• 14.04
  • 2005
  • 08:46
  • MarceloSoares

Governo vence, por 31 a 24 votos, e Senado converte MP do sigilo eterno em lei

FERNANDO RODRIGUES, DA FOLHA DE S.PAULO

O Senado aprovou ontem em votação simbólica a MP 228, que abre a possibilidade de documentos públicos federais serem mantidos eternamente em sigilo. Para virar lei, o texto agora só precisa ser sancionado pelo Presidente da República.

A MP 228 estipula que documentos considerados ultra-secretos serão vedados ao público por até 30 anos, prazo prorrogável por igual período.

Antes que os eventuais 60 anos de sigilo terminem, os documentos ultra-secretos que ameacem "a soberania, a integridade territorial nacional ou as relações internacionais do país" poderão continuar em sigilo por decisão de uma comissão interministerial.

O texto da MP 288 é vago sobre quanto tempo a mais o sigilo estará em vigor depois dos 60 anos iniciais. Diz apenas que a Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas "poderá manter a permanência da ressalva ao acesso do documento pelo tempo que estipular". Essa comissão será encabeçada pelo ministro da Casa Civil.

O texto aprovado também permite que a comissão interministerial receba recursos para revisar os novos prazos que estipular. Essas revisões podem ser para aumentar ou reduzir o período em que o documento público ficar vedado ao público. Ou seja, prorrogações sucessivas podem manter o sigilo eternamente.
O governo discorda de que o sigilo possa ser eterno. Para o líder governista no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), a prorrogação só poderá ocorrer "uma única vez". O petista também considera que "houve um avanço" em relação ao texto que vigorava anteriormente.

Antes da MP 228 (editada em 9 de novembro de 2004), vigorava um decreto de Fernando Henrique Cardoso, de 2002, que estipulava o prazo máximo de sigilo para documentos ultra-secretos em 50 anos, prorrogáveis por igual período e, depois, indefinidamente. Agora, não existe o termo "indefinidamente" _foi substituído pela expressão "pelo prazo que estipular" a comissão interministerial.

Apesar de vitorioso, o governo deixou constrangidos alguns de seus aliados. "Vou sofrer para dar esse voto", disse antes de votar com o governo o senador Tião Viana (PT-AC). Eduardo Suplicy (PT-SP), também lamentou: "Vou votar a favor do governo, mas gostaria que não houvesse esse tipo de sigilo".
A oposição tentou retirar do texto da MP 228 o parágrafo que abre a brecha para o sigilo eterno. O senador Jorge Bornhausen (PFL-SC) apresentou um pedido de destaque para votação em separado desse trecho, mas não teve sucesso _apesar de ter recebido apoio do PSDB. O governo venceu por 31 a 24 votos (com uma abstenção).

Ao defender o governo, Aloizio Mercadante comparou o direito de acesso a informações públicas no Brasil com as regras de outros países, como Estados Unidos e Reino Unido. "A legislação americana não deve inspirar a legislação brasileira", argumentou ao afirmar que nos EUA alguns documentos ficando "indefinidamente" em sigilo.

Na realidade, a imensa maioria dos documentos públicos federais nos EUA só fica por 30 anos em sigilo. No Brasil, pela norma aprovada ontem na MP 228, o prazo será de até 60 anos, o dobro da lei norte-americana.

Outro aspecto pouco notado ontem pelos senadores é que Lula não revogou a classificação do que pode ser considerado ultra-secreto e ficar por 60 anos em sigilo. Ainda vigora o estabelecido no governo FHC. São ultra-secretos documentos referentes à "soberania e à integridade territorial nacionais, a planos e operações militares, à relações internacionais do país, a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico de interesse da defesa nacional e a programas econômicos, cujo conhecimento não-autorizado possa acarretar dano excepcionalmente grave á segurança da sociedade e do Estado".

Ou seja, no limite da lei, detalhes da atual política econômica do presidente Lula só poderão ficar públicos no ano 2065.
Assinatura Abraji