• 14.12
  • 2006
  • 07:20
  • Belisa Figueiró

Ex-comandante analisa a cobertura no Haiti

Testemunha da falta de recursos materiais e, às vezes, da falta de preparação intelectual de alguns jornalistas da "tropa" que participou da cobertura da Missão para Estabilização do Haiti, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira fez uma análise da cobertura da imprensa durante os 15 meses que comandou os soldados enviados com aval das Nações Unidas. O militar fez críticas, mas concluiu com um balanço positivo: “Apesar de todas as dificuldades, a imprensa brasileira fez um trabalho de alto profissionalismo”.

O general Heleno foi o primeiro palestrante do curso sobre cobertura de conflitos armados promovido pela Abraji e pela Oboré Projetos Especiais entre os dias 11 e 13 de dezembro, em São Paulo. O curso tem apoio do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e dos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo, da Rádio CBN, do SBT e da TV Globo.

Entre 30 de maio de 2004 e 30 de agosto de 2005, Heleno teve contato próximo com jornalistas de várias partes do mundo, com especial destaque para a imprensa haitiana e a brasileira. Diariamente, participava de entrevistas e pôde fazer uma comparação entre a cobertura dos veículos de diversos países.

É grande a lista de dificuldades testemunhadas pelo general e com as quais os jornalistas brasileiros enviados para essa cobertura tiveram de lidar: o rodízio de repórteres, o despreparo —como a falta de informações básicas sobre o clima do país—, a falta de capacete e coletes à prova de balas próprios, escassez de dinheiro e até mesmo o exagero no tamanho dos equipamentos utilizados, foram alguns dos exemplos citados por ele. As agências internacionais, que tinham correspondentes locais que conheciam a região, estavam mais bem preparadas, segundo o general.

Embora com essas ressalvas, a cobertura brasileira foi elogiada por Heleno. “Os jornalistas brasileiros foram preparados para contar o que viam, não chegavam com algo pronto”. Sobre o lado dos militares, Heleno afirmou que “não tínhamos nada para esconder. E se alguma coisa estava errada, tentávamos arrumar antes que a própria imprensa cobrasse. Foi um trabalho duro, honesto e transparente”.

A falta de infra-estrutura também foi sentida pelas tropas de Heleno. Já na segunda semana da missão, ele cobrou dinheiro e investimento para a região. As notícias sobre uma suposta guerra civil no Haiti surpreenderam o general. “Alguns ficavam espantados quando eu dizia que não tinha um segurança pessoal e que era possível comprar mantimentos nos supermercados da cidade”, relata.

Os desafios da missão militar com a imprensa também foram enumerados pelo general. O primeiro deles era conciliar a rotina das operações com a demanda de entrevistas. Outro era a segurança para os jornalistas, que não podia inibir nem cercear o trabalho jornalístico. Heleno também falou sobre as lições que aprendeu durante o período: divulgar os nomes e número de mortos para a imprensa somente depois de comunicar às famílias para não causar pânico, registrar as próprias imagens e sempre lutar pelos direitos humanos, por mais conflituosa que fosse a situação.

O primeiro dia do evento também contou com a participação do repórter de polícia do jornal Diário de S. Paulo, Luis Kawaguti. Ele cobriu a missão das tropas brasileiras no Haiti e falou sobre a dificuldade de fazer uma série de reportagens em poucos dias no país sem qualquer estrutura e a excessiva dependência do Exército para conseguir se locomover na cidade e encontrar fontes para entrevistas. “Não houve uma estratégia. A imprensa acabava caindo nas pautas iniciais, sem profundidade, justamente por desconhecer o local e não ter uma infra-estrutura”, disse ele.

João Paulo Charleaux, do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), concordou com o repórter e disse que só pelo fato de os jornalistas usarem os capacetes da ONU durante a cobertura já é um atentado contra a imparcialidade do veículo. O CICV acompanhou a missão brasileira e fiscalizou o trabalho de forma discreta.

Na avaliação do editor de Internacional do portal do Estadão, André Mascarenhas, o primeiro dia do curso foi importante para trocar experiências com os colegas e palestrantes, criar uma bagagem informativa e não sair despreparado já de antemão numa cobertura dessas. A palestra do general Heleno também foi considerada proveitosa para o participante. “Ele conseguiu quebrar um pouco aquela imagem de truculência que geralmente temos do Exército brasileiro e mostrou que a instituição está cada vez mais preparada para esse tipo de missão no exterior”.

 

Assinatura Abraji