• 15.07
  • 2011
  • 15:40
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Fernando Rodrigues fala sobre a lei de acesso

A Associação Nacionais de Jornais dedicou sua edição de junho/julho do "Jornal da ANJ" inteiramente ao direito de acesso a informações públicas. O número especial trouxe uma entrevista com Fernando Rodrigues, presidente da Abraji. Rodrigues detalha a trajetória do atual projeto de lei de acesso a informações públicas brasileiro - desde sua elaboração na Casa Civil até chegar ao Senado, onde espera ser votado desde maio do ano passado. O presidente da Abraji também destaca as medidas que a entidade vem tomando a favor da aprovação do texto e explica por que, mesmo após a aprovação da lei, ainda deverá haver um esforço da sociedade em busca da transparência.

 

Leia a íntegra da entrevista concedida por Fernando Rodrigues ao jornalista Sérgio Vilas-Boas:

Como foi a trajetória de elaboração e aprovação do projeto de lei?
A discussão sobre uma Lei de Acesso começou no início dos anos 2000. Entidades de jornalistas e de mídia abordaram o assunto e passaram a promover o debate. Em 2003, o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) apresentou um projeto modesto que contemplava alguns itens necessários a uma legislação sobre o tema. A partir daí, foram anos e anos de pressão até que se chegasse ao estágio atual, com um texto pronto para ser votado pelo Senado - aliás, o texto em tramitação no Senado tem como projeto original o do deputado Lopes.

Sua participação no processo se deu em função da Abraji ou foi mesmo antes, como jornalista da Folha?
Das duas formas, mas sobretudo por meio da Abraji. Criada em 2002, a Abraji é uma entidade sem fins lucrativos nem filiação político-partidária. Adotou em seu estatuto, entre outras, a seguinte missão: “Defesa da democracia, do livre exercício do jornalismo investigativo e da liberdade de expressão. Entre suas prioridades estão a defesa da transparência nos negócios públicos e a garantia de livre acesso a informações dos órgãos públicos”.A primeira iniciativa orgânica para debater uma Lei de Acesso foi em 30 de setembro de 2003, quando a Abraji, em conjunto com a ANJ, realizou o 1º Seminário Internacional sobre Direito de Acesso a Informações Públicas, em Brasília. Nesse encontro, as entidades presentes decidiram criar uma coalizão a favor de uma Lei de Acesso. Nasceu, então, o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas.

Por que o Brasil demorou tanto para elaborar e colocar em votação um projeto de lei dessa natureza?
A demora é relativa. Nos Estados Unidos, o processo demorou mais de uma década até que uma lei fosse aprovada - no final dos anos 1960.O Brasil ainda é um país atrasado e com uma democracia muito jovem, de apenas 26 anos. Era natural que outras demandas ocupassem a agenda nacional depois do fim da ditadura, em 1985. Agora, imagino, o país está mais maduro e buscando formas mais sofisticadas de aperfeiçoar as suas instituições democráticas.

O que fez esse processo progredir rapidamente nos últimos dois anos?
A democracia, assim como tudo na vida, tem ciclos. Acabou um ciclo no Brasil com os oito anos do governo Lula. Agora, imagino, os novos agentes políticos entendem a necessidade de haver alguns avanços institucionais que não foram possíveis em anos anteriores. Parece-me ser esse o caso da orientação do Palácio do Planalto em relação à aprovação de uma Lei de Acesso.

É importante que o Brasil aprove essa lei rapidamente?
O Brasil é uma das maiores economias do planeta e uma nação importante para o equilíbrio democrático na América do Sul. Ao ter uma Lei de Acesso, o país emite um sinal vigoroso em direção a mais liberdade de informação - o que é vital para os países sul-americanos.

Quais os benefícios dessa lei para o jornalismo brasileiro?
A matéria-prima do jornalista é a informação. Quando o acesso é dificultado, o jornalismo perde. A lei tornará mais acessível aos repórteres os dados necessários para que possam ser produzidos textos mais completos. Ganharão todos os leitores consumidores de notícias.

Os chamados “documentos sigilosos” requerem mesmo critérios especiais?
Sim. É uma ilusão acreditar que um governo possa trabalhar com o conceito de transparência radical. É razoável que uma negociação entre dois países sobre um aspecto econômico possa ficar em sigilo até que seja concluída - pois há vários interesses envolvidos e muitas vezes a divulgação imediata pode prejudicar os melhores interesses do Brasil ou de outro país.Ao mesmo tempo, é necessário haver uma regra. Por quanto tempo deve um documento público ficar em sigilo? O projeto de Lei de Acesso toca nesse ponto. Determina prazos máximos de sigilo.

Empresas jornalísticas e demais órgãos de imprensa têm sido bem atendidos em suas demandas por informações públicas?
Não. Sempre há recusas. Os jornais mais sólidos financeiramente têm condições de ir à Justiça para demandar a liberação dos dados.Mas esse é um processo custoso e de difícil acesso para publicações com orçamentos mais modestos.Ainda assim, a atitude de grandes jornais de irem à Justiça para ter acesso a dados públicos é didática e chama a atenção para a necessidade haver uma lei.

Quem, no Brasil, hoje, se opõe à aprovação dessa lei e por quê?
Setores dos ministérios das Relações Exteriores e da Defesa.Esses agentes públicos acreditam que revelar determinados fatos do passado possa causar constrangimentos entre o Brasil e seus vizinhos.

Os governos, no Brasil, tratam as demandas dos jornais por informações sobre gastos públicos como “ação democrática” ou como “tentativa de interferência”?
No Brasil, avançou-se um pouco na transparência a respeito de gastos públicos.Mas os sites nos quais estão os dados dos estados e dos municípios são pouco amigáveis e não favorecem a prática de cobrança de responsabilidade.

Na sua visão, o que a ANJ e a Abraji podem fazer - e estão fazendo - para ajudar a criar uma cultura de transparência no Brasil?
Essas duas entidades têm estado à frente do debate a favor de uma Lei de Acesso.Por causa dessa liderança é que foi criado o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas e chegou-se ao atual estágio, com um projeto pronto para ser votado.

O Brasil é reconhecido por sua “transparência ativa” (iniciativas do próprio poder público no sentido de tornar acessível à população informações sobre processos decisórios e sobre as decisões em si). Por outro lado, a chamada “transparência passiva” (funcionários públicos que se acham proprietários das informações) continua um problema sério. O que de fato ocorre?
Os servidores públicos vivem numa cultura de opacidade que não foi criada por eles. Há sempre o temor de liberar dados, pois um funcionário pode ser punido por vazamentos indevidos. Por essa razão, na dúvida, guarda-se o documento na gaveta - ou no computador. Com a aprovação da Lei de Acesso, será necessária uma ampla e longa campanha de treinamento de servidores públicos a respeito das novas práticas que terão de ser adotadas.

Pode-se falar em plena “liberdade de imprensa” ou “democracia madura” sem o acesso às informações públicas?
Não. O acesso a informações é indissociável de um regime que se pretende democrático e com liberdade de expressão e de imprensa.

Em nossa cultura assume-se que há “leis que pegam” e “leis que não pegam”. A Lei de Acesso vai pegar ou será somente “para inglês ver”?
Difícil prever. Como eu disse, será necessário que exista um amplo programa de treinamento e capacitação dos funcionários públicos. A sociedade também não poderá se desmobilizar.A aprovação da lei demora bastante,mas é apenas o primeiro passo numa estrada longa para mais transparência.

O manto protetor do sigilo pode acabar eliminando o espírito da lei e minimizando a sua eficácia?
Poder, pode. Mas, se a sociedade permanecer vigilante, tal prática poderá ser evitada.

As barreiras às informações públicas demandam um esforço e um tempo das redações, resultando muitas vezes na desistência de uma reportagem investigativa. Com a Lei de Acesso, os jornais poderão realizar um “jornalismo investigativo” melhor e mais abrangente?
O acesso a bancos de dados públicos é vital para reportagens investigativas. Aproveito para conceituar “jornalismo investigativo”. Trata-se de expressão derivada do inglês, “investigative journalism”. O termo foi popularizado nos Estados Unidos, país que aperfeiçoou o modelo de jornalismo ocidental criado anteriormente pelos ingleses. Muitos acham que “jornalismo investigativo” é um pleonasmo. Afinal, toda atividade jornalística embute algum grau de investigação. Ocorre que, da forma como foi criada nos EUA, a expressão passou a ter a conotação de jornalismo de qualidade, que produz reportagens mais alentadas, com muitas entrevistas e fontes ouvidas, tentando esgotar um determinado assunto. Nesse sentido, uma Lei de Acesso é vital para que floresça no Brasil o jornalismo investigativo tal como foi concebido em outros países.

Você disse em entrevista recente ao Knight Center que as partes não muito positivas do projeto de lei brasileiro são: 1) o prazo máximo de sigilo (documentos ultrassecretos) pode chegar, em alguns casos, a 50 anos; 2) não foi criada uma agência reguladora independente para comandar o processo de cumprimento da lei. Isso pode dificultar seriamente que essa lei, se aprovada, seja efetiva?
Sim e não. O ponto a ser levado em conta é: não existe lei perfeita. O que se ouve muito em Brasília é que o ótimo é um inimigo do bom. Teria sido possível bater o pé no Congresso e pressionar para que o governo aceitasse criar um organismo independente, por exemplo. Mas, nesse caso, talvez demorasse mais tempo para que a lei fosse aprovada. É possível que a falta desse organismo independente de fiscalização prejudique a aplicação integral da lei.Mas o processo de amadurecimento institucional é dinâmico.No futuro, quem sabe, depois que a lei já estiver sendo usada, possa ser viável o aperfeiçoamento do sistema.

Na mesma entrevista ao Knight Center você afirma que, diferentemente de vários países, a lei brasileira se aplica a todos os governos municipais (5.600 prefeitos), estaduais (27 governadores) e ao presidente da República. Também se aplica aos Poderes Judiciário e Legislativo, em todos os seus níveis. Por fim, ficam ainda, submetidas à Lei de Acesso as empresas de capital estatal ou misto e as ONGs que recebam dinheiro público. Nos outros países a legislação não tem essa amplitude?
Não tenho conhecimento de uma lei que seja tão ampla como a proposta para o Brasil. Nesse sentido, vai fazer bem para a imagem do Brasil no exterior. No caso de entidades que recebam dinheiro público, sim,todas terão de se submeter à Lei de Acesso - no que diz respeito aos fundos estatais que tiverem usado.

Os governos têm estrutura (física, pessoal, organização, método, etc.), hoje, para atender prontamente aos pedidos de informação, seja de empresários, ONGs, imprensa ou indivíduos?
Não, não têm. Terão de se preparar para cumprir a lei. Esse será também um processo bem longo. 

 

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Assinatura Abraji