• 28.04
  • 2010
  • 16:56
  • Marcelo Moreira

Em Genebra, jornalista iraquiano que atirou sapato em George Bush diz que "faria tudo de novo"

Marcelo Moreira*, de Genebra

No fim de 2008, um já desgastado George Bush tinha uma viagem a Bagdá, como uma de suas últimas agendas de governo. A invasão iraquiana e a queda da ditadura de Saddam Husseim apenas deram início a uma nova crise na região do Oriente Médio, que tinha se tornado pelo governo americano o grande bode expiatório do 11 de Setembro.

A entrevista coletiva no palácio do primeiro ministro Nouri al-Maliki seguia chata até que um dos repórteres presentes atirou um sapato em George Bush. "Este é o seu beijo de despedida", gritava ele. "Isto é pelas viúvas e todos os mortos no Iraque", berrava, enquanto atirava o outro sapato. Jogar um sapato em alguém é um ato de extremo desrespeito nas culturas árabe e islâmica.

Por conta de seu ato, o jornalista Munthader Al Zaidi, que na época trabalhava para a rede de tv iraquiana Al Baghdadia, foi preso, torturado e só foi libertado nove meses depois. Hoje, Zaidi, embora seja visto no Iraque como um herói nacional, vive no Líbano, afastado de sua família que até hoje vive no subúrbio de Bagdá.

Convidado especial da 6th Global Investigative Journalism Conference em Genebra, Zaidi contou como vive hoje, se tem algum arrependimento pelo que fez e seus planos de futuro.

Quando foi libertado, ele descobriu que muita gente gostou do que ele fez e retribui através de doações. Com o dinheiro, ele montou a Fundação Al Zaidi, dedicada a ajudar as viúvas e familiares dos mortos na guerra em seu país. "Não fiquei com um centavo do que me deram. Quero ajudar o meu povo".

Com alguma dificuldade diplomática de deslocamento, Zaidi tem participado de conferências e em todas elas acaba se tornando uma atração à parte. Ele fala em árabe na palestra, mas nas coletivas responde em inglês, com certa dificuldade. Paciente, sempre termina com uma sessão de fotos ao lado dos participantes e responde a mesma pergunta sobre o arrependimento depois de ter sido bastante torturado com golpes na cabeça e choques elétricos."Disseram que eu pedi desculpas, mas não é verdade. Se o tempo voltasse e eu estivesse no mesmo lugar, faria tudo de novo".

Hoje Zaidi diz que seu ato foi uma forma de protesto para que ele pudesse mostrar ao mundo o que ainda acontece no Iraque. "Eu vi soldados americanos matarem até crianças em jardins de infância. Muitas vezes tive que abandonar a caneta e meu crachá porque era muito perigoso trabalhar como jornalista naquele ambiente".

Assim como a maioria do povo iraquiano, Zaidi faz duras críticas ao que acontece em seu país, mas afirma que não tem ódio dos Estados Unidos.

"No 11 de Setembro, muita gente disse que teve comemoração no mundo islâmico. A verdade é que muitos de nós choraram pelos mortos na América. Agora sei que muitos americanos também não aprovam o que acontece hoje depois da ocupação do Iraque. Eu não tenho nada contra o povo americano. Tenho contra o Exército dos Estados Unidos."

Sete anos depois do ataque, Zaidi compara o Iraque de 2003, sob a ditatura de Hussein, a hoje: "eu prefiro viver em uma tumba a um castelo cercado e sem liberdade". O jornalista não demonstra muita esperança nos futuros governantes do Iraque, mas defende uma retirada imediata das tropas americanas.

Sobre o trabalho de jornalistas estrangeiros ele deu uma dica de quem conhece bem a situação em Bagdá. "Alguns trabalham com seguranças e usam carros blindados. Isso acaba sendo pior porque eles ficam mais visados pelas milícias. O estrangeiro, se quiser entender bem o Iraque, deve trabalhar discretamente e evitar os lugares mais perigosos".

Sobre o seu futuro, ele ainda não decidiu se volta para o Iraque. "A vida está muito dura lá e para mim perigosa, porque posso ser morto. Ainda não decidi quando vou voltar". Zaidi está escrevendo um livro em que vai contar sua história e quer um dia visitar o Brasil.

Fiz o convite para que ele venha um dia aqui contar sua experiência. Ele aceitou e me fez uma confissão ao pé do ouvido: "não gosto muito de falar, mas adoro futebol".

*Marcelo Moreira é vice-presidente da Abraji e editor-chefe do RJTV segunda-edição, telejornal local da TV Globo

Assinatura Abraji