalism Network, rede criada em 2003, em Copenhague, e que reúne hoje 40 associações, entre elas a Abraji. Este ano, o evento foi organizado pela Swiss Investigative Reporters Network , a versão suíça da Abraji.

Mais de 500 jornalistas, de 80 países, estavam credenciados. Gente que teria de atravessar o Atlântico vindo das Américas ou ter de cruzar a África. Mas como, se mesmo um vôo de meia hora entre Zurique e Genebra era impossível? A decisão foi corajosa. E foi transmitida aos participantes via twitter. A Conferência não seria adiada, e o evento iria acontecer como previsto entre os dias 22 e 25 de abril. E na mensagem um desafio lógico aos participantes: "Nós pedimos aos colegas que tentem chegar de qualquer maneira em Genebra. É um encontro de repórteres investigativos e todos saberão como dar seu jeito para chegar aqui, seja qual for o meio de transporte. Tentem formas alternativas."

A decisão foi mais do que acertada, com pouquíssimos cancelamentos e alguns problemas diplomáticos entre jornalistas africanos que não conseguiram visto, o Centro Internacional de Conferências de Genebra reuniu por quatro dias grandes nomes do jornalismo mundial.  Divididos entre um gigante salão principal e outras seis salas menores, mas todas muito bem equipadas, a impressionante marca de 92 painéis foi alcançada entre a quarta-feira e o domingo.

O mote principal foi o de levar uma poderosa mensagem: mesmo em tempos de crise a essência do jornalismo investigativo não deve morrer jamais. O enfraquecimento da economia dos grupos de mídia em todo o globo estaria restringindo o investimento em uma atividade jornalística cara, às vezes demorada, desgastante e que não tem garantias de sucesso. Estaria o jornalismo investigativo virando peça de museu?

Pelo que se viu em Genebra, definitivamente não. A dificuldade é a melhor ferramenta para que o ser humano seja cada vez mais criativo e no meio da adversidade encontre caminhos para levar a frente a nobre missão de informar. Como explicar, por exemplo, que em países como México e Colômbia, onde o assassinato de um jornalista se banaliza a tal forma de quase não ter nem sequer registro nos jornais, os repórteres continuem investigando os cartéis da droga? A impunidade, semeada por uma boa dose de cumplicidade do governo desses países, não cala repórteres que acreditam no seu trabalho e não deixam de fazê-lo, mesmo se em vez do contra-cheque, ele sequer sabe se chega vivo no fim do mês?

Convidados especiais
O congresso teve apenas uma ausência entre os cinco convidados especiais: o juiz espanhol  antiterrorista Baltazar Garzon, um dos responsáveis pelo julgamento do general chileno Augusto Pinochet.

 Para começar os trabalhos, os organizadores revelaram com minutos de antecedência e em grande estilo o nome de quem abriria a conferência. O italiano Roberto Saviano, jornalista autor do livro Gomorra, publicado em 2006 e que revela uma Itália refém até hoje do poder da máfia. Depois de trabalhar várias vezes disfarçado para mostrar os bastidores do crime organizado em Nápoles, Saviano é visto hoje pelo governo de Berlusconi quase que como um inimigo nacional à imagem do país. Como um Salman Rushdie da Itália, tendo que viver permanentemente sob proteção.

No segundo dia, foi a vez do americano Seymor Hersh, que tem muitos prêmios no currículo, entre eles o Pulitzer pela denúncia do massacre promovido pelos soldados americanos na Guerra do Vietnã. Hersh também denunciou as atrocidades na prisão de Abu Ghraib, um outro escândalo para o exército americano, em reportagens para a revista New Yorker. Com uma língua afiada, ele comparou os governantes com jornalistas: "Governos mentem: nós não mentimos, nós erramos, mas não somos mentirosos, essa é a diferença".

O terceiro convidado, o jornalista Stephen Engelberg, falou de uma experiência apresentada como um possível modelo de futuro de negócio para o jornalismo investigativo: o ProPublica, uma organização sem fins lucrativos responsável pelo site (www.propublica.org). Todas as matérias são gratuitas e estão disponíveis para a utilização. A fonte de receita são os próprios leitores, que podem fazer doações pelo site usando o cartão de crédito. Embora o site seja uma experiência de sucesso, ele só vive porque tem por traz uma fundação muito rica que o sustenta. Então ainda fica a grande pergunta: como fazer um modelo de jornalismo investigativo que se sustente?

 O último convidado especial talvez tenha sido o mais aguardado: Munthader Al Zaidi, jornalista iraquiano que atirou um sapato no presidente americano George Bush, quando já em fim de governo, fez um tour em Bagdá. Depois de nove meses preso, Munthader hoje vive no Líbano e luta pela libertação do Iraque do exército americano.

Abraji
A Abraji teve momentos de destaque no seminário. O jornalista David Kaplan, do Centro de Integridade Pública, nos EUA, apresentou em um painel a quantidade de associações de jornalismo investigativo que foram criadas em todo mundo desde a primeira, o IRE, nos anos 70. David citou a Abraji como uma das maiores do mundo e com um exemplo marcante de reação positiva dos jornalistas brasileiros após a morte de Tim Lopes, em 2002.

Ao contrário do que vem acontecendo na América Latina, onde o crime contra jornalistas se banaliza devido à impunidade, à força dos cartéis, à corrupção governamental e a um fraco sistema de Justiça, no Brasil aconteceu o contrário. A morte de Tim fez acender uma luta entre a categoria, para que violência contra jornalistas aqui não fosse tolerada e para que o ataque a um profissional de imprensa fosse sempre tratado como uma ofensa grave à liberdade de expressão e consequentemente à democracia de um país. A Abraji foi citada como um exemplo forte de como este ideal deve ser perseguido.

Essa diferença ficou bem evidente no painel sobre como investigar gangues na América Latina, do qual participei. Foi feito um paralelo entre as mortes de Tim Lopes e do jornalista franco-espanhol Christian Poveda, assassinado em El Salvador este ano por bandidos enquanto investigava as atuações de uma quadrilha na América Central. Ao contrário da reação que tomou conta dos jornalistas brasileiros depois da morte de Tim, em El Salvador, o medo tomou conta da categoria. O crime até hoje permanece impune e o futuro não parece promissor. O salvadorenho Eric Lemus, amigo de Christian, traçou o caso como um perfil muito parecido do que acontece hoje no resto da América Latina.

Tendo viajado nos últimos anos por estes países latinos para estudar o comportamento da violência contra jornalistas, trabalho feito para o International News Safety Institute (INSI), onde há cinco anos sou conselheiro, posso afirmar com orgulho que a experiência da Abraji é um sucesso. E cada vez mais nos fortalecemos como uma associação de jornalistas que trabalha para melhorar a qualidade do nosso jornalismo.

No ano que vem, o encontro vai ser em Kiev, na Ucrânia. Mas em Genebra começou uma conversa para que o Brasil seja uma das próximas sedes. A idéia foi sugerida pelo americano Bruce Shapiro, um dos conferencistas presentes e que em julho estará no congresso da Abraji. Para um país que vai sediar uma Copa e uma olimpíada nos próximos anos, não vai ser difícil né? Sem contar que no Brasil não tem o perigo do vulcão.

Pelo site é possível ler e assistir aos principais vídeos da conferência: confiram em www.gijc2010.ch

*Marcelo Moreira é vice-presidente da Abraji e editor-chefe do RJTV segunda-edição, telejornal local da TV Globo

Assinatura Abraji