• 10.11
  • 2010
  • 12:48
  • Observatório da Imprensa

"Imprensa, sim, e sem censura"- Carlos Brickmann, para o Observatório da Imprensa

São dias de boas notícias para a liberdade de imprensa:

1 - A presidente eleita Dilma Rousseff fez um discurso de defesa explícita da liberdade de imprensa e prometeu zelar por ela;

2 - Dois jornalistas de primeiro time, Eugênio Bucci e Ricardo Kotscho, ambos ligados ao presidente Lula, ambos ex-colaboradores de seu Governo, tomaram posição aberta e firme em favor da liberdade de imprensa. Sua posição democrática já era conhecida, mas vale ressaltar a coragem de, no calor da eleição, declará-la publicamente; 

3 - Dois historiadores importantes, Carlos Fico e Jesse Jane Vieira, se rebelaram contra a política do Projeto Memórias Reveladas, cuja função deveria ser abrir e manter disponíveis os documentos da ditadura militar, mas que restringiu o acesso ao material alegando que as informações poderiam ser utilizadas na campanha eleitoral. Carlos Fico e Jesse Jane, num país em que agarrar-se aos cargos parece um comportamento natural, preferiram sair, para não compactuar com a política restritiva de informações.

4 - uma ativa organização de jornalistas, a Abraji, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, tomou posição aberta e militante em favor da abertura dos documentos e defendeu a promulgação de uma lei de acesso a informações públicas.

A declaração da presidente Dilma seria ainda melhor se, em vez de prometer zelar pela liberdade de imprensa, assumisse o espírito da Primeira Emenda da Constituição americana e se declarasse disposta a lutar contra qualquer interferência na liberdade de expressão. Mas o que disse já foi excelente - especialmente depois que o presidente Lula, em várias declarações, defendeu a liberdade de "divulgar informações corretas" (e quem decidirá se as informações são corretas?), e parlamentares do PT, em movimento articulado, se mobilizaram em vários Estados para criar comissões de controle da imprensa.

Bons ventos, enfim. E que, além de bons, podem anular os furacões que se formavam no horizonte.

 

Bucci

A posição de Eugênio Bucci, publicada originalmente no O Estado de S.Paulo, pode ser encontrada neste Observatório sob o título "Imprensa e Poder - que a liberdade seja mesmo irrestrita". Vale a pena.

 

Kotscho

A entrevista de Ricardo Kotscho aos repórteres Juliana Iooty e Rafael Spuldar, publicada pela BBC Brasil há pouco mais de um mês, antes do primeiro turno, tem como ponto principal a constatação de que "o recente confronto entre o governo e a mídia tem efeitos nocivos para o Brasil (...) Criou-se um clima de beligerância que não é bom, não é bom para o governo, não é bom para o país, não é bom para a mídia". Kotscho faz duras críticas ao comportamento da imprensa, critica também o presidente Lula por sair a público criticando os veículos de comunicação. Mesmo agora, mais de um mês depois de sua publicação, traz a análise de um jornalista que, em sua vasta biografia, esteve de maneira competente e séria nos dois lados do balcão. O endereço é http://noticias.uol.com.br/bbc/2010/09/28/briga-entre-governo-e-midia-e-ruim-para-todos-diz-ricardo-kotscho.jhtm.

 

Abraji

A Abraji, na crítica à censura imposta aos documentos da ditadura militar, merece também leitura mais atenta: http://abraji.org.br/?id=90&id_noticia=1312.

A tomada de posição de jornalistas, entidades e da presidente eleita é importante; mais importante, ainda, é a conjugação de suas manifestações, sempre no sentido de derrubar as ameaças à liberdade de informação. É correto discutir a propriedade cruzada dos meios de comunicação (deve-se permitir que a mesma empresa tenha TV, rádio e jornal na mesma região?), é correto discutir o cerceamento ao direito de resposta, é correto criar mecanismos que permitam, fora da lenta tramitação da Justiça, a rápida reação dos atingidos por reportagens. Nesses casos, quando a Justiça tarda já falhou. Mas que nem se discuta a limitação do direito de informar, nem sequer se as notícias são corretas ou não: o leitor, ouvinte, telespectador, internauta, o consumidor de informação em geral é perfeitamente capaz de trocar suas fontes de notícias, se estas se revelarem falhas. 

Há alguns anos, a discussão que havia era sobre o mundo-cão na TV, muita gente exigindo censura para evitar que aquela sujeirada invadisse seus lares. Este colunista sempre teve uma posição muito clara: o botão de trocar de canal e o botão de desligar podem ser utilizados a qualquer momento. Não é preciso chamar nenhuma doutora Solange da Censura para desligar a TV por nós, nem para mudar de canal.

 

Sem concessões

Primeiro resultado da censura do Projeto Memórias Reveladas à divulgação de documentos da ditadura: Abraji e Transparência Brasil suspenderam a participação no seminário sobre Direito de Acesso que o órgão realiza dia 23, no Rio. "A recusa do Arquivo Nacional em franquear acesso a documentos de domínio público, aliada aos argumentos alegados para tal recusa, mostram que a instituição tem agido de forma incompatível com a própria motivação do seminário em questão", disse Cláudio Weber Abramo, da Transparência, em carta ao diretor-geral do Arquivo Nacional, responsável pelo Projeto Memórias Reveladas.

A Transparência Brasil e a Abraji são pioneiras na luta pelo direito de saber. Ambas integram o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas.

 

Boa, ministro

O ministro da Educação, Fernando Haddad, acabou com a besteirada daquele sub do sub do sub que queria censurar As Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato: foi gentil, abriu várias possibilidades ao Conselho Nacional de Censura (ops, de Educação), menos uma: a de aprovar a censura. "É incomum a quantidade de manifestações que recebemos de pessoas que não vêem nenhum prejuízo em que a obra continue sendo adotada nas escolas", disse Haddad. E garantiu que o parecer do CNE, tão logo chegue às suas mãos, será devolvido. Sem aprovação do ministro, nenhuma decisão do conselho pode entrar em vigor.

 

Corrigindo!

Com relação à nota da semana passada, "Não valeria a pena, para os meios de comunicação, tentar ouvir o responsável pela má ideia? Ele ainda pode se arrepender. Pode até parar de babar na gravata e se convencer a trocar a dieta de capim, tão restrita, por pratos mais variados", o grande Sandro Vaia encaminha a correção, por uma questão de justiça: a Folha o ouviu, sim. Registrado.

 

Uma história mal contada

O caso da demissão do jornalista Dawlton de Moura Borges do Diário do Nordeste, de Fortaleza, jornal pertencente à família do senador Tasso Jereissati, por ter publicado um caderno de seis páginas com o título "Revoluções Ontem e Hoje", em 17 de outubro último, é uma das histórias mais esquisitas dos últimos tempos. Este colunista não vai nem entrar na questão de liberdade de imprensa. Mas, depois de muitos e muitos anos de Redação, sabe direitinho que ninguém publica um caderno de seis páginas sem autorização de seus superiores. Isso simplesmente não existe. E, se os superiores aprovaram, o assunto trabalhista está esgotado: não há o que reclamar do editor.

Mais: um tema que o jornal considera tão importante que valha seis páginas não é acompanhado por ninguém da cúpula? Ninguém leu nada do que iria ser publicado? Então o problema não é do editor que foi demitido: é de seus chefes, que se omitiram na supervisão daquilo que seria publicado.

O resto é história da carochinha. 


Assinatura Abraji