- 13.12
- 2022
- 19:00
- Abraji
Liberdade de expressão
Acesso à Informação
Itamaraty investigou relação de diplomatas com jornalista, mas arquivou sindicância
O Ministério das Relações Exteriores (MRE) abriu sindicância para apurar o suposto vazamento de informações para um jornalista brasileiro que cobre a atuação do Itamaraty nas Nações Unidas há pelo menos 20 anos. Diplomatas receberam uma instrução do MRE inquirindo sobre suas relações com o colunista do UOL Jamil Chade. Mais que isso, os funcionários públicos foram surpreendidos com uma pergunta que estimulava a delação. Entre as questões enviadas por telegrama, havia esta: "Sabe de outros diplomatas que tenham relações profissionais ou particulares com o jornalista?"
A investigação sigilosa foi revelada em artigo de Chade nesta segunda-feira, 12.dez.2022. Foi uma situação que o repórter, que já foi correspondente do Estadão em Genebra, jamais viveu em outras gestões do governo brasileiro. A sindicância foi instaurada por causa de uma reportagem de 6.out.2020, sobre o alinhamento do Brasil aos países islâmicos e sua posição de ignorar resolução da ONU sobre proteção às mulheres. Esse tipo de apuração faz parte do trabalho regular de um correspondente ao tentar antecipar ao leitor qual será a posição de seu país em uma votação. Não trazia dados sensíveis. De acordo com Jamil Chade, sobre o telegrama com o questionário e a sindicância, foi imposto um sigilo de 15 anos. Ou seja, só se terá acesso ao documento em 2035.
O direito ao sigilo da fonte é um preceito constitucional garantido aos jornalistas. Com a sindicância, o Itamaraty buscou mapear a relação de um correspondente, sediado em Genebra, com diplomatas de carreira, desconsiderando que o relacionamento de profissionais de imprensa com diplomatas em missões no Exterior ou em qualquer posto do país é essencial para o exercício da reportagem.
"Mais do que descobrir o suposto vazamento, esse tipo de sindicância nos pareceu uma maneira de intimidar os diplomatas e constrangê-los, dificultando o trabalho do jornalista. O teor das perguntas indica que o que se queria saber é quem tinha contato com Jamil Chade, passando uma mensagem, inclusive como forma de desestimular contatos futuros", afirmou a presidente da Abraji, Katia Brembatti.
A denúncia de Chade sobre a investigação acendeu um alerta para o Instituto Vladimir Herzog, que enviou documento questionando o Itamaraty sobre esse tipo de procedimento e o resultado da sindicância. De acordo o instituto, "os fatos revelados evidenciam uma preocupante perseguição a diplomatas que atuam a serviço do Estado brasileiro e, mais do que isso, revelam uma inaceitável tentativa de inibir o trabalho de um dos mais respeitados representantes da imprensa nacional e internacional".
A Abraji enviou questionamento ao MRE, que afirmou que instaurou a sindicância como procedimento previsto na legislação seguida pela Chancelaria. De acordo com o ministério, a sindicância foi arquivada por falta de provas.
"No contexto da sindicância objeto da consulta, perguntas foram enviadas a alguns diplomatas com o único objetivo de instruir os trabalhos investigativos de comissão sindicante, levando em conta a particularidade do caso específico. Por falta de materialidade, a investigação foi arquivada", diz a nota.
"Nos casos de suspeita de fornecimento indevido de informações sigilosas, portanto, é obrigatória a instauração de procedimento investigativo, sob pena de responsabilização da autoridade que teve ciência dos fatos", afirma ainda o texto.
A íntegra da manifestação do MRE
O art. 143 da Lei 8.112/1992 (Regime Jurídico dos Servidores) determina que a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a apuração imediata. O art. 116, inc. VIII, estabelece que é dever do servidor guardar sigilo sobre assunto da repartição. Além disso, o art. 132, inc. IX, prevê pena de demissão para a hipótese de revelação de segredo do qual o servidor tenha se apropriado em razão do cargo.
A Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), em seu art. 25, atribui ao Estado o dever de controlar o acesso e a divulgação de informações sigilosas produzidas por seus órgãos e entidades, assegurando a sua proteção. O § 1º determina que o acesso, a divulgação e o tratamento de informação classificada como sigilosa ficarão restritos a pessoas que tenham necessidade de conhecê-la e que sejam devidamente credenciadas. O § 2º estabelece que o acesso à informação classificada como sigilosa cria a obrigação para aquele que a obteve de resguardar o sigilo. O art. 32 prevê como condutas ilícitas que ensejam responsabilidade do agente público a (a) a utilização indevida de informação que se encontre sob sua guarda ou a que tenha acesso ou conhecimento em razão do exercício das atribuições de cargo (inc. II); e (b) a divulgação indevida à informação sigilosa (inc. IV).
A Lei 11.440/2006 (Regime Jurídico dos Servidores do Serviço Exterior Brasileiro), em seu art. 29, inc. I, prevê que, além das proibições capituladas no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União, ao servidor do Serviço Exterior Brasileiro é proibido divulgar, sem anuência da autoridade competente, informação relevante para a política exterior do Brasil, a que tenha tido acesso em razão de desempenho de cargo no Serviço Exterior Brasileiro.
Nos casos de suspeita de fornecimento indevido de informações sigilosas, portanto, é obrigatória a instauração de procedimento investigativo, sob pena de responsabilização da autoridade que teve ciência dos fatos.
Tal procedimento somente pode ser instaurado em relação a servidores públicos. Nenhum jornalista ou pessoa que não pertença aos quadros do serviço público pode ser investigado por este procedimento.
No contexto da sindicância objeto da consulta, perguntas foram enviadas a alguns diplomatas com o único objetivo de instruir os trabalhos investigativos de comissão sindicante, levando em conta a particularidade do caso específico. Por falta de materialidade, a investigação foi arquivada.
Por outro lado, no que se refere à relação do Ministério com profissionais da imprensa, o Itamaraty mantém canais abertos com veículos de comunicação e jornalistas através de sua Assessoria Especial de Imprensa e dos setores de imprensa de seus Postos no exterior.
Foto de capa: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil