- 22.08
- 2020
- 11:45
- Abraji
Acesso à Informação
Jornalistas de Santa Catarina relatam dificuldades em acessar dados sobre pandemia
Desde jun.2020, o governo de Santa Catarina, mergulhado em uma crise política, não promove coletivas de imprensa em Florianópolis sobre a pandemia do novo coronavírus. No dia 10.ago.2020, o boletim epidemiológico do Estado informou que os detalhes dos casos, até então publicados diariamente, não constariam mais nos informes, mas continuariam disponíveis para a população e a imprensa em um arquivo de dados abertos disponível aqui.
Jornalistas relataram à Abraji que quem não tem o conhecimento técnico necessário para interpretar tais informações perdeu acesso a detalhes sobre a disseminação da doença no Estado. Até o momento, quase 2.000 pessoas morreram em Santa Catarina.
Repórteres criticam a baixa qualidade dos dados — ora duplicados, ora em falta—, o que indica problemas na metodologia na hora de colher e registrar as informações.
Cristian Edel Weiss, repórter da NSC, afiliada da Rede Globo em Santa Catarina e responsável desde mar.2020 pelo painel sobre a evolução da crise sanitária no Estado, conta que sua equipe vem rastreando, contabilizando e reportando os registros errados. Ao longo da última semana, foram 28 óbitos duplicados que podem confundir não apenas a imprensa, mas também o Ministério da Saúde, já que o órgão tem como fonte as secretarias estaduais de Saúde.
Ele destaca a situação de uma mulher do meio-oeste catarinense declarada como morta e depois como “recuperada”. “Comecei a cruzar dados para entender por qual motivo aquela linha sobre uma morte tinha desaparecido”. Para apurar esse incidente, Weiss utilizou linguagens de programação que aprendeu em cursos promovidos pela Abraji e pela Escola de Dados. A base disponível aos cidadãos catarinenses tem mais de 125 mil linhas. “A população e até mesmo muitos jornalistas não dominam as técnicas de análise de dados para fazer a tarefa com precisão e agilidade”, opina Weiss.
A secretaria da Saúde de Santa Catarina informou que, devido ao expressivo aumento do número de óbitos por coronavírus, foi necessário automatizar os dados estaduais a partir das informações do sistema de notificações de SRAG (síndrome respiratória aguda grave) e óbitos por covid-19. “Os serviços de saúde são a origem das notificações e informações que são utilizados pelo Estado para monitoramento dos dados”, salienta o órgão.
No começo da crise sanitária, o governador Carlos Moisés (PSL) promovia um espaço de diário de comunicação com a imprensa. Desde jul.2020, ele enfrenta a abertura de um processo de impeachment por suspeita de superfaturamento na compra de respiradores.
Em abr.2020, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Santa Catarina criticou o formato das entrevistas virtuais oferecidas: os repórteres enviavam perguntas previamente por mensagem de texto e cada veículo podia mandar, no máximo, três questões. Jornalistas sinalizaram que não havia espaço para contraponto, e o governo vinha deixando “temas sensíveis de lado”. Na época, a assessoria de imprensa do governo negou qualquer tipo de censura e ressaltou que as coletivas virtuais eram seguidas por vários outros Estados brasileiros, inclusive pelo Ministério da Saúde.
“O problema foi resolvido. Mas agora temos outra questão. Não há mais coletivas em Florianópolis desde que o pedido de impeachment do governador está em tramitação”, comenta um repórter que não quer ser identificado.
O que diz o governo
O governo catarinense vem disponibilizando ferramentas que contribuem com a transparência, como painéis de informação e dados em formato aberto sobre indicadores relevantes da crise sanitária, desde que apareceu com resultado “ruim” na primeira avaliação de transparência na pandemia da Open Knowledge Brasil, em 3.abr.2020. Até jul.2020, quando a entidade avaliadora alterou sua metodologia, Santa Catarina evoluiu de dez para 95 pontos, de 100 possíveis.
Para Luiz Fernando Toledo, diretor da Abraji, mestrando em administração pública na FGV-EAESP, a divulgação de informações públicas em formato aberto pode ser algo positivo por dar à população a capacidade de elaborar suas próprias análises, sem ficar refém de textos oficiais. Mas, se esses dados tiverem imprecisões ou erros não forem corrigidos, corre-se o risco de desinformar. “É fundamental que o órgão responsável pelos dados faça as correções necessárias e auxilie os jornalistas a entender o que eles representam”, afirma.
Procurada, a assessoria de imprensa do governo catarinense declarou que foram testadas diferentes estratégias de comunicação ao longo da crise. Reconheceu que o número de coletivas diminuiu, mas disse que a prioridade agora é atender aos veículos de imprensa do interior. Ainda segundo a assessoria, a equipe continua fazendo atendimentos pontuais e individuais a jornalistas, e que o secretário da Saúde, André Motta Ribeiro, também concede entrevistas individuais regularmente.
foto: Leonardo Souza /PMF