Em lançamento no Caixa Belas Artes, autores do documentário “Quem matou? Quem mandou matar?” contam bastidores da produção
  • 30.10
  • 2017
  • 17:03
  • Mariana Gonçalves

Liberdade de expressão

Em lançamento no Caixa Belas Artes, autores do documentário “Quem matou? Quem mandou matar?” contam bastidores da produção

Política e polícia são elementos constantes no assassinato de jornalistas no interior do Brasil, revelou o jornalista Bob Fernandes no último sábado (28.out.2017) enquanto participava do debate realizado após o lançamento do documentário “Quem matou? Quem mandou matar?”, no Caixa Belas Artes em São Paulo. Fernandes é um dos autores do material, junto com o fotógrafo Bruno Miranda e o fotojornalista João Wainer.

“No caso do Djalma Santos [um dos personagens do filme], é só quando ele resolve atacar os políticos da região que o crime acontece”, ilustra Miranda. Djalma Santos foi assassinado no mesmo dia em que revelou ter “uma bomba” para anunciar na semana seguinte em seu programa de rádio.

A mediação do debate, que também contou com a participação de Wainer, foi de Angelina Nunes, integrante do Conselho Curador da Abraji e coordenadora do Programa Tim Lopes.

O filme é a primeira etapa do Programa Tim Lopes de Proteção a Jornalistas e reúne cenas inéditas das quatro reportagens publicadas pela Abraji na última semana. Conta as histórias dos assassinatos dos jornalistas Gleydson Carvalho, Djalma Santos, Rodrigo Neto, Walgney de Carvalho, Paulo Rocaro e Luiz Henrique ‘Tulu’, ocorridos entre 2012 e 2015 no interior de Minas Gerais, Ceará, Bahia e Mato Grosso do Sul. O trabalho revela os bastidores e os riscos de se fazer jornalismo fora dos grandes centros.

Durante o debate, os autores compartilharam com o público como foi produzir o documentário e os principais aprendizados que tiraram da experiência. 

Para Bob Fernandes, um aspecto que ficou claro após a apuração das histórias foi a fragilidade econômica dos jornalistas e das emissoras de rádio, que ainda são o principal meio de produção de conteúdo local no país. “Acho que o pano de fundo disso tudo é a dificuldade econômica, que eu chamo de monopólio, no jornalismo brasileiro”, afirmou Fernandes. “Temos estados em que um poderoso chefe político é dono de muitas emissoras de rádio, em que a programação de jornalismo é de duas horas por dia, disputando espaço com anúncios, horário para igrejas… Isso torna a atuação muito frágil. E cria uma cultura.”

O filme mostra que, muitas vezes, ser jornalista no Brasil significa administrar, ao mesmo tempo, os empregos de repórter, vendedor de anúncios, funcionário público ou dedetizador. Por esses motivos, no início do trabalho, Bob Fernandes e Bruno Miranda tiveram dúvidas em relação a quais personagens escolher. No fim, optaram por considerarem jornalistas os profissionais que eram conhecidos como tais pela comunidade em que vivam. “Tem cidade em que o jornalista é o cara com megafone na feira”, destacou Fernandes. 

No caso da produção das imagens, João Wainer e Bruno Miranda disseram que a ideia foi produzir um filme mais próximo da linguagem do cinema do que do telejornalismo. “Tudo valia de cobertura, e fizemos o roteiro depois de captar as imagens, porque achamos que funcionaria melhor assim”, contou Wainer. A intenção era produzir um material análogo ao que, em reportagens em texto, seria o new journalism, unindo à apuração jornalística elementos visuais das artes e do entretenimento. 

Para Fernandes, a maior dificuldade durante a apuração foi vencer o medo das personagens. “Em Ipatinga, por exemplo, as pessoas não queriam mais falar disso. Havia medo, havia muita dor nas pessoas. Foi difícil chegar, fazê-las contar o que sabiam.”

Apesar disso, após a publicação das reportagens, o repórter disse ter recebido uma “agradabilíssima reação” dos entrevistados, principalmente familiares dos jornalistas mortos. Além disso, três meses depois da ida da equipe à cidade de Camocim, onde mataram o cearense Gleydson Carvalho, mais duas pessoas foram presas pelo crime, e a investigação continua. “Acho que isso teve a ver com nossa passagem”, disse Fernandes. “É bom a gente ficar acompanhando.”

“O que ficou da experiência foi a realização de um trabalho honesto e reconhecido pelos envolvidos”, completou Miranda. “Reconhecido pelas pessoas que tiveram algum tipo de sofrimento e, com o vídeo, conseguiram algum alívio.”

Programa Tim Lopes

O presidente da Abraji, Thiago Herdy, leu na ocasião do lançamento um texto de Marcelo Beraba, idealizador do Programa Tim Lopes. “Este programa deveria ter nascido 15 anos atrás, seis meses antes do surgimento da Abraji”, escreveu o jornalista. 

O Programa Tim Lopes tem o objetivo de jogar luz sobre as investigações de assassinatos e sequestros de jornalistas e dar continuidade às reportagens interrompidas por criminosos no intuito de impedir sua publicação. 

Após a primeira fase do programa, que terminou com o lançamento do filme, a Abraji deve formar um “pool” de jornalistas, empregados de diferentes redações, que, daqui para frente, acompanhará cada caso de assassinato, sequestro ou tentativa de assassinato ou sequestro de jornalista no país. Todas as despesas das viagens serão cobertas, e os veículos terão o compromisso de publicar, em conjunto, o resultado da apuração dos repórteres, com o objetivo de dar visibilidade aos crimes e ao trabalho das vítimas.

“O que nós vamos fazer é um trabalho que não existe aqui”, ressaltou Angelina Nunes. “O diferencial do programa será fazer todos entenderem que o que importa não é o furo, é a apuração.”

O documentário deve ser disponibilizado em breve no site do Programa Tim Lopes. Segundo Herdy, em parceria com associados, a Abraji realizará eventos para exibir o filme no Rio de Janeiro, em Porto Alegre e em Belo Horizonte. 

“Acho que o mais importante dessa história é fazer com que as pessoas tenham esse sentimento de que matar um jornalista não vale a pena”, disse Wainer. “Porque a resposta vai ser tão grande, tão gigantesca, que talvez, para eles, o ‘dano’ que esse cara cause denunciando seja menor do que o ‘dano’ que vai causar matar um cara desses. Talvez esse seja o principal objetivo desse projeto todo.”

Além da participação de Bob Fernandes, Bruno Miranda e João Wainer, “Quem matou? Quem mandou matar?” teve roteiro e montagem de André Felipe, produção de Lucas Ferraz, decupagem de Eliano Jorge e finalização de André Freire. A produção executiva foi de Thiago Herdy e Guilherme Alpendre.

Assinatura Abraji