Estudo revela que não há negros no comando dos maiores veículos do Brasil
  • 21.03
  • 2021
  • 03:00
  • Abraji

Acesso à Informação

Estudo revela que não há negros no comando dos maiores veículos do Brasil

Levantamento divulgado neste domingo, 21.mar.2021, revela como negros estão distantes dos postos de comando nas Redações. Dados do Reuters Institute for the Study of Journalism mostram que apenas 15% de 80 editores que dirigem veículos de prestígio em cinco países do mundo são não-brancos. No Brasil, segundo o estudo, a disparidade é expressiva. Enquanto cerca de 57% dos brasileiros se declaram pretos e pardos, nenhum negro lidera os maiores jornais, portais e emissoras. A pesquisa foi publicada para marcar o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial. 

O relatório “Race and Leadership in the News Media 2021: Evidence from Five Markets” analisou o perfil de editores no comando dos 100 maiores veículos jornalísticos (on-line e off-line) em quatro continentes: Brasil, Alemanha, África do Sul, Reino Unido e os Estados Unidos. É possível perceber um descompasso entre a maioria da população e quem está no topo da carreira nas Redações. 

No texto, os especialistas usaram o termo “não-branco” para descrever o universo pesquisado. No Brasil, o IBGE faz pesquisas sobre cor ou raça da população brasileira com base na autodeclaração: as pessoas são perguntadas sobre sua cor de acordo com as seguintes opções: branca, preta, parda, indígena ou amarela. 

Segundo o Instituto Reuters, ancorado na Universidade de Oxford, não há não-brancos no mais alto cargo das Redações no Brasil, na Alemanha e no Reino Unido. Nos Estados Unidos, são apenas três editores-chefes. Na África do Sul, a falta de representatividade na imprensa chama atenção: negros são 92% da população, mas a maioria das empresas jornalísticas delega aos brancos o maior cargo dos veículos (60%).

Critérios metodológicos

O estudo, assinado por Craig T. Robertson, Meera Selva e Rasmus Nielsen, foi realizado em jan.2021 a partir dos números sistematizados pela última edição do Digital News Report, de 2020. Os especialistas ressaltam que “posições mais altas nas Redações são importantes praticamente e simbolicamente":

“Esses cargos são importantes porque esses chefes são figuras que estão na liderança e na direção das Redações. O perfil deles importa quando analisamos, de um modo geral, como essas empresas são vistas pelo público.”

Esse primeiro levantamento faz parte de uma pesquisa maior, em andamento, sobre diversidade nas Redações, à luz da perspectiva de gênero e raça.

A Abraji conversou com Meera Selva, coautora do documento, para descobrir os desafios metodológicos. Ela explica que, em algumas ocasiões, até havia negros em posições-chave, mas, na realidade, quem decide é uma pessoa branca, geralmente o diretor-executivo. “Por isso, confirmamos os dados para melhor traduzir o resultado de quem detinha, em mãos, os espaços do poder”.

Os números do Brasil foram recebidos com preocupação. Os negros – que o IBGE define como a soma de pretos e pardos – são a maioria da população brasileira. E essas vozes não se refletem nas Redações:

“Os dados impactam na credibilidade da imprensa. Primeiro, como a maioria da população pode acreditar em veículos que não refletem essa diversidade? Segundo, as histórias são contadas a partir de narrativas de brancos. E, por último, quais as prioridades das pautas?”.

Foram consideradas na amostra as fontes de informação mais citadas pelos brasileiros do Digital News Report: TV Globo, TV Record, SBT, GloboNews, Rádio e Band News, Rede TV, CNN, TV Brasil, emissoras comerciais, jornais O Globo, Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, Extra, os portais UOL, G1, BBC News, Yahoo, MSN, Poder 360, Buzz Feed, O Antagonista, Rede Brasil Atual, Diário do Centro do Mundo e Brasil 247. A pesquisa não cita diretamente quais foram sites on-line regionais.

Clique aqui para ler o estudo  na íntegra. Os organizadores farão uma apresentação dos dados no webinar marcado para segunda-feira, 22.mar.2021, às 10h, pelo horário do Brasil.

Na Bahia, uma mulher negra no comando

Por causa da metodologia adotada pelo Instituto Reuters, o levantamento internacional não menciona uma exceção à regra brasileira. Linda Bezerra, do Correio, tornou-se editora-chefe do jornal baiano em set.2016. Foi a primeira vez que isso aconteceu em Salvador, cidade composta por mais de 80% de negros. “Não tenho conhecimento de casos similares, ao menos no Nordeste”, diz.

Ela afirma que sempre o jornal sempre teve diversidade na Redação, especialmente de gays. Mas, aos poucos, a branquitude precisava ser vista com atenção. 

“O fato de ter sido escolhida me deixa com o dever moral de refletir essa diversidade no conteúdo”, diz a jornalista. Um dos primeiros desafios foi repensar os processos de seleção. Antes das cotas raciais estabelecidas nas universidades públicas, não havia, por exemplo, muitos estudantes negros nos cursos de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia, que reunia candidatos de formação mais sólida. 

A decisão do jornal foi mudar o programa de estágio: metade das vagas passou a ser destinada aos alunos UFBA e a outra às faculdades de desempenho inferior.  “É necessário você ter um olhar cuidadoso de abrir portas para dar oportunidades porque a gente sabe que, em muitos casos, o desempenho está ligado à falta de oportunidades mesmo”.

Bezerra afirma que, na liderança, está atenta à palavra diversidade em um escopo maior, estimulando contratações de pretos e pardos, mas também de outros grupos marginalizados e pessoas com deficiência. “É fazer uma comunicação cuidadosa, que não te fere, com amplitude de perfis, ter atenção na forma de falar as coisas, e ouvir as pessoas”. 

A mudança no critério de seleção nos jornais já está acontecendo no Brasil. A Folha de São Paulo mudou o seu Programa de Treinamento em Jornalismo Diário, que, desta vez, será destinado apenas a profissionais negros. A Redação mexeu nos critérios de aprovação para poder avançar na representatividade, excluindo, por exemplo, a exigência de um idioma estrangeiro, abrindo a competição àqueles que não tiveram a chance de ter domínio do inglês.

O jornal digital e independente Nexo lançou, no início de mar.2021, um programa de diversidade racial, com previsão de bolsa mensal, além de aulas de inglês, português, novas tecnologias e temas relevantes sobre o Brasil e o mundo.

O The Intercept Brasil também desenvolveu iniciativa de inclusão. A Énois criou o projeto Diversidade nas Redações, que promove treinamento e intercâmbio entre Redações e repórteres com foco em produção diversa e representativa.

Foto da capa do site: Dean Baquet, diretor-executivo do New York Times, em reprodução da internet de programa disponível do YouTube.

Foto de Linda Bezerra: arquivo pessoal cedida para a Abraji.

 

Assinatura Abraji