- 13.07
- 2023
- 11:30
- Tatiana Farah
Liberdade de expressão
Filho de Tim Lopes refaz passos do pai em documentário que revela a geografia humana do Rio de Janeiro
Tim Lopes tinha um talento especial para ouvir e contar histórias que desenhavam a geografia humana não só dos morros e favelas, mas de todo o Rio de Janeiro. Vinte anos depois de sua morte, seu filho, o cineasta e documentarista Bruno Quintella, refaz os seus passos e revela, em “Onde está Tim Lopes?”, uma cidade que pulsa entre a violência cotidiana, o funk, o surf, o jornalismo, o futebol e o samba.
Lançada pela GloboPlay, a série documental é dividida em quatro capítulos de pouco mais de 30 minutos e é praticamente impossível não assistir a todo o documentário de uma vez. Mais que falar da morte do jornalista da Globo, assassinado barbaramente a mando do traficante Elias Maluco em 2002, a série celebra sua vida, seu amor pelo Rio, seu interesse genuíno pelas pessoas e por todo o tecido que compõe a cidade, sobretudo a história que vem das favelas.
A cada episódio, a lupa do cineasta vai ampliando a área pesquisada e, ao final, o que se descortina são décadas de um Rio de Janeiro inteiro. Com o mesmo apetite do pai, Quintella corre atrás dos personagens que Tim Lopes extraía das ruas e das comunidades, com sua microcâmera e com a retidão necessária para o bom jornalismo. As histórias vão sendo contadas por esses personagens e pelos colegas de profissão do repórter que saltou do texto do jornal impresso para a TV com desenvoltura e naturalidade.
No documentário, é lembrado que a morte de Tim Lopes não só incentivou a criação da Abraji como mudou a compreensão da imprensa dos problemas de segurança enfrentados pelos e pelas repórteres que estão à frente da cobertura não só de crimes, mas de direitos humanos e sociais e do cotidiano de uma cidade cheia de melindres e grupos criminosos como o Rio de Janeiro.
Parceira de Tim em reportagens, a jornalista Martha Esteves lembra, no documentário, que um jornalista agredido, torturado, não está sozinho: toda a sua família sofre com ele ou ela. E essa dor difícil de elaborar é mostrada pelo filho de Tim Lopes de forma delicada, mas marcante.
O documentário fala não só de Tim, mas do ofício da reportagem. O título repete a pergunta do fatídico dia de desaparecimento do repórter da Globo: Onde está Tim Lopes? Ao final, para quem é jornalista, a pergunta que se faz é “Onde está o Tim Lopes de cada um de nós?”.
Uma conversa com Bruno Quintella
Para falar da produção da série documental, a Abraji entrevistou Bruno Quintella que, em uma hora de conversa, mostrou como a preocupação com a desigualdade social marcou a carreira de seu pai e, consequentente, o documentário. As questões de injustiça eram percebidas por Tim porque, lembra Quintella, "ele estava lá no meio deles".
Questionado sobre onde estaria hoje Tim Lopes, Quintella afirma que é difícil responder. "Onde ele estaria se tivesse sobrevivido ou onde ele estaria se não tivesse ocorrido esse crime?" Mas imagina que o pai teria saído do Rio e mergulhado na floresta amazônica ou no Pantanal: "Eu acho que ele estaria menos urbano, olhando para o meio ambiente. Ele estava cansado de fazer essa temática do tráfico. Acho também que estaria fora da televisão, fazendo roteiros de documentários. Se fosse fazer uma matéria de comportamento, creio que seria sobre a vida dos entregadores de aplicativo".
Sobre a morte de Tim, que foi queimado vivo preso a pneus quando fazia uma matéria sobre exploração sexual de meninas em bailes funk, Quintella diz acreditar que o pai foi morto por outro motivo, por ter visto algo que comprometeria os traficantes para além daquela pauta. "Eu acho que ele não morreu por causa dessa reportagem. Acho que ele encontrou uma outra pauta. O ponto é o seguinte: o baile funk era a ponta do iceberg."
Quintella destaca que o olhar de Tim Lopes ia além da cobertura usual. "Ele sempre tinha essa percepção de olhar para além. De dentro para fora, pelas frestas sociais." Um exemplo é sua cobertura nas favelas depois das operações policiais. "Quando a polícia vai embora, o que sobra?"
E para Bruno Quintella, onde está o Tim Lopes dentro dele? "Não sei se está mais no meu coração ou na minha cabeça. Um jornalista que não tem um coração pulsante, sem emoção, não é jornalista. Acho que o Tim está no meu olhar. O grande legado dele é o olhar."
Bruno Quintella (de cinza) com um dos personagens da série documental, o escritor Jessé Andarilho, da Biblioteca Marginow. (Arquivo pessoal)