• 24.04
  • 2015
  • 13:14
  • IFEX

Internet.org: impasse entre internet gratuita e controle dos usuários

Durante a VII Cúpula das Américas, que aconteceu nos dias 10 e 11 de abril no Panamá, presidentes de uma série de países da América Latina, incluindo o anfitrião panamenho Juan Carlos Varela, Cristina Kirchner da Argentina, Dilma Rousseff do Brasil, e Ollanta Humala do Peru, posaram em uma foto com um convidado especial: Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook e representante do Internet.org.

O Internet.org é um projeto liderado pelo Facebook, que junta companhias tecnológicas, ONGs e comunidades locais com o objetivo, como diz a própria descrição em seu website, de conectar “dois terços do mundo sem acesso à internet.” Junto ao Facebook estão companhias como Nokia, Ericsson, Qualcomm e Samsung, colaborando em um projeto para criar e distribuir ferramentas e funcionalidades que proporcionam serviços básicos gratuitos em mercados onde o acesso à internet pode ser menos difundido. Desde 2014, eles têm provido acesso a uma série de aplicativos básicos (fornecimento de dados sobre clima e saúde, informações de classificados e informações sobre bibliotecas) em alguns países da África e Ásia. No começo de 2015, o Internet.org também lançou bases na Colômbia, Guatemala e Panamá. O Paraguai foi um país de testes beta para o Facebook Libre desde 2013.

As metas do Internet.org  são baseadas em um problema real: a exclusão digital. Milhões de pessoas no mundo todo não têm acesso à internet, e esse é um problema urgente a ser resolvido no futuro próximo. No entanto, uma das propostas da iniciativa, a de taxa zero, diz que pessoas com poder econômico baixo vão ter acesso gratuito apenas a certas partes da internet. Essa parte será decidida entre as grandes corporações que fazem parte do Internet.org. Para aumentar a confusão, os governos envolvidos estão promovendo essa segmentação da internet como um objetivo de política pública.

Os usuários do Internet.org vão ser cortados do “oceano” da internet que o restante do mundo habita, onde a rede inteira é disponível para o uso, sem discriminação ou priorização de certos aplicativos. No lugar, eles vão utilizar uma internet “compartimentada”, em que terão que pagar uma taxa extra para todos os serviços que não fazem parte do plano gratuito (por exemplo, sites de pequenos negócios, desenvolvedores de aplicativos independentes, e serviços inovadores).

 

Colômbia 

“Nós estamos formando uma ótima aliança - Facebook e Colômbia - para dar acesso a milhões de colombianos que, de outra forma, não conseguiriam ter acesso à Internet”

- Presidente colombiano Juan Manuel Santos, em 14 de janeiro, durante o lançamento no Internet.org no país.

 

Ativistas locais já avisaram mais de uma vez que o Internet.org tem mais desvantagens do que beneficios. A Fundação Karisma, da Colômbia, declarou categoricamente que “Internet.org não é internet”, chamando a atenção para as práticas anti-concorrenciais e a falta de proteção de privacidade. Carolina Botero, diretora executiva da Foundação Karisma, compartilhou a postura do grupo de Bogotá:

“Nós temos sérias preocupações de que a Internet.org seja apresentada como uma estratégia de política pública para o acesso universal à internet. A iniciativa compromete o direito de todos, e distorce a obrigação governamental de reduzir a exclusão digital para os cidadãos acessarem certos aplicativos. Não importa quão interessante eles sejam, esses serviços estão associados com um interesse comercial de uma multinacional que o Estado está apoiando diretamente.”

A RedPaTodos, uma coalizão para usuários da internet na Colombia, acrescenta que a Internet.org nunca vai ser gratuita, como foi anunciado, porque o custo vai ser pago pelos usuários com seus dados pessoais.

 

Et tu, Brasil? 

O maior pais da América Latina, que tem sido líder em defender nas Nações Unidas o direito à privacidade na era digital, o desenvolvedor do Marco Civil da Internet e da organização do NETMundial, vem se preparado para aderir ao Internet.org, apesar de criar uma contradição aparente entre sua agenda internacional e nacional.

Depois da presidente Rousseff e Zuckerberg terem se encontrado no Panamá para discutir o futuro da versão brasileira do Internet.org, políticas de acesso público à internet, neutralidade da rede e privacidade entram em um impasse.

Inicialmente, o governo federal do Brasil e o Facebook alegaram que levariam inclusão digital pra a região de Heliópolis, área pobre de São Paulo. Ativistas brasileiros como Sergio Amadeu, João Carlos Caribé e Raphael Tsavkko responderam que o acordo entre Rousseff e o Facebook prejudicará as fortes determinações de neutralidade da rede contidas no Marco Civil da Internet.

 

Peru e Panamá 

Seguindo o anúncio do lançamento do Internet.org para o Panamá, em parceria com a companhia de telecomunicações Digicel, o Instituto Panamenho de Direito e Novas Tecnologias (IPANDETEC) lançou uma petição pedindo ao presidente Varela para proteger a neutralidade da rede na América Central.

Outro encontro-chave entre Zuckerberg e o presidente do Peru, Ollanta Humala, discutiu a possibilidade da implementação do Internet.org no país, onde 66% da população não tem acesso à internet.

 

A visão de internet gratuita do Internet.org é limitada em pesquisa e acesso, exatamente os limites que os governos da América Latina estão procurando eliminar, quando deveriam trabalhar para acabar com a exclusão digital. E existem muitas perguntas que os governos locais deveriam fazer ao Internet.org em relação à sua proteção de privacidade: será que o maior impacto do projeto será tornar a informação mais acessível na América Latina, ou fazer a informação pessoal dos latino-americanos ser mais acessível ao Facebook, e consequentemente ao governo norte-americano?

É verdade que o Facebook não será o único aplicativo disponibilizado pelo Internet.org. O pacote gratuito inclui recursos abertos, como o excelente Wikipedia. Mas o problema é mais profundo do que simplesmente a quais sites os usuários devem ter acesso subsidiado. Ele está no conceito de que o Facebook e seus parceiros corporativos, ou governos, estarão aptos a privilegiar um serviço ou site em detrimento do outro. Apesar das boas intenções do Facebook e do punhado de empresas aliadas, o Internet.org efetivamente deixa os usuários sem uma internet real na região.

Assinatura Abraji