- 08.06
- 2018
- 15:26
- Rafael Oliveira
Acesso à Informação
Identificação é entrave para jornalistas na solicitação de informações via LAI
A proteção dos dados de quem faz pedidos de informação via Lei de Acesso a Informações (LAI) ainda é problemática, segundo a publicação “Identidade Relevada - Entraves na busca por informação pública no Brasil”. O trabalho da ARTIGO 19, lançado em 15.mai.2018, traz 16 casos em que a circulação da identidade dos requerentes por vários setores de órgãos públicos gerou dificuldades no acesso a informações públicas.
A situação é especialmente complicada quando o solicitante é identificado como jornalista. Em metade dos 16 casos, comunicadores foram alvos de intimidação ou tratamento inadequado. “No caso dos jornalistas, por serem pessoas conhecidas, é mais fácil a identificação do nome e há maiores informações sobre eles no Google, por exemplo”, explica Joara Marchezini, oficial de Projetos de Acesso à Informação da ARTIGO 19.
Para ela, ser identificado como comunicador é uma “complicação a mais” na hora de ter respostas a pedidos. “No caso dos jornalistas, existe o receio do órgão público em relação à divulgação massiva daquela informação, o que pode levar a uma tendência de dificultar a informação nos casos em que possa ser considerada sensível ou prejudicial à imagem do órgão”, diz Marchezini. Além disso, a especialista aponta o encaminhamento de pedidos feitos via sistema de e-SIC para assessorias de imprensa como uma demonstração do tratamento diferenciado que é dado aos jornalistas.
É o caso de Luiz Fernando Toledo, repórter de O Estado de S. Paulo. Em solicitação via LAI feita à Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, o jornalista recebeu uma resposta genérica e finalizada com a frase “Maiores informações com o Assessor (nome do assessor de imprensa)”.
Toledo foi o responsável por uma reportagem sobre acesso à informação que obteve grande repercussão no ano passado. Em áudio de uma reunião da Comissão Municipal de Acesso à Informação (CMAI) da prefeitura de São Paulo, o então chefe de gabinete da Secretaria de Comunicação, Lucas Tavares, afirmava que atuaria para dificultar a liberação de informação pública a jornalistas. Toledo foi um dos citados nominalmente pelo chefe de gabinete como um dos que mais faziam solicitações via LAI na cidade.
Já o jornalista Guilherme Frey, repórter da Gazeta do Povo e um dos fundadores do site Livre.jor, recebeu mensagens em seu Facebook pessoal de um assessor do Detran Paraná. Frey havia publicado reportagem com base em um pedido de informação sobre a taxa de reprovação dos exames práticos de direção, que fora respondido regularmente via e-SIC. Nas mensagens, o assessor questionava de onde o jornalista tirara as informações, e se ele havia passado pela assessoria de imprensa.
Em outro caso, alunas da jornalista Rosiane Correia de Freitas na Universidade Positivo, em Curitiba, tiveram o tratamento recebido totalmente modificado após a identificação como jornalistas. Durante exercício de pedidos via LAI feito em aula, elas solicitaram dados de reclamações contra restaurantes à Vigilância Sanitária de Curitiba. Após uma recusa inicial, elas insistiram e conseguiram a informação. Após constatar o potencial do material, o ofereceram para a Gazeta do Povo, que aceitou.
Depois de finalizarem a análise dos dados, as estudantes entraram em contato com a assessoria da Vigilância, que havia sido a responsável por responder a solicitação via LAI. Já se identificando como repórteres da Gazeta do Povo, o tratamento foi diferente. “Na hora em que o pessoal da assessoria percebeu que [apesar de estarem representando um veículo] eram alunas, começaram a ir pra cima delas e tentar fazer com que elas duvidassem da informação que tinham em mãos. Eles marcaram uma reunião com a repórter. A Vigilância Sanitária começou a desqualificar a própria informação deles. Começaram a dizer que a gente não tinha entendido”, conta Freitas.
Na reunião, uma das assessoras chega a dizer que a LAI exige do requerente uma justificativa para o pedido e que ele informe como irá utilizar as informações obtidas — o que não é verdade. “No início, quando a gente pegou os dados, a gente conversou com a Vigilância, e a gente se apresentou como estudante fazendo um trabalho de universidade, e eles foram muito abertos. Deu pra ver muito claramente que essa coisa toda aconteceu porque era um trabalho de jornalismo, uma reportagem. Se fosse uma pessoa comum analisando esses dados, eles não estariam nem aí para o que a gente estava fazendo”, explica a jornalista e professora.
Com base nesses e nos outros 13 casos levantados, a ARTIGO 19 propõe recomendações para contornar o problema constatado. Entre elas, está a existência de instrumentos eletrônicos adequados para o envio de pedidos de informação e que os mesmos possuam mecanismos de anonimização; a não circulação das informações entre os servidores públicos; o treinamento contínuo dos servidores que lidam com pedidos de informação; e a criação de um canal para recebimento de denúncias, bem como de um órgão autônomo e independente de monitoramento para a Lei de Acesso à Informação.
Uma medida que aborda o problema, ao menos no âmbito federal, já está sendo tomada. A Controladoria-Geral da União (CGU), órgão responsável pelo sistema de e-SIC do governo federal, incluirá um campo em que o requerente poderá solicitar que sua identidade seja preservada. A necessidade de incluir informações pessoais permanecerá, mas elas não serão compartilhadas com os órgãos, ficando retidas na CGU.
A medida atende o Compromisso 4 do 3º Plano de Ação Brasileiro na Parceria para Governo Aberto, que objetiva “proteger a identidade de solicitantes, em casos justificáveis, por meio de ajustes nos procedimentos e canais de solicitação” e teve a Abraji e a ARTIGO como entidades participantes da formulação. O Plano de Ação foi uma parceria entre o governo e a sociedade civil, e objetiva fortalecer a transparência, participação cidadã, inovação, prestação de contas e responsabilização (accountability) por meio de 16 compromissos.
A modificação se apoia no artigo 10º, parágrafo 7 da Lei 13.460/2017, que afirma que a “identificação do requerente é informação pessoal protegida”. Para Marcelo Vidal, coordenador-geral de Governo Aberto e Transparência da CGU, a medida atende a uma pauta conjunta da sociedade e da Controladoria, que tem o entendimento de que a identificação dos solicitantes deve ser preservada. Segundo Vidal, a modificação foi colocada como prioridade no setor de TI do órgão, e a expectativa é que seja inserida no sistema até o final de setembro de 2018.