Jornalismo sem Trégua: “Acredite no potencial transformador do jornalismo e seja idealista sempre”, afirma Chico Otávio
  • 27.09
  • 2024
  • 14:23
  • Ramylle Freitas

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Jornalismo sem Trégua: “Acredite no potencial transformador do jornalismo e seja idealista sempre”, afirma Chico Otávio

Em live da Abraji, o jornalista Chico Otávio, autor de sete livros e professor da PUC-Rio, falou sobre construção de imagem e credibilidade dos profissionais e compartilhou seus métodos de trabalho e apuração. A entrevista, conduzida por Angelina Nunes, coordenadora do Programa Tim Lopes, faz parte da série Jornalismo Sem Trégua e foi transmitida no Instagram da Abraji em 18 de setembro, mas pode ser conferida integralmente neste link.

Mencionando o livro “Os porões da contravenção”, obra feita por ele e Aloy Jupiara (já falecido), o professor falou sobre reputação profissional. Ele relembrou um momento em que um bicheiro apareceu com o livro em mãos, com várias páginas marcadas, e alguém perguntou “você vai processar os autores?” e o bicheiro respondeu: “deixa o Chico Otávio, ele é idealista. Eu só não quero que ele ponha na minha conta aquilo que eu não fiz”. 

“É uma frase que guardei para o resto da minha vida. É você ser preciso na apuração, jogo aberto, transparência [...] 40 anos de profissão, você vai construindo essas relações usando essas ferramentas, a credibilidade, estar de um lado bem definido da história. E hoje eu me orgulho de raramente ter perdido uma fonte. Acho que talvez seja meu grande triunfo, na minha agenda eletrônica, existir nomes que estão ali há décadas e, toda vez que preciso recorrer a eles, eles nunca falharam”, comentou o jornalista sobre o episódio. 

Sobre a preparação para realizar uma pauta, Chico Otávio reitera a importância de mostrar domínio do assunto através da leitura, interesse e curiosidade para saber com propriedade o que está perguntando para obter o que você precisa daquela história. “Eu vivo falando isso para os meus alunos: pesquisem, procurem se impregnar no assunto, mergulhem fundo, para não falar besteira. Porque a fonte te mede pela primeira pergunta, se ela percebe que você está 'boiando', ela vai relaxar, te desprezar, abandonar a entrevista, dizer qualquer coisa”, destacou. 

De repórter a escritor 

A transição de Chico Otávio de repórter para escritor e como ele conseguiu transformar uma reportagem em profundidade em um livro começou com a história dos ex-agentes da repressão que migraram para o crime organizado. 

“No meu caso, eu me toquei para essa história quando eu consegui entrevistar o torturador Paulo Malhães, coronel do Centro de Informações do Exército (CIE), e ele começou a contar as coisas e, num dado momento, ele disse que se sentiu traído pelo Exército. Naquele momento, a gente está falando de 1985, da redemocratização, quem o recebeu de braços abertos foi a contravenção. Ele tinha uma admiração grande por um dos grandes cabos da contravenção que o acolheu em Nilópolis; e aí eu me toquei que isso não era um caso isolado, que era um processo e que outros agentes teriam seguido o mesmo caminho”.

Ao conversar com Aloy sobre o assunto, Chico conta que também havia percebido as mesmas coisas que o colega de trabalho. “Então a gente juntou as nossas informações e propusemos uma série no O Globo. Mas a gente tinha tanta informação apurada que uma série de oito dias, de um domingo a outro, foi pouca pela quantidade de histórias que a gente tinha. Foi aí que veio a ideia de fazer um livro. E foi aí que abracei a causa do livro-reportagem”, relembrou.

“E é engraçado porque alguns (livros) nasceram das minhas reportagens, daquilo que eu publicava no jornal, de uma maneira muito picotada, digamos assim. E eu, vendo ali uma necessidade de dar um sentido, uma narrativa única. Até que agora eu consegui fazer um livro que não nasceu de uma reportagem minha, ele já nasceu como um projeto de livro-reportagem, ele não migrou das páginas dos jornais para um projeto de um livro”, compartilhou. 

Insegurança e exposição

No ambiente de apuração e produção de reportagens sobre temas sensíveis, a insegurança pode vir a ser uma ameaça aos jornalistas. Sobre isso, o escritor fala sobre a importância da responsabilidade jornalística ao cobrir tópicos sensíveis e como ela pode te proteger nessas situações. 

“O que mais me protege é a responsabilidade jornalística, sabe? Primeiro, deixar claro que eu tenho um lado na história, e eu não me misturo, e todo mundo sabe o que eu penso, como eu faço, o que eu escrevo, eu deixo isso muito claro. E, de certa forma, eu sou respeitado por isso. E eu acho que de certa forma também, isso me protege”, comentou.

O repórter também compartilha a sua opinião sobre o jornalismo e as redes sociais, alertando sobre o cuidado que se deve ter com o que é postado na internet e falando sobre como aproveitar as redes sociais na hora de escrever uma matéria. “Eu acho que a rede social hoje mais ajuda do que atrapalha porque ali circula muitas informações que são vitais para uma apuração.”

“Pessoas estão te vendo o tempo inteiro, então é claro que você precisa ser muito mais cauteloso, porque as pessoas passaram a saber quem você é, e passaram a prestar atenção naquilo que você está dizendo e fazendo no espaço público”, alertou.

Queda livre

A trajetória do jornalista com o seu mais recente livro “Queda Livre: A história de Glaidson e Mirelis, faraós dos bitcoins”, em parceria com a também jornalista Isabela Palmeira  começou quando ele ainda era repórter do O Globo, onde trabalhou por décadas. “Cobri os primeiros momentos depois da operação Kryptos em agosto de 2021, que foi a operação da Polícia Federal que prendeu Glaidson Acácio dos Santos.” Foram três anos de investigação para Chico e Isabela escreverem o livro “Queda Livre”.

Ele compartilha sua paixão pelo jornalismo com a seguinte dica: “Acredite no potencial transformador do jornalismo e seja idealista sempre. Tenha fé que com o seu trabalho de reportagem, você pode mudar o mundo. E é isso que eu penso até hoje”.

Chico Otávio tem mais de 40 anos de experiência no jornalismo e foi um dos repórteres mais premiados de O Globo. Atualmente é professor da PUC-Rio e participa do Jornal da Tupi. É autor de sete livros como "Mataram Marielle", com Vera Araújo, e "Massacre em Vigário Geral: os 30 anos da chacina que escancarou a corrupção policial do Rio", com Elenilce Bottari e Elba Boechat.
 

Assinatura Abraji