- 09.08
- 2024
- 17:10
- Abraji
Liberdade de expressão
Entenda o que está em julgamento sobre a responsabilização da imprensa em entrevistas
O julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da tese de repercussão geral 995, que discute a responsabilidade dos veículos de imprensa sobre as falas de terceiros em entrevistas, foi adiado após pedido de vista do ministro Flávio Dino. A sessão, que ocorreu no último dia 7 de agosto, se iniciou com o voto do relator do caso, o ministro Edson Fachin, que propôs alterações. A Abraji é amicus curiae (amiga da Corte) nesse processo.
Fachin não reverteu a decisão de condenação do Diário de Pernambuco, caso concreto que embasou a discussão da tese de repercussão geral. Mas reconheceu a importância de rever a tese aplicada, diante da falta de objetividade na escolha de alguns termos. A discussão se centrou na utilização das expressões “dever de cuidado” e “indícios concretos de falsidade” e a necessidade de objetivação dos critérios de imputação da responsabilidade.
O ministro destacou a importância de adequar a tese de julgamento com o entendimento aplicado nas ADIs 6792 e 7055, julgadas recentemente. Naquela ocasião, ao discutir o assédio judicial, o STF fixou que jornalistas só podem ser responsabilizados “em caso inequívoco de dolo ou culpa grave (evidente negligência profissional na apuração dos fatos)”.
Pedido de vista
Em seguida, o ministro Flávio Dino pediu a fala para destacar sua preocupação com o que chamou de “veículos de ocasião”, que seriam criados na internet com o intuito exclusivamente de difamar, e que, por isso, não tomam os mesmos cuidados e curadoria de conteúdo que os veículos de comunicação. Dino também manifestou preocupação com a supressão do termo “retirada de conteúdo” que poderia ser utilizado, em último caso, contra esses veículos difamatórios e que realizam entrevistas encomendadas.
A presidente da Abraji, Katia Brembatti, afirma que “o fenômeno da desinformação é uma preocupação e uma ameaça não só ao jornalismo, mas à democracia. No entanto, as medidas para combatê-lo não podem se tornar ameaças ao livre exercício do jornalismo, para aqueles que se comprometem com as melhores práticas”. Katia ainda destaca que o critério do dolo ou da negligência grosseira em não corrigir informação falsa trazida por entrevistado garante a separação dessas publicações digitais que tentam mimetizar veículos de comunicação jornalística.
“Com as melhorias na tese, os tribunais de todo o país poderão identificar, ao analisar o caso concreto, se a publicação de entrevista com falsa imputação realmente teve a intenção de enganar a audiência, ou se houve a devida preocupação com a disseminação de fatos de interesse público”, completa.
Propostas de tese em discussão
O ministro relator apresentou em seu voto uma versão alterada da tese julgada anteriormente. O texto acrescenta um parágrafo para destacar a exceção às entrevistas realizadas ao vivo e retira expressões imprecisas e trechos que foram incluídos na tese, mas não haviam sido discutidos no julgamento. Veja novo texto proposto:
- "A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia. Admite-se a possibilidade posterior de análise e responsabilização em relação a eventuais danos materiais e morais. Isso porque os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.
- Na hipótese de publicação de entrevista, por quaisquer meios, em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se comprovada a sua má-fé caracterizada pelo dolo direto, demonstrado pelo conhecimento prévio da falsidade da declaração, ou ainda por dolo eventual, evidenciado pela negligência na apuração da veracidade de fato duvidoso e na sua divulgação ao público sem resposta do terceiro ofendido ou, ao menos, de busca do contraditório pelo veículo.
- Na hipótese de entrevistas realizadas e transmitidas ao vivo, fica excluída a responsabilidade do veículo por ato exclusivamente de terceiro quando este falsamente imputa a outrem a prática de um crime, devendo ser assegurado pelo veículo o exercício do direito de resposta em iguais condições, espaços e destaque, sob pena de responsabilidade nos termos dos incisos V e X do artigo 5º da Constituição Federal."
A tese anterior aprovada no acórdão publicado pelo STF:
- "A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia. Admite-se a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais. Isso porque os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.
- Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios."
Em seu voto, o ministro Fachin não recebeu o recurso apresentado pela Abraji como embargos de declaração, mas aceitou a sua participação como amicus curiae e a contribuição como memoriais. Veja a proposta de tese apresentada pela Abraji:
- "A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia. Em casos de entrevistas publicadas por veículos de mídia e com relação ao conteúdo afirmado pelo próprio entrevistado, admite-se análise posterior à publicação para verificar a possibilidade de exercício do direito de resposta nos termos legais e eventual responsabilização civil, proporcional ao dano que tenha sido comprovado, por falsa imputação de crime a terceiro, considerando, em casos de responsabilização do veículo de mídia, de seus representantes e dos jornalistas os termos do item 2 desta tese. Isso porque os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.
- Os veículos de mídia, seus representantes e os jornalistas não são responsáveis civilmente pelas falas de entrevistado, exceto na hipótese em que este imputa falsa prática de crime a terceiro, quando a empresa de mídia poderá ser responsabilizada civilmente e de forma solidária ao entrevistado se ficar comprovado que, à época da divulgação: (i) o responsável editorial possuía ciência da falsidade comprovada da imputação, optando por publicá-la dolosamente ou, dada a ciência, por grosseira negligência; ou (ii) se tratava de fato notório, amplamente divulgado e derivado de decisão judicial irrecorrível, tendo o veículo incorrido em dolo ou grosseira negligência, dada a notoriedade, na verificação da veracidade do fato; e (iii) não tiver sido dada oportunidade ao acusado de dar a sua versão dos fatos ou a entrevista não tiver sido acompanhada de apuração da falsa imputação de prática de crime.
- Estão excetuados casos de entrevistas e debates ao vivo, ainda que tenham sido gravados e possam ser posteriormente visualizados."
* Crédito da foto: Antonio Augusto/STF