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  • 2016
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Fazendo a cobertura do Zika? Não cometa os mesmos erros que os jornalistas que cobriram o Ebola

Publicado em 10 de fevereiro de 2016, por Kristen Hare, no site da Poynter.

Quando o primeiro caso de Ebola atingiu os Estados Unidos, em 2014, aconteceu em uma cidade cujo jornal tinha um “especialista no assunto”.


Isso porque a Dr. Seema Yasmin é tanto uma repórter do The Dallas Morning News quanto uma epidemologista que já trabalhou no Centro de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês). Enquanto sua redação cobria a morte de Thomas Eric Duncan, paciente de Ebola, Yasmin explicou os meandros da doença para seus leitores: como ele se espalha, como é tratado e como os médicos encontraram as pessoas que tiveram contato com Duncan.

Perguntei a Yasmin por email o que os jornalistas acertaram durante a cobertura do Ebola, o que fizeram de errado e o que podemos aprender durante a cobertura do Zika.

Há semelhanças em como os jornalistas estão realizando a cobertura do Zika agora e em como eles cobriram o Ebola, em 2014?

A cobertura do Ebola só pegou depois que tivemos a impressão de que a Europa e a América do Norte teriam casos importados, mesmo que o surto já estivesse acontecendo há meses. Estamos vendo o mesmo acontecer com o Zika. Alguns dos meios de comunicação só ganham interesse em surtos quando a propagação da doença para sua região do mundo desenvolvido já aconteceu ou é iminente.

Também estamos vendo como algumas imagens são selecionadas e repetidas de novo e de novo, até que elas moldam totalmente a narrativa geral. Com o Ebola, víamos os médicos vestidos em seus equipamentos de proteção pessoal que mais pareciam roupas de astronauta. Com o Zika são os bebês com microcefalia que choram. Essas imagens podem tirar as nuances que vemos nas boas reportagens.


Que diferenças você vê?


Há um maior engajamento de especialistas locais na cobertura do surto de Zika, em comparação ao Ebola, embora a maioria deles sejam brasileiros brancos. Era raro ver um epidemiologista ou cientista da África Ocidental sendo entrevistado em notícias sobre o Ebola. Na maior parte do tempo, os africanos ocidentais eram retratados como vítimas. Era menos provável que eles fossem mostrados como os especialistas ou como vencedores. Eu me recordo de um repórter americano dizendo com muito orgulho que ele estava incluindo a “perspectiva africana” em uma história sobre a ciência do ebola.  Adivinhe de onde a “perspectiva africana” veio? De um homem branco acadêmico da costa oeste dos Estados Unidos.

O que erramos na cobertura do Ebola e que temos a chance de acertar dessa vez?


Eventualmente nós começamos a responsabilizar as agências de saúde pública pela demora na resposta à crise do Ebola, mas isso veio depois. É preciso começar mais cedo com o Zika, com perguntas sobre por que a OMS (Organização Mundial da Sáude) não convocou uma reunião de emergência mais cedo e por que as orientações que vieram dessa reunião foram tão vagas.

Epidemias são muito mais profundas do que apenas a propagação da doença. Um exemplo é a África Ocidental, onde só agora podemos observar os resultados finais da epidemia de Ebola. Houve crescimento nos números de gravidez na adolescência e casos de violência de gênero contra meninas e mulheres durante a crise. Precisamos buscar por essas histórias enquanto a crise acontece.


Que outros ângulos nós deveríamos estar cobrindo?

Siga os dados. Esses relatórios de que meio milhão a 1,5 milhão de pessoas no Brasil estão infectadas com o Zika vírus: no que esses números estão baseados? Nós continuamos a ver 4 mill bebês que nasceram com microcefalia. Mas a microcefalia pode ser difícil de ser diagnosticada e nem todas essas crianças possuem uma confirmação de diagnóstico. Interrogar os dados é importante para a precisão, claro, mas há histórias por trás de quem gera esses dados e de como esses dados são gerados.

Outro ângulo importante é a questão dos direitos de reprodução. Há boas reportagens sobre a falta de acesso aos serviços de planejamento familiar, como contraceptivos e o aborto seguro. Essas reportagens são produzidas nos países afetados pelo Zika onde as mulheres foram recomendadas a atrasar a gravidez. A crise está revelando o quão ruim a situação é e isso em si já um grande problema de saúde global. Espero ver mais dessa cobertura e do porquê a OMS não estar se posicionando em relação aos direitos reprodutivos das mulheres. A história da crise do Zika é uma história sobre a injustiça na reprodução das mulheres.

Assinatura Abraji