• 03.06
  • 2005
  • 07:24
  • Thiago

Informação do governo é informação pública

DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS JORNAIS

Mozart Carvalho

Qual a sua definição de informação pública?
Informação pública é todo documento produzido no âmbito do Estado. Ou seja, tudo aquilo que é produzido por todos os funcionários públicos. Ao longo da história, o Estado brasileiro nunca tratou o acesso a informações públicas de maneira objetiva e prioritária. O resultado é que temos uma legislação porosa. Embora a Constituição Federal assegure o acesso da população a informações públicas, há um vazio jurídico que não permite o pleno exercício desse direito.

Você considera mesmo necessária uma legislação específica? Não seria o caso de o Estado apenas cumprir o que está na Constituição?
Alguns argumentam que temos leis demais. Acho errado pensar assim. Para o bem ou para mal, a tradição no Brasil é do direito escrito. Não somos o Reino Unido com a sua common law. Mesmo nos Estados Unidos, cuja tradição são leis sucintas, também há uma lei específica sobre acesso a documentos públicos. Mas só uma Lei não resolve. Os funcionários públicos, no Brasil, não são instados a pensar que cada papel redigido dentro de uma repartição pode um dia tornar-se público. Logo, não há preocupação com transparência e clareza. A população muitas vezes reclama do serviço de saúde ou do buraco no asfalto, mas não sabe como obter informações. Qualquer cidadão deveria se sentir à vontade para, por exemplo, ir à prefeitura requerer a documentação sobre os serviços de coleta de lixo de seu bairro. Mas ninguém faz isso.

Qual é hoje o nível de dificuldade quando se deseja obter uma informação pública?
A dificuldade maior é que não existe cultura de acesso à informação pública. Basta qualquer pessoa pedir um documento em uma repartição governamental para sair frustrado. Não há um procedimento padrão. A quem deve se dirigir quem precisa de informações sobre a Funai? E sobre a reforma agrária? Não há um guichê de acesso. O governo muitas vezes confunde as coisas, pois criou alguns bons sites na internet, mas divulga apenas o que lhe interessa. São migalhas perto do que guarda a administração pública.

O Judiciário, na sua opinião, tem o direito de negar a liberação de alguma informação pública, como ocorreu recentemente com um jornal que viu negado seu pedido para acessar a declaração de bens de políticos?
O Judiciário não deve ser condenado pelo fato de o Legislativo não ter redigido leis claras e objetivas. É sempre possível que algum juiz seja mais ou menos liberal, dado o vácuo jurídico que existe no momento. Mas não é apenas responsabilidade do magistrado decidir o que pode e o que não pode ser divulgado. Muitas vezes, como a lei é imprecisa, eles optam pelo sigilo.

Como é a situação em outros países? Quais são as legislações mais liberais?
Segundo relatório de David Banisar, da Universidade de Leeds e do Freedom of Information Project da organização Privacy International, em 2004 havia 57 países com legislação específica sobre acesso a documentos públicos, no sentido de dar alguma facilidade ao público nessa área. O Brasil não se inclui nesse grupo, pois tem várias leis a respeito, mas para restringir e não para facilitar o acesso às informações governamentais. As legislações mais liberais são as dos países nórdicos, mas a mais famosa é o Freedom of Information Act, dos Estados Unidos. Aprovado em 1966, depois de 12 anos de amplo debate, o FoIA, como é conhecido, é um dos principais instrumentos para os cidadãos norte-americanos exercerem severa fiscalização sobre seus governantes. O prazo máximo para a liberação dos documentos públicos nos EUA é de 30 anos.

A legislação brasileira mais recente muda alguma coisa? Qual o temor dos governantes do País a respeito?
Essa lei permite que documentos considerados ultra-secretos permaneçam em sigilo por exagerados 60 anos, mas o pior é que dá a uma Comissão coordenada pela Presidência da República o poder de estender esse prazo indefinidamente. Motivo? Quanto ao temor, o que se diz extra-oficialmente é que seria temerário divulgar documentos ainda reservados da Guerra do Paraguai e sobre as fronteiras do Brasil com seus vizinhos. Ora, mesmo que possam conter informações desabonadoras sobre figuras históricas brasileiras, não haveria risco de o Paraguai declarar guerra contra o Brasil nem de Bolívia ou Peru passarem a requerer alguns hectares a mais para seus territórios. Afinal, são plenamente conhecidos os documentos sobre a anexação do Texas, Califórnia e outros estados que eram, originalmente, parte do México. E nem por isso há guerra entre EUA e México.

Muitas vezes os jornais divulgam informações públicas - como salários de autoridades e declarações de bens de políticos - e são condenados na Justiça em processos por danos morais. Como pode uma informação pública justificar esse tipo de condenação?
Isso é um atentado à liberdade de imprensa e uma afronta ao direito de informação. Quem entra na vida pública deve estar ciente de que sua vida terá de ser mais aberta. Por exemplo, todos os políticos devem entregar suas declarações de bens à Justiça Eleitoral antes de se candidatarem a qualquer cargo. A razão dessa exigência é permitir ao eleitor ter acesso a mais uma informação sobre aquele que poderá merecer seu voto. Mas, infelizmente, nem sempre a Justiça Eleitoral faculta ao público o acesso a esses dados. A falta de uma lei, nesse caso, é que dá margem para a Justiça Eleitoral recusar-se a fornecer o dado. E, posteriormente, para que alguém processe o meio de comunicação que consiga divulgar a informação.

Que tipo de mobilização está sendo feito para melhorar o acesso à informação pública em nosso País?
O tema acesso a informações públicas ainda não faz parte da agenda prioritária da maioria dos brasileiros. É compreensível. O Brasil é um país de muitas carências. Mesmo assim, desde 2003 começou a se formar um consenso entre alguns setores da sociedade brasileira a respeito da necessidade de um maior acesso a informações públicas. Em setembro de 2003, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) promoveu, em Brasília, um seminário internacional sobre o tema. A ANJ apoiou e esteve presente em um dos painéis, assim como outras entidades, como Ordem dos Advogados do Brasil, Transparência Brasil e outros, além de congressistas. Em 25 de novembro de 2004 foi lançado o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, do qual fazem parte 18 entidades de vários setores, entre elas ANJ, Abraji, OAB, Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais, Associação dos Juízes Federais, Associação Nacional dos Procuradores da República, Federação Nacional dos Jornalistas, Grupo Tortura Nunca Mais - RJ, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, e Transparência Brasil. O objetivo é promover o debate e incentivar a sociedade a demandar um maior acesso a documentos públicos.

RECOMENDAÇÕES

Estudioso do tema, o jornalista Fernando Rodrigues faz algumas recomendações sobre o acesso a informações e documentos públicos considerados sigilosos:

-Se o Brasil vier a ter uma lei algum dia, será necessário implantá-la em etapas: 1) dar um prazo de um a dois anos para que a administração pública se adapte; 2) nesse período, fazer uma campanha de esclarecimento para a população, ensinando as pessoas sobre esse novo direito; 3) criar um órgão regulador independente, com diretores com mandatos fixos e aprovados pelo Congresso, para supervisionar e garantir a qualidade do acesso a informações públicas; 4) dotar o Orçamento Federal da União de recursos para que tudo possa ser efetivado. Quanto ao dinheiro necessário, vale lembrar que só em 2003 os Estados Unidos gastaram US$ 323,1 milhões para atender todas as 3.266.394 demandas por informações públicas. Aliás, só 5% dessas demandas partiram de jornalistas. A maior parte, cerca de 40%, foram de empresas, e outros 25 por cento de advogados. Isso mostra que o acesso a documentos públicos não é útil apenas para jornalistas ou veículos de comunicação, mas para toda a sociedade.

-Para ser cumprida, uma lei sobre a matéria deveria normatizar a forma como as administrações públicas forneceriam as informações e os documentos requeridos pela população.

-Não se trata apenas de ter uma lei. É necessário que o governo enxergue nessa medida uma necessidade para modernizar o Estado. Nesse caso, terá de gastar dinheiro para promover um sistema que facilite o acesso da população aos documentos públicos. E não é fácil encontrar um gestor público que tenha desprendimento para aumentar o gasto público para que a população tenha mais poderes de fiscalização.

-O projeto de lei de autoria do deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) é uma boa iniciativa, mas certamente terá de receber emendas para se transformar em uma verdadeira lei de acesso. Tanto o deputado Reginaldo Lopes como o deputado Mendes Ribeiro (PMDB-RS), relator do PL, já declararam estar abertos a sugestões, o que é uma boa notícia. O problema é convencer o Poder Executivo de que se trata de um assunto relevante.
Assinatura Abraji