- 26.07
- 2018
- 12:19
- Rafael Oliveira
Acesso à Informação
Grupo questiona Receita Federal para obter dados públicos do CNPJ
Em 11.jun.2018, o advogado Bruno Morassutti e dois representantes de iniciativas de ciência de dados, Álvaro Justen, o Turicas (Brasil.IO) e Eduardo Cuducos (Operação Serenata de Amor) uniram forças para fazer um pedido via Lei de Acesso à Informação (LAI) que já é recorrente na área: o acesso à íntegra da base de dados do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), de responsabilidade da Receita Federal (RFB).
O requerimento, de 10 páginas, aponta o interesse público da disponibilização dos dados para fins de controle social e pesquisas. Ainda assim, tal como os outros pedidos de teor semelhante (pelo menos 14 foram registrados no e-SIC federal desde agosto de 2016), a solicitação foi negada, sob a justificativa central de exigir “tratamento adicional de dados”.
Para Turicas, idealizador do Brasil.IO, as respostas da RFB aos pedidos via LAI vão contra a transparência e o controle social. “Eu costumo dizer que tirar ou diminuir acesso a dados públicos — seja não disponibilizar ou disponibilizar em formatos difíceis de acessar — é elitização da democracia. Para exercer o controle social precisamos ter os dados”, diz.
Os dados relacionados aos CNPJs são públicos, segundo a própria RFB. O órgão disponibilizou os dados de quadros societários e de administradores para download no final do ano passado. Mas, como Morassutti, Cuducos e Turicas apontam no requerimento feito via LAI, as informações estão em formato pouco convencional e acessível e carecem de dados como endereço, CEP e telefone, além do CPF dos sócios e o histórico societário.
No site da Receita Federal é possível acessar as fichas de CNPJs das empresas brasileiras, onde se encontram endereço, CEP e telefone, mas tampouco há o CPF dos sócios nem o histórico societário. Além disso, a consulta tem de ser feita empresa por empresa; não é possível acessar todos os dados de uma vez só.
Para conseguir acessar cada uma das fichas, é preciso passar por um captcha — provando que não é um robô — a cada consulta. Isso vai contra o que a Lei de Acesso à Informação determina em seu artigo 8º, § 3o, inciso III. No trecho da lei, que está em vigor desde maio de 2012, afirma-se que as informações públicas devem estar disponíveis de modo a “possibilitar o acesso automatizado por sistemas externos em formatos abertos, estruturados e legíveis por máquina”. As várias iniciativas de ciência de dados que já solicitaram o acesso a essa base de dados desejam, justamente, raspá-la com robôs ou mecanismos semelhantes.
Na resposta ao pedido de informação, a RFB afirma que “o intuito [do uso do captcha] não é dificultar o acesso, mas garantir a integridade da informação e qualidade do serviço de consulta”.
Uma das alternativas apontadas pela RFB para obtenção da base de dados completa é o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), empresa pública de tecnologia da informação (TI). O Serpro disponibiliza uma série de dados, incluindo a base de CNPJs para quem quiser. Mas é necessário pagar por isso.
Segundo o cálculo da Operação Serenata de Amor, para conseguir consultar os CNPJs de todas as empresas do Brasil, o gasto seria de R$ 506 mil reais, por consulta. O valor é seis vezes maior do que a iniciativa de ciências de dados arrecadou em seu primeiro crowdfunding, por exemplo.
Em artigo publicado em 17.jul, o grupo aponta que os dados já podem ser acessados e já estão sendo armazenados e processados e que, portanto, “o custo, tanto de armazenamento quanto de busca e processamento, já existe”. Além disso, nem a Receita, nem o Serpro apontaram o que compõe o preço para a cessão das informações, o que é exigido no artigo 6º do Decreto Federal 8.777/16. “Não sabemos por que teríamos que pagar tão caro e sequer tivemos outra solução, ainda que fosse um download único de todos os dados ou um convite para ir até lá com um pendrive vazio”, afirma o texto.
A venda de dados públicos — em especial CPFs e CNPJs — pelo Serpro foi alvo de questionamentos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). O órgão fez 11 perguntas para a empresa de TI, que se recusou a responder, alegando dever de sigilo.
Como o Serpro está vinculado ao Ministério da Fazenda, o MPDFT não tem competência para analisar a legalidade da prática, e o caso em questão foi encaminhado em 30.mai.2018 para o Ministério Público Federal (MPF) no Distrito Federal.
O questionamento ao Serpro ainda não foi finalizado, mas a análise inicial de Carlos Bruno Ferreira da Silva, Procurador da República que acolheu o caso, é de que a venda não pode acontecer. “O meu primeiro entendimento é que a venda desses dados pessoais vai contra o que é previsto já no Marco Civil (Lei nº 12.965/2014)”. Para o Procurador, caso a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais seja sancionada, a prática se tornará ainda mais irregular.
Silva coordena o Grupo de Trabalho Tecnologias da Informação e da Comunicação (GT-TIC) do MPF e realizou doutorado com enfoque na proteção de dados.
Para ele, a cobrança do Serpro é no mínimo “estranha”. “Me parece ilógico que o Serpro comercialize dados sem nenhum tipo de critério, e que, quando a solicitação vem de uma entidade legítima da sociedade civil, também sejam colocados valores pela informação. Isso atrapalha o controle social, que é um interesse protegido pela Constituição Federal”, afirma.
O grupo entrou com recurso contra a negativa da Divisão de Gestão do Cadastro de Pessoas Jurídicas da Receita Federal. O recurso foi negado em primeira instância pela Coordenadoria-Geral de Gestão de Cadastros da RFB. Segundo Turicas, será feito um novo recurso, e o grupo pretende recorrer até que o caso alcance a Controladoria Geral da União (CGU), se necessário.