- 25.06
- 2018
- 09:01
- Rafael Oliveira
Formação
Liberdade de expressão
Acesso à Informação
“Fake news” podem fazer políticas extremas parecerem menos problemáticas, diz palestrante do 13º Congresso
“Fake news” foi eleita a “palavra do ano” pelo dicionário em inglês da editora britânica Collins em 2017. A popularização do termo deu-se no contexto da eleição americana de 2016, em que “fake news” foi recorrentemente utilizado por Donald Trump para atacar a imprensa.
Paralelamente, intensificou-se a preocupação com a influência de conteúdo enganoso na escolha de mandatários ou na decisão do eleitorado sobre grande temas. O 13º Congresso da Abraji discute a questão no painel Qual o real impacto das fake news em eleições?, com o pesquisador da Universidade de Exeter Jason Reifler, um dos autores da pesquisa “Exposição seletiva à desinformação: evidência do consumo de notícias falsas durante a campanha presidencial de 2016 nos EUA”.
A palestra acontecerá no primeiro dia de Congresso (quinta-feira, 28.jun.2018), entre 11h e 12h30, e contará com a moderação de Marcelo Träsel (UFRGS/Abraji). Na entrevista abaixo, Reifler antecipa algumas questões e esclarece pontos relacionados ao tema.
Em suas publicações, você utiliza com frequência o termo “misperception” (algo como percepção enganosa). Como você define esse conceito?
Nós (eu e meu parceiro na pesquisa, Brendan Nyhan) definimos misperception como algo que vai contra a opinião consensual ou a melhor evidência disponível. Exemplos de misperceptions que nós observamos incluem convicções sobre se a temperatura média da superfície da Terra aumentou nos últimos 40 anos, se o Iraque tinha armas de destruição em massa, se as vacinas causam efeitos colaterais específicos, e mudanças no número de empregos nos EUA. Existem, é claro, muitas outras misperceptions por aí.
As fake news tiveram impacto nas últimas eleições?
Se nós pensarmos fake news de uma forma muito limitada — “pessoas que visitaram um site de notícias falsas se comportam de maneira diferente do que fariam normalmente, em se tratando de votar e em quem votar” —, então a melhor evidência disponível é de que não. Em nossos dados (do artigo com Andrew Guess e Brendan Nyhan), vimos um efeito muito pequeno das fake news sobre a participação na eleição ou sobre o voto. No entanto, fake news podem mudar eleições de outras maneiras. Por exemplo, nossos dados não capturam a exposição a elas que não seja visitando um site de fake news. Se as pessoas dizem que muitos de seus amigos postam fake news, isso pode ser algo que influencia a eleição e nós não conseguimos ver. Da mesma forma, a existência delas pode fazer mensagens políticas extremas parecerem menos problemáticas, especialmente quando se baseiam em um fundo de verdade. Dessa forma, as fake news podem expandir os limites do que as pessoas consideram retóricas políticas legítimas ou aceitáveis. Finalmente, a existência de fake news pode mudar o mix de pautas que as organizações de mídia cobrem. Mas essas são conjecturas ou possibilidades. Não dá para bater o martelo de que houve grandes efeitos das fake news nas eleições de 2016.
Este ano teremos eleições gerais no Brasil, em um cenário de extrema polarização. Como você enxerga o cenário das fake news e da desinformação no Brasil?
O quanto as fake news afetam o Brasil provavelmente depende, em certa medida, da estrutura do mercado de mídia. Como um americano que vive no Reino Unido, eu pude ver duas eleições surpreendentes em 2016. Uma das coisas que se destacam é como as fake news foram menos proeminentes na campanha do Brexit. Uma das razões para isso é que os tablóides eurocéticos já publicavam histórias que distorciam a verdade sobre a União Europeia há muito tempo. A oferta [de conteúdo enganoso] já atendia à demanda de uma maneira muito poderosa. A outra razão é o papel da BBC - seu estatuto, que exige reportagens precisas, serve como um parâmetro e define o tom de vários jornais britânicos fora os tablóides. O ecossistema do mercado de mídia provavelmente não era tão aberto quanto o americano - onde não há um ecossistema de mídia unificado e onde não há tablóides nacionais que sejam especialmente políticos. Então, se o ecossistema de mídia brasileiro é mais próximo do Reino Unido (onde a oferta e a demanda de conteúdo enganoso está mais perto do equilíbrio) ou mais como o dos EUA, é um fator para avaliar o impacto das fake news no país. (Isso é uma simplificação, há certamente outros fatores que importam tanto quanto)
Outra razão pelas quais as fake news podem se espalhar no Brasil é que o Facebook tem uma presença muito grande. Nossos dados (com Guess e Nyhan) sugerem que a plataforma é chave na difusão de fake news. Mas o Facebook aprendeu bastante a partir de 2016 e ajustou seus algoritmos de maneiras que podem ajudar a limitar a disseminação de desinformação, além de ter abraçado a comunidade de fact-checking para ajudá-la.
O quanto a desconfiança do público em relação à imprensa/mídia contribui na desinformação/misperception? Como mitigar isso?
A falta de confiança na mídia é um problema sério. Políticos ficam felizes por usar a mídia (sem creditá-la) quando serve a seus propósitos, mas também adoram atacá-la quando isso serve a seus propósitos. Isso cria um contexto em que a desinformação se espalha mais facilmente. Eu não tenho certeza de que isso tenha alguma solução rápida. Algumas organizações nos EUA (como o Washington Post) realmente tentaram mostrar como algumas de suas reportagens são feitas, na esperança de que essa transparência aumente a confiança. É uma abordagem ousada e inovadora, e espero que funcione. Mas eu não estou completamente certo de que fará efeito.
As iniciativas de checagem de fatos ajudam a combater este cenário de misinformation/misperception? Como?
Nós (Brendan e eu) achamos que a checagem de fatos pode ajudar de duas diferentes formas. Primeiro, a existência da checagem — e as consequências negativas para a reputação de alguém por ser considerado não verdadeiro — pode ajudar a restringir o quanto os políticos enganam. Esse passo é provavelmente o mais importante, já que parar a propagação de desinformação é provavelmente a melhor maneira de reduzir misperceptions a longo prazo. Checagens de fatos também parecem melhorar o rigor das pessoas expostas a elas. No entanto, fazer com que as checagens cheguem às pessoas e então fazer com que as pessoas as leiam ainda acontece menos do que seria o ideal.
O Facebook lançou um programa de verificação de conteúdo postado na rede social em parceria com duas agências de fact-checking brasileiras no início deste mês. Após o anúncio, as agências e seus profissionais passaram a sofrer ataques de grupos a direita do espectro político. Você chegou a ouvir falar sobre essa ofensiva? O você que acha disso?
Organizações de fact-checking também são atacadas nos EUA (e em outros lugares). É um preço a se pagar - quando se está tentando responsabilizar os políticos avaliando a exatidão de suas declarações, deve-se esperar que eles tentem contra-atacar. A checagem de fatos pode ajudar a constranger políticos — e, naturalmente, eles não gostam de ser constrangidos. Mas é exatamente por isso que ela é necessária — porque os políticos não são completamente constrangidos.
Uma coisa importante de se lembrar — a checagem não vai eliminar todas as mentiras, exageros e distorções na política. Mas não dá para dizer que a checagem é ineficaz só porque os políticos continuam a mentir. É especialmente difícil mensurar resultados da checagem de fatos, porque que é impossível mensurar as mentiras que não são contadas.
Serviço
13º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo
28, 29 e 30 de junho de 2018
Universidade Anhembi Morumbi | Rua Casa do Ator, 275 | Vila Olímpia | São Paulo - SP - Brasil
Inscrições: através do site congresso.abraji.org.br