• 09.08
  • 2011
  • 07:48
  • Rogerio Waldrigues Galindo

"Fim da Lei de Imprensa foi um tiro no pé"

Publicado em 09 de agosto de 2011 na Gazeta do Povo

O projeto de regulação da mídia defendido pelo governo federal e a censura ao jornal O Estado de S. Paulo, proibido desde 2009 de falar de supostas irregularidades cometidas por Fernando Sarney, são dois dos motivos que levam o jurista Miguel Reale Júnior a se preocupar com a liberdade de expressão no país. O advogado esteve ontem em Curitiba participando de um painel sobre o tema promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná (OAB-PR).

 

Segundo o jurista, o fim da Lei de Imprensa no país, determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é outro tema preocupante. “O fim da Lei de Imprensa foi um tiro no pé”, diz. Reale também criticou o Ministério Público Federal, que deu parecer favorável ao fim do Exame de Ordem no Brasil.

 

Alguns fatos, como o projeto de regulação da mídia no país, levantaram o debate sobre a censura prévia no país. O senhor acha que existe realmente motivo para receio?

 

Eu vejo com muita preocupação esse assunto. A mídia é importantíssima na crítica da política, da administração, dos ocupantes de cargos públicos. Nós temos uma tradição muito importante da mídia como revelação de fatos gravíssimos da condução da política do Brasil. Basta lembrar o Pedro Collor, os anões do orçamento, o próprio mensalão. E agora os casos dos ministérios dos Transportes, da Agricultura. A imprensa tem de ter uma liberdade muito ampla na crítica política. E qualquer redução disso é um caminho para o autoritarismo.

 

No caso do Estadão, há justificativa possível para que o jornal seja proibido de falar sobre o caso Fernando Sarney?

 

Quando é que se pode imaginar justificativa para uma censura antecipada? Só no caso, por exemplo, de a imprensa ter grampeado alguém. Se a prova não pode ser usada no julgamento, não pode ter validade para se divulgar. Mas nesse caso do Estadão. o caso era de interesse público manifesto.

 

Como o senhor vê o país sem a Lei de Imprensa?

 

O fim da Lei de Imprensa foi um tiro no pé. A preocupação era que a lei foi editada na ditadura. Mas, se fosse por isso, nós não podíamos ter a Consolidação das Leis do Trabalho, a In­­trodução ao Código Civil, o Código de Processo Civil... Não é a data que faz o conteúdo. Os dispositivos inconstitucionais já haviam sido declarados inconstitucionais. Mas, por exemplo, havia a garantia do direito de crítica por interesse público. Agora estão aplicando o Código Penal, que não traz essa garantia.

 

Há uma semana, a Justiça proibiu a exibição de um filme no Rio de Janeiro alegando que ele fazia a incitação à violência. Nesse caso, pode-se falar em censura prévia?

 

O filme já foi liberado, porque não era uma apologia do crime. Mas existe o gosto do mal. Existem programas na internet que mostram cenas reais de crueldade. Você não pode permitir obras que incitem à violência, ao racismo. Essa fita mostra a violência, mas não incita à violência. Mas nós temos que ter limites. A liberdade não se defende apenas com mais liberdade. É preciso ter princípios fundamentais.

 

O Ministério Público Federal deu parecer favorável ao fim do Exame de Ordem no país. Isso prejudica a advocacia no Brasil?

 

É extremamente negativo. O parecer é contraditório e frágil. Num determinado momento o procurador propõe que ao invés do Exame de Ordem, para que não haja risco de um bacharel despreparado vir a assumir causas, que seja feito um estágio nos núcleos de prática forense das faculdades. Isso me lembra a ditadura, me lembra o coronel Jarbas Passarinho no Ministério da Educação. Em 1972, durante a ditadura militar, eliminou-se a exigência do Exame de Ordem substituindo pelo estágio profissional nas próprias faculdades. Que é exatamente o que propõe o procurador. Qual é a faculdade particular que vai ajuizar que o seu bacharelando não tem condição de advogar? A preocupação é com a respeitabilidade da classe. No momento em que entregamos ao povo uma massa de pessoas despreparadas, estamos fazendo descrer da Justiça, da advocacia, que era o que a ditadura queria.

 

Quais são os riscos que o senhor vê?

 

O risco que eu vejo é o lobby das faculdades particulares. É o risco do lobby dos ignorantes. Por­­que para fazer lobby não precisa ter habilitação. Basta ser despudorado.

 

A reforma do Código Penal pode resolver os problemas do sistema carcerário brasileiro?

 

Esse é sempre um problema. Basta ver que em São Paulo há um acréscimo de 100 presos por mês. Isso com uma inoperância policial gigantesca. A autoria dos casos de roubo a mão armada só é descoberta em 2% das vezes, por exemplo. O nível internacional é 20%. Se a polícia fosse eficiente, teríamos um número 10 vezes maior de presos. Não é por lei que vai se resolver o problema. O que existe realmente é a necessidade de institutos prisionais que não sejam depósitos de presos. E a má condição do presídio é a garantia da reincidência.

 

Os juízes reclamam muito da interferência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em seu trabalho. Eles têm razão para isso?

 

É uma pena. O juiz tem que entender que ele é um instrumento de harmonia social. E não apenas fazer boas sentenças que o levem por mérito ao tribunal. Os juízes precisam se conscientizar de seu papel social. Eles não querem ir fazer mediação na periferia. Eles precisam entender que o papel social deles é muito mais importante do que fazer sentença citando autores estrangeiros.

Assinatura Abraji